A ministra Anielle Franco (Igualdade Racial) causou espanto em muita gente ao usar o termo "racismo ambiental" para se referir às questões climáticas do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense. Muitos demonstraram desconforto e desconhecimento com o conceito, que existe há 40 anos e tem sua origem na luta por direitos civis nos EUA, com Benjamin Chavis e Robert Bullard, mas é usado por pesquisadores de questões ambientais em diversos países.
No Brasil, povos tradicionais, intelectuais e ativistas do movimento negro e socioambientalista denunciam há anos as violências, a falta de acesso à terra, água, energia, esgoto e alimentos, bem como os efeitos negativos de degradação em seus territórios combinada com a discriminação étnico-racial que vivenciam.
Por isso, pontuamos que classe é um fator de análise fundamental que nos ajuda a observar as desigualdades. Mas é preciso um olhar interseccional e complexificado para entender as estruturas sociais que promovem uma desigualdade histórica desde o Brasil colônia, com a expulsão dos povos originários e a escravização de corpos negros. Reforçadas através de leis que impediram negros de acessarem escolas, a Lei de Terras (despejo), de 1850, e a política de incentivo à imigração, garantindo terra e trabalho aos europeus.
Apontar o racismo ambiental é dizer sobre a discriminação racial dos impactos desiguais da degradação ou de eventos extremos. Consequências de práticas coloniais que se perpetuam com a grilagem e a exploração de territórios de povos tradicionais e no abandono de cada periferia sem infraestrutura. Basta olhar o ataque aos pataxós e yanomamis. Nas cidades, basta olhar o número expressivo de pessoas negras vítimas de tragédias-crimes previsíveis que protestam e choram por perder bens materiais, entes queridos e dignidade.
Dados do Ipea (2021) apontam a diferença da renda e de trabalho entre pessoas brancas e negras pobres. Estudos do Instituto Pólis e da Casa Fluminense demonstram que locais onde a renda da população é maior há mais concentração de pessoas brancas e melhores condições de urbanização e saneamento ambiental se comparadas a bairros com maior presença de população negra.
Negar a prática do racismo ambiental e climático é negar uma estrutura e a intelectualidade negra. Por isso, defendemos o acesso e a permanência de pessoas que consideram saberes e tecnologia dos povos tradicionais e periféricos nas políticas do planejamento urbano e da questão socioambiental com ética e cientificidade.
Por fim, é importante evidenciar que os responsáveis pelas consequências das tragédias-crimes anunciadas são aqueles que lucram e ocupam espaços de poder, negando a existência do racismo e das discriminações étnico-raciais nos efeitos das questões ambientais. A culpa não é da chuva nem de são Pedro, pois, enquanto fingem que não enxergam, nós seguiremos reafirmando que, enquanto houver racismo ambiental, não haverá justiça climática ou democracia!
TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.