Descrição de chapéu
Rafael Bellem de Lima e Laura Muller Machado

Homeschooling: o que significa 'ser tão ou mais eficiente que a escola'?

Criar modelo equivalente ao ensino regular é árdua tarefa para os congressistas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rafael Bellem de Lima

Professor e coordenador da graduação em direito do Insper

Laura Muller Machado

Professora e coordenadora de gestão pública do Insper

O artigo 205 da nossa Constituição estabelece que a educação é direito de todos e visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A responsabilidade pelo cumprimento desse dever, segundo o texto constitucional, é do Estado, da família e da sociedade —e não de um ou de outro.

Diante desse arranjo, o Supremo Tribunal Federal decidiu em 2018 que a Constituição, apesar de não garantir a pais, mães e responsáveis o direito de não matricular seus filhos na escola, tampouco proíbe qualquer legislação que autorize a forma domiciliar de ensino.

Criança estuda em casa nos EUA durante a pandemia; no Brasil, ‘homeschooling’ pode ser regulamentado   - Eric Baradat 20.mar.20/AFP - AFP - AFP

O STF, contudo, não deu carta branca ao Congresso. A única forma de ensino domiciliar admitida pela Constituição seria a que o ministro Alexandre de Moraes, relator do acórdão, chamou de "modelo utilitarista" ou "por conveniência circunstancial". Nas palavras de Moraes, em situações de impossibilidade de acesso às dependências escolares, bullying, violência ou restrição de ordem religiosa, o ensino domiciliar poderia constituir uma "alternativa útil para prover os fins educacionais de modo tão ou mais eficiente que a escola", desde que respeitasse todas as exigências e finalidades estabelecidas pela Lei Maior: a obrigatoriedade para pessoas entre 4 e 17 anos, o cumprimento do currículo definido pelo Estado, a fiscalização e avaliação pelo poder público e, não menos importante, a garantia de socialização e a convivência comunitária de crianças e adolescentes.

A restrição ao ensino domiciliar não é uma arbitrariedade da Constituição ou dos ministros. Há evidências que embasam a opção pela excepcionalidade do homeschooling para crianças e adolescentes. A experiência dos outros países nos mostra, a partir de ampla literatura documentada, que o aprendizado efetivo a partir do ensino remoto, que é a principal base do modelo domiciliar, é muito inferior ao que sabemos ser possível. Os estudos de Zimmer et al. (2009), Wooworth et al. (2015) Ahn e McEachin (2017) e Fitzpatrick et al. (2020), que avaliaram o ensino a distância, encontraram uma taxa de aprendizado em matemática de, em média, 17% e, em linguagens, de 38% do encontrado no ensino presencial. Em outras palavras, os alunos em ensino domiciliar com acesso a vídeos e aulas aprendem 17% ou 38% do que aprenderiam se estivessem no ensino regular.

Cumprir os objetivos previstos na Constituição para a educação demanda, porém, muito mais do que o aprendizado de linguagens e matemática. Espera-se que os alunos tenham habilidades de socialização e se desenvolvam emocionalmente. Não há indícios de que o ensino domiciliar proporcione oportunidades de desenvolvimento socioemocional e, mais do que isso, não temos mecanismos para avaliar se ocorrerá caso o homeschooling seja permitido no Brasil. A Prova Brasil, que é um dos principais instrumentos de avaliação disponíveis, mensura apenas o aprendizado de linguagem e matemática. No caso das outras habilidades necessárias e previstas no nosso currículo nacional, dependemos essencialmente da observação pelos educadores.

O ambiente escolar permite que se acompanhe o desenvolvimento de crianças e adolescentes e que se mantenha vigilância para casos de violações de desenvolvimento e de direitos. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, 72,2% dos estupros de vulneráveis (de até 13 anos) acontecem na residência da vítima. Em 71,5% das vezes, o estupro é cometido por um familiar. Foram 52 mil casos em 2022. Ir à escola, nesses casos, pode ser uma chance de ser visto, pedir socorro ou de sinalizar que algo está errado.

O Congresso Nacional trabalha na criação de uma lei para o ensino domiciliar que possa atender as exigências constitucionais. Precisa, portanto, apresentar um modelo que seja "tão ou mais eficiente do que a escola", inclusive para o desenvolvimento socioemocional de crianças e adolescentes. Mesmo para as situações excepcionais, que, na visão do Supremo, seriam as únicas que poderiam justificar um modelo alternativo à escola, essa tarefa não parece ser nada fácil.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.