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Giancarlo Summa e Nina Santos

Facebook e Instagram fecham acesso a dados às vésperas das eleições

Meta vai acabar com ferramenta gratuita para estudar fluxos de conteúdos

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Giancarlo Summa

Pesquisador no Ehess (École des Hautes Études en Sciences Sociales), em Paris; ex-diretor de comunicação da ONU no Brasil e México

Nina Santos

Pesquisadora no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (UFBA) e diretora do Aláfia Lab

O punhado de grandes empresas que controlam as redes sociais digitais e o acesso a dados sobre o que acontece na internet conseguiram, até agora, barrar quaisquer esforços de regulamentação no Brasil. Às vésperas das eleições municipais de outubro, que parecem destinadas a repetir a polarização entre o campo democrático e o bolsonarismo autoritário que marcou a eleição presidencial em 2022, os esforços para garantir a transparência do jogo eleitoral na redes se tornaram mais difíceis por causa de uma decisão anunciada pela empresa Meta.

No último dia 14 de março, a Meta comunicou que, a partir de 14 de agosto, acabará com o CrowdTangle, uma ferramenta gratuita de monitoramento usada por pesquisadores e jornalistas ao redor do mundo para estudar os fluxos de conteúdos no Facebook e no Instagram. Ainda que limitado, trata-se de um instrumento fundamental para cruzar dados e acompanhar tendências em tempo real, o que ajuda a detectar campanhas de desinformação.

Mark Zuckerberg, presidente da Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp), depõe no Senado americano - Roberto Schmidt/AFP - AFP

Após o escândalo da Cambridge Analytica, em 2018, a empresa de Mark Zuckerberg tentou melhorar sua imagem e ajudou a criar projetos de checagem de informação mundo afora. No Brasil, por exemplo, financiou (junto com o Google) o Projeto Comprova, uma iniciativa da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) que reúne jornalistas de dezenas de veículos de comunicação, inclusive desta Folha, para desmascarar informações falsas compartilhadas nas redes.

O trabalho de "debunking" (estratégia de detecção e desmascaramento de desinformação e fake news) foi especialmente precioso durante a pandemia de Covid-19, quando os negacionistas difundiam informações falsas sobre o coronavírus e as vacinas. A Meta também liberou o acesso gratuito à CrowdTangle para jornalistas e acadêmicos, tornando possível, pela primeira vez, pesquisar facilmente os conteúdos de Facebook e Instagram. Não é algo trivial: Facebook é a mídia social com maior penetração, tanto em nível global (3 bilhões de usuários ativos em janeiro de 2024) quanto no Brasil (150 milhões de usuários); Instagram tem 2 bilhões de usuários globais e 123 milhões no Brasil. Uma pesquisa do Aláfia Lab, em 2023, mostrou que Facebook e Instagram são as redes digitais mais utilizadas pelos brasileiros em busca de informação.

No entanto, a Meta dissolveu a equipe do CrowdTangle em 2021, interrompeu os registros de novos usuários em 2022 e agora anunciou que fechará definitivamente a ferramenta —poucas semanas antes das eleições presidenciais nos Estados Unidos e das municipais no Brasil. A Meta lançou uma nova ferramenta, chamada Biblioteca de Conteúdo, mas somente acadêmicos e pesquisadores poderão acessá-la, passando pelo crivo de uma universidade nos Estados Unidos. Os jornalistas, ao contrário, não terão acesso.

A decisão da Meta de limitar o acesso a dados é só mais um passo na direção da opacidade do ambiente digital. Em 2023, Elon Musk fechou o acesso ao sistema operativo do "X", o antigo Twitter, fazendo com que as opções de pesquisa anteriormente gratuitas passassem a custar dezenas de milhares de dólares por mês. O que está se criando é um nível de opacidade e de desigualdade cada vez maior. A autorregulação das empresas não funciona. É preciso aprovar com urgência uma regulamentação que crie exigências legais de transparência no ambiente digital.

No Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral passou a exigir que as empresas criem bibliotecas de anúncios políticos (especificando valores, quem pagou, se teve segmentação de público etc.). É útil, mas apenas uma parte do problema. Só a via legislativa será capaz de construir parâmetros claros sobre acesso a dados de conteúdos, orgânicos e pagos, que envolvam temas políticos e outros, em períodos eleitorais e não eleitorais, possibilitando o acompanhamento do debate público e o monitoramento de eventuais riscos.

A União Europeia conseguiu avançar com a aprovação do Digital Services Act, em 2022, e hoje as empresas, ainda que a contragosto, têm que se adaptar às novas regras. No Brasil, a discussão do projeto de lei 2.630, o PL das Fake News, enfrenta a oposição das big techs e está parado no Congresso Nacional.

Apesar das dificuldades, ainda é a melhor possibilidade que temos para seguir o exemplo europeu: estabelecer regras baseadas no interesse público, que permitam que o ambiente digital possa servir para fortalecer a democracia. E não para ameaçá-la.

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