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Livi Gerbase e Nathalie Beghin

Justiça tributária para enfrentar as desigualdades

Taxar dividendos e super-ricos é missão para o país, inclusive na presidência do G20

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Livi Gerbase

Pesquisadora do Centre for International Corporate Tax Accountability and Research (Cictar)

Nathalie Beghin

Integrante do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)

Nos últimos cinco anos, cinco famílias bilionárias brasileiras acumularam R$ 22 bilhões em dividendos recebidos de suas empresas. Essas rendas entraram líquidas nas suas contas, pois no Brasil não incidem impostos sobre dividendos. Se o país taxasse apenas essas cinco famílias em proporções equivalentes à alíquota média europeia, de 24%, o governo federal poderia ter arrecadado ao menos R$ 5,3 bilhões. Esse valor é equivalente ao orçamento anual do Programa Nacional de Alimentação Escolar, que atende mais de 40 milhões de alunos de escolas públicas com refeições diárias.

Esse exemplo ilustra uma questão estrutural das desigualdades no Brasil: 60% da renda do 1% mais rico é composta apenas por dividendos, o que significa que, no geral, os muito ricos pagam, proporcionalmente, poucos impostos. Portanto, a tributação dos dividendos deve aparecer como uma medida urgente na reforma tributária em curso no país.

Phil White, milionário britânico, segura placa que diz "Taxar os ricos" durante Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça - Fabrice Coffrini - 18.jan.2023/AFP - AFP

É também por essa razão que vem ganhando força a proposta de criação de um imposto sobre a riqueza. Para o economista francês Gabriel Zucman, se implementada uma taxa de apenas 2% sobre a riqueza de um grupo restrito de 3.000 bilionários, a medida liberaria US$ 250 bilhões adicionais em receitas com impostos. Um tributo dessa natureza contribuiria para diminuir as desigualdades e ajudaria no fortalecimento da coesão social e da democracia.

Ao imposto global sobre a riqueza devem somar-se outros mecanismos de contenção da enorme drenagem de recursos praticada pelos muitos ricos e pelas grandes empresas privadas. As multinacionais e os bilionários possuem uma série de ferramentas a seu dispor —inalcançáveis para a maioria das pessoas e empresas— para fugir dos impostos e que levam os países a perderem cerca de US$ 480 bilhões por ano. A não taxação de dividendos no Brasil é só um exemplo de um emaranhado de brechas legais e ilegais construído pelos muitos ricos para pagar pouco ou nenhum imposto.

Fechar essas brechas só é possível combinando esforços nacionais, regionais e internacionais. Por isso, é muito importante que, sob a presidência brasileira, o G20 apoie o fortalecimento da Convenção das Nações Unidas sobre Cooperação Tributária Internacional. Essa convenção, impulsionada originalmente pelos países africanos, é o único mecanismo verdadeiramente inclusivo e democrático, do qual participam todos os países, em matéria de justiça fiscal.

A iniciativa apenas começou e necessita de apoio para fazer face ao lobby dos poderosos, a quem não interessa esse tipo de institucionalidade. Os sistemas tributários possuem potencial enorme de justiça ao garantir que todas as pessoas, físicas e jurídicas, paguem seus impostos de acordo com suas capacidades. É isso que a presidência brasileira do G20 deve perseguir.

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