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Paulo de Tarso

Arquitetura prisional precisa ser revista

Fuga em Mossoró expõe modelo obsoleto; industrialização traria mais segurança à sociedade e dignidade aos encarcerados

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Paulo de Tarso

Arquiteto e doutor em artes visuais pela Unicamp; autor de “Como não Enlouquecer - Construindo, Reformando e Salvando o Casamento" (KI Produções)

Não existem otimistas, somente realistas e mentirosos

Paul Virilio

filósofo e urbanista francês

O filósofo utilitarista Jeremy Bentham (século 18) propunha que a correção do mal trazia um benefício a todos. Para aqueles que cometiam crimes, ele sugeriu um regime chamado pan-óptico, ou seja, a vigilância visual permanente dos prisioneiros a fim de evitar o descaminho ou a fuga. O modelo prisional de Bentham é utilizado até hoje. Nesse mister, a fuga de presos em Mossoró (RN) mostra uma falha no sistema e, de acordo com uma lei estatística, quando um evento ocorre uma vez, ele ocorrerá infinitas vezes.

As falhas são sempre multifatoriais, mas as autoridades insistem em incorrer em todas. Dentre os fatores contributivos para essas falhas está um que dificilmente é lembrado: a arquitetura prisional. Para uma revisão do sistema prisional é necessário a inclusão de profissionais de arquitetura que possam ajudar no processo. O que está acontecendo nos presídios do Norte e Nordeste do país (e se reflete em praticamente todos os estados) é fruto da falta de prisões, incúria, má vontade e a ação deletéria das facções que controlam todo o interior das prisões.

Buraco na cela por onde presos fugiram do presídio de Mossoró
Buraco na cela por onde presos fugiram do presídio de segurança máxima federal de Mossoró - Divulgação - Divulgação

Colocar a culpa na janela de sol, na falta de muralha e no gradil não resolve o problema. A janela deveria resistir a qualquer tentativa de quebra. Se quebrou é por que o concreto não tinha qualidade. Os gradis não são barreiras. Muralhas da forma como são projetadas não são solução. Elas precisam ser inescaláveis.

É um país que prende muito e prende mal. Não há reinserção social. As prisões se tornaram a faculdade do crime. A luta por condições mínimas de dignidade é uma luta justa. A errônea filosofia brasileira de "bandido bom é bandido morto" não vale nas prisões. O que vale é "bandido bom é bandido torturado".

A arquitetura prisional no Brasil é um tema que se compõe de adaptações de prédios de isolamento, baseados em antigos manicômios. Não possuímos uma arquitetura dedicada a resolver os problemas inerentes a uma penitenciária: segurança, isolamento, conforto, limpeza e condições sanitárias, entre outros fatores.

Há fábricas de prisões nos Estados Unidos (sim, elas existem) que têm tecnologia para produzir penitenciárias em meses, num processo muito rápido.

Cada tipo de cela tem capacidade para diversas quantidades de detentos. Possuem camas, sanitários e condições adequadas de temperatura. São claras, ventiladas e têm duas curiosidades: pintura à prova de grafites (uma tinta que se regenera em 24 horas, o paradoxo da janela quebrada) e não possuem conexões elétricas expostas.

O emprego de tais tecnologias representaria um considerável avanço na arquitetura prisional no Brasil, onde as construções de prisões são precárias, mal projetadas e, por tais razões, submetidas constantemente a revoltas, incêndios e destruição das estruturas (elas são construídas com blocos e concreto, não com concreto reforçado).

Nossos processos licitatórios são um convite à corrupção, resultando, além da má gestão do dinheiro público, nas péssimas condições encontradas nas cadeias nacionais. Os famosos aditivos contratuais são a porta de entrada para a corrupção.

O processo construtivo é de domínio das construtoras brasileiras, sendo somente necessário a importação dos moldes, com que se fabricam as peças.

A construção é como uma montagem de Lego, possibilitando a partir de módulos erguer prisões, bem como escolas, bibliotecas e habitações para emergências.

A arquitetura prisional pode oferecer nova visão e soluções para o problema. Pode contribuir e dissipar a imagem de que a arquitetura, neste tema, é neutra.

A industrialização das penitenciárias abriria um novo ciclo para as prisões brasileiras e traria um pouco mais de dignidade para os encarcerados.

Outras reformas são importantes: educação, educação e educação!

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