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Vitor Boaventura

Marielle, estrela viva a iluminar a democracia brasileira

Solar e corajosa, vereadora é o país pelo qual vale a pena lutar

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Vitor Boaventura

Advogado, é professor convidado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

"Uma pessoa grávida de futuro. Sentia em si uma esperança tão violenta como jamais sentira tamanho desespero. Se ela não era mais ela mesma, isso significava uma perda que valia por um ganho. Assim como havia sentença de morte, a cartomante lhe decretara sentença de vida" (Lispector, Clarice; "A hora da Estrela" - editora Rocco, 2008). Clarice Lispector foi uma escritora ucraniana que veio parar no Brasil e que escreveu seus textos em português, um verdadeiro presente. Em sua obra "A Hora da Estrela", retratou a vida e o silenciar de Macabéa, uma mulher comum, mas em tudo especial, vítima de um trágico atropelamento.

Marielle Franco foi uma política brasileira solar. Uma mulher. Preta. Mãe. Socióloga. E, apesar das circunstâncias e das características que poderiam subjugá-la em nossa sociedade, Marielle triunfava e iluminava o Rio de Janeiro com o seu sorriso, com a sua luta. E, então (disparos de arma de fogo), ela se foi —tirada de nós brutalmente, no centro do Rio. Silêncio e vazio. Eclipse solar.

Homenagem a Marielle Franco no escadão da rua Cardeal Arcoverde com a rua Cristiano Viana, em São Paulo - Zanone Fraissat - 7.dez.2020/Folhapress

O contexto da execução de Marielle finalmente foi desvendado. Seus algozes conhecerão a Justiça. Contudo, a mensagem que a sua execução deixa permanece. No conflito entre o Brasil democrático que luta para triunfar e o Brasil autoritário que um dia triunfou, não é difícil perceber a dimensão simbólica do assassinato de Marielle. É uma mensagem literal, a demarcação de uma fronteira: linha de morte para aqueles que agirem para conquistar espaços de representatividade e aprofundar as possibilidades transformadoras da democracia brasileira.

Durante a sua vida, Marielle foi corajosa. Ela incorporou o espírito de uma geração de brasileiras e brasileiros que acreditam na ordem democrática instituída pela Constituição de 1988. Marielle pautou sua ação política na defesa das políticas de inclusão social e redução das desigualdades estruturais do Brasil como formas de superar uma realidade onde a exclusão é a regra, não a exceção. Talvez por isso, para além das outras motivações dos algozes para executá-la, tivessem os assassinos também a intenção de seu definitivo apagamento.

Assim como estava a cartomante para Macabéa, ao condenarem Marielle à morte existencial seus algozes, porém, deram-lhe vida, que se eterniza nos seus ideais e na sua intransigente luta em favor da democracia. A escuridão do seu eclipse não durou. O sol não se apagou e a sua hora é perene. Marielle hoje vive em todos os que partilham com ela o sonho de uma sociedade democrática e plural, na qual o primado seja o da Justiça social, do afeto e da empatia. Marielle é o Brasil pelo qual vale a pena lutar.

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