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Ana Sanches e Andressa Dutra

O racismo ambiental, infelizmente, existe

Estruturas sociais e ocupação urbana promovem desigualdade histórica

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Ana Sanches

Doutoranda (USP), é pesquisadora no Instituto Pólis e ativista na Rede Quilombação Antirrascista

Andressa Dutra

Coordenadora do Instituto Mirindiba de ação climática popular, mestranda (UniRio) e militante no movimento negro e ambientalista

A ministra Anielle Franco (Igualdade Racial) causou espanto em muita gente ao usar o termo "racismo ambiental" para se referir às questões climáticas do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense. Muitos demonstraram desconforto e desconhecimento com o conceito, que existe há 40 anos e tem sua origem na luta por direitos civis nos EUA, com Benjamin Chavis e Robert Bullard, mas é usado por pesquisadores de questões ambientais em diversos países.

No Brasil, povos tradicionais, intelectuais e ativistas do movimento negro e socioambientalista denunciam há anos as violências, a falta de acesso à terra, água, energia, esgoto e alimentos, bem como os efeitos negativos de degradação em seus territórios combinada com a discriminação étnico-racial que vivenciam.

Alagamento em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, após forte chuva que atingiu a cidade do Rio de Janeiro e a região metropolitana - Eduardo Anizelli/Folhapress - Folhapress

Por isso, pontuamos que classe é um fator de análise fundamental que nos ajuda a observar as desigualdades. Mas é preciso um olhar interseccional e complexificado para entender as estruturas sociais que promovem uma desigualdade histórica desde o Brasil colônia, com a expulsão dos povos originários e a escravização de corpos negros. Reforçadas através de leis que impediram negros de acessarem escolas, a Lei de Terras (despejo), de 1850, e a política de incentivo à imigração, garantindo terra e trabalho aos europeus.

Apontar o racismo ambiental é dizer sobre a discriminação racial dos impactos desiguais da degradação ou de eventos extremos. Consequências de práticas coloniais que se perpetuam com a grilagem e a exploração de territórios de povos tradicionais e no abandono de cada periferia sem infraestrutura. Basta olhar o ataque aos pataxós e yanomamis. Nas cidades, basta olhar o número expressivo de pessoas negras vítimas de tragédias-crimes previsíveis que protestam e choram por perder bens materiais, entes queridos e dignidade.

Dados do Ipea (2021) apontam a diferença da renda e de trabalho entre pessoas brancas e negras pobres. Estudos do Instituto Pólis e da Casa Fluminense demonstram que locais onde a renda da população é maior há mais concentração de pessoas brancas e melhores condições de urbanização e saneamento ambiental se comparadas a bairros com maior presença de população negra.

Negar a prática do racismo ambiental e climático é negar uma estrutura e a intelectualidade negra. Por isso, defendemos o acesso e a permanência de pessoas que consideram saberes e tecnologia dos povos tradicionais e periféricos nas políticas do planejamento urbano e da questão socioambiental com ética e cientificidade.

Por fim, é importante evidenciar que os responsáveis pelas consequências das tragédias-crimes anunciadas são aqueles que lucram e ocupam espaços de poder, negando a existência do racismo e das discriminações étnico-raciais nos efeitos das questões ambientais. A culpa não é da chuva nem de são Pedro, pois, enquanto fingem que não enxergam, nós seguiremos reafirmando que, enquanto houver racismo ambiental, não haverá justiça climática ou democracia!

TENDÊNCIAS / DEBATES
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