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José Vicente

Retirar as bonecas negras das escolas contradiz política pública

Não se trata de estética, mas de valorizar a diversidade em sua plenitude

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José Vicente

Advogado, sociólogo e doutor em educação, é fundador e reitor da Universidade Zumbi dos Palmares e membro do Conselho Editorial da Folha

A representatividade e o senso de pertencimento desempenham papéis cruciais na eficácia de práticas antirracistas. O que não faz parte da minha identidade está, sem dúvida, mais distante do meu entendimento e das batalhas que enfrento diariamente.

No ano passado, chegaram às escolas municipais de São Paulo bonecas e bonecos negros e com características andinas para apoiar atividades pedagógicas. Os itens foram entregues junto com o lançamento de um currículo antirracista como parte da estratégia de implantação da lei 10.639/2003, que incluiu no currículo nacional a temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Um movimento pioneiro, digno de reconhecimento público.

Recentemente, soube que há entidades que têm solicitado a remoção dessas bonecas das escolas, mesmo após sua integração no ambiente educacional e participação nas atividades pedagógicas programadas. É preciso dizer que a retirada dessas bonecas negras, uma vez introduzidas, é uma ação potencialmente racista, contradizendo os princípios das políticas públicas. É crucial reconhecer que políticas públicas estão sujeitas a ajustes e melhorias através de um diálogo inclusivo e contínuo. No entanto, recolher as bonecas de seu contexto seria uma medida extrema, resultando não apenas em desperdício de recursos públicos mas também na aceitação de que a sociedade não admite que cerca de 56% se sintam representados na primeira infância.

As bonecas não são apenas objetos, mas sim ferramentas que possibilitam às crianças o reconhecimento e a identificação com a diversidade humana de forma indireta, porém prolixa e eficaz. Apresentam tonalidades de pele, estilos dos cabelos, traços faciais, padronagem de roupas, dentre outros elementos importantes à representatividade cultural envolvida na ação.

A boneca é uma representação aproximada da realidade por meio de uma imagem, ou seja, uma boneca de pano apresenta, dentro do lúdico, uma materialidade de semelhança ao corpo humano.

Também é importante pontuar que a introdução de bonecas representativas de diversas etnias não é uma imposição de um conceito de estética ou beleza, mas sim de garantir a valorização da diversidade em sua plenitude, inclusive estética. Historicamente, o conceito de beleza tem sido moldado por padrões que tendem a excluir características não brancas, perpetuando uma cultura de branqueamento.

A distribuição das bonecas, ao romperem com essa lógica, assume o compromisso de promover uma estética que celebra a multiplicidade de traços e características presentes na vasta "tapeçaria" da humanidade.

É necessário reconhecer que o projeto de introdução de bonecas nas escolas municipais é mais um ponto de partida para uma luta contínua e incansável pela ampliação da representatividade em todos os aspectos. Essa iniciativa visa construir um mosaico que reflita a diversidade e a riqueza de todas as existências, permitindo que cada criança se veja e se reconheça nas materialidades presentes em seu ambiente educacional. É necessário agir agora para garantir que as próximas gerações cresçam em um ambiente que celebre e valorize a pluralidade, promovendo assim uma sociedade mais inclusiva e justa.

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