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Fernanda Garibaldi

Servidores do Banco Central devem ser valorizados pelos bons serviços prestados

Nos últimos dez anos, BC tem honrando compromisso público enquanto autoridade monetária

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Fernanda Garibaldi

Advogada, é mestre e doutora em direito (USP) e diretora-executiva da Zetta, associação de empresas de tecnologia que oferecem serviços financeiros digitais

Os servidores do Banco Central do Brasil convocaram, para esta terça (20) e quarta-feira (21), uma paralisação das atividades após decisão tomada pela categoria em assembleia, no último dia 9, na qual rejeitaram a proposta do governo federal de conceder reajuste de 13%, parcelado para 2025 e 2026, dentre outras demandas não acolhidas.

Em que pese a legitimidade das reivindicações, que têm como foco a reestruturação da carreira — discussão que não se confunde com o recente debate sobre autonomia financeira do órgão trazida pela PEC 65/2023—, a mobilização não afeta os serviços essenciais da autoridade monetária, como a compra e venda de títulos públicos para regular a Selic e o funcionamento do Pix. No entanto, se configura como uma excelente oportunidade para refletir sobre as entregas que o órgão tem feito para a sociedade brasileira nos últimos anos.

Servidores do Banco Central fazem protesto em frente ao prédio da instituição, em Brasília - Pedro Ladeira - 1º.nov. 2023/Folhapress - Folhapress

A lógica hermética da matéria e a atividade relativamente insulada de seu corpo técnico contribuem para uma certa opacidade do interesse público subjacente à atividade do Banco Central, e da relativamente pequena "accountability" dos resultados desempenhados para os objetivos específicos traçados pela legislação.

Apesar disso, empiricamente, é possível notar grandes mudanças na paisagem regulatória do Sistema Financeiro Nacional, pelo menos na última década.

O exemplo mais propalado é o chamado "mercado de meios de pagamento", que saltou de um cenário de alta concentração em 2010 para uma profusão de novos entrantes, sobretudo no nicho de adquirência (empresas de "maquininhas"), por meio de uma combinação de fatores e de atuações do Banco Central e do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

O florescimento da concorrência no mercado de meios de pagamento brasileiro não foi fruto do acaso.

Ao contrário, o novo cenário foi caudatário direto de um alinhamento de incentivos regulatórios que trouxeram a competição como um dos valores primários da regulação financeira que, tradicionalmente, tem como objetivos fulcrais a liquidez e solvência das instituições, além da busca permanente pelo controle de preços. Esse último objetivo realça, inclusive, como a estabilidade monetária passou a ser tratada, merecidamente, como bem público nessa quadra da história, especialmente no caso do Brasil, tendo em vista nosso histórico inflacionário.

O fato de a autoridade monetária brasileira ter construído uma regulação pró-competição no mercado de meios de pagamentos não deve passar despercebida. Trata-se aqui de um símbolo da maturidade institucional de seu corpo técnico, que passou a enxergar a competição como mais uma ferramenta disciplinadora da conduta dos agentes econômicos, ao lado da regulação prudencial e sistêmica que recai sobre o setor, e menos com um fator de atração de instabilidade para o mercado.

Nesse sentido, embora os reguladores financeiros persigam, essencialmente, a estabilidade e solidez do sistema financeiro, a experiência internacional aponta que, há pelo menos 20 anos, as interações entre autoridades regulatórias financeiras e órgãos antitruste existem intensamente, porque também existe previsão normativa para que as autoridades monetárias zelem pela eficiência e competitividade do mercado, ainda que de maneira complementar e acessória ou concorrente e dividida com as autoridades concorrenciais, como é o caso do Brasil.

A lei complementar 179/2021, que conferiu autonomia operacional ao Banco Central, determina que o escopo fundamental do órgão é assegurar a estabilidade de preços.

Na sequência, diz a letra da lei que, sem prejuízo de seu objetivo primordial, a autoridade monetária também deve zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego. Ainda de acordo com o mesmo normativo, cabe privativamente ao Banco Central conduzir a política monetária necessária para o cumprimento das metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Sem prejuízo da análise valorativa das referidas competências e de outras determinações aplicáveis em outro momento, compete ao Banco Central, portanto, cumprir e fazer cumprir as disposições que lhes foram atribuídas legislativamente e as normas expedidas pelo CMN que, dentre outras indicações, deve orientar a aplicação de recursos e propiciar condições favoráveis ao desenvolvimento harmônico da economia nacional nas diferentes regiões do país.

Por silogismo claro, não é difícil perceber que a atuação do Banco Central do Brasil vem, sobretudo nos últimos dez anos, em linha com essas atribuições normativas e com o compromisso notório de aprimoramento de sua missão pública enquanto autoridade monetária.

Em que pese não existir um comando legislativo, expresso, determinando o exercício de "advocacia da concorrência" a cargo do Banco Central, uma leitura sistemática da lei 4.595/64, sua lei instituidora, combinada com a lei 12.865/13, a Lei de Meios de Pagamentos, destacam sua responsabilidade e dever perante a competição, inovação (vide o Pix e o Drex) e inclusão no setor, valores instrumentais à defesa dos consumidores nacionais, ao exercício da fiscalização que lhe compete e ao desenvolvimento pleno da cidadania financeira no país.

Destarte, embora a promoção da competição no mercado financeiro e de pagamentos não seja a panaceia para resolver todas as falhas de mercado, em um setor que ganha, cada vez mais, contornos complexos em razão do influxo da tecnologia e do avanço da inteligência artificial no mundo, é inegável a sofisticação que o debate ganhou no Brasil na última década —e isso se deve, sobretudo, à disposição e excelente capacidade técnica de nosso Banco Central.

Apoiar seus servidores e valorizar suas carreiras, portanto, é mais do que legitimar seus pleitos específicos: é um dever de cada cidadão nacional. Trata-se de valorizar a entrega que esses funcionários públicos têm feito para a sociedade brasileira em nossa história recente, zelando, especialmente, por aquilo que positivamos constitucionalmente em 1988: estruturar um sistema financeiro de modo a promover o desenvolvimento equilibrado e a servir aos interesses da coletividade do país.

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