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Malu Gatto e Débora Thomé

Mulheres da política e lideranças partidárias: uma relação complicada

Discurso pró-diversidade esbarra em conveniência e pragmatismo eleitoral

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Malu Gatto

Professora (University College London) e pesquisadora do programa +Representatividade, do Instituto Update

Débora Thomé

Pesquisadora da FGV/Cepesp e do programa +Representatividade, do Instituto Update

Sempre que se iniciam novos debates sobre mudanças nas regras eleitorais, as mulheres eleitas, as candidatas ou mesmo os grupos que advogam por mais mulheres na política no Brasil (lembrando que o país é um dos piores do mundo no quesito) aumentam seus níveis de preocupação. Isso porque sabemos que, apesar de a cota existir desde 1995 e de alguns outros avanços na lei, como a obrigação de candidatas mulheres receberem 30% do financiamento público de campanha, sempre que os partidos e suas lideranças masculinas podem, eles tentam não obedecer regras que arrisquem ameaçar seu espaço, as quais têm o potencial de proporcionar mais diversidade na representação.

Isso tem uma razão: se hoje a Câmara dos Deputados tem, entre um total de 513 representantes, 422 homens, são justamente eles que dominam o poder; portanto, não querem perder nem um naco dele.

Deputados no plenário da Câmara durante sessão solene de reabertura do ano legislativo - Pedro Ladeira - 5.fev.24/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress

Assim, tentam controlar as mudanças que, por ventura, venham a ocorrer no sistema. Lembrando que deputados federais eleitos costumam ser também importantes lideranças de seus próprios partidos —em nível local, bem como regional e nacional. No concreto, podemos afirmar que, como controlam os recursos, eles são peças fundamentais para que haja —ou não— mais mulheres na política.

Preocupadas com o papel das lideranças partidárias no que diz respeito à promoção de mais diversidade na política, entrevistamos alguns desses líderes para a pesquisa +Representatividade, do Instituto Update.

Nosso objetivo era entender como esses homens (porque se trata principalmente de homens) viam a questão. Tarefa difícil, uma vez que a maioria deles costuma respeitar a cartilha do "politicamente correto" e, sem hesitar, respondem que gostariam de ter mais mulheres e pessoas negras na política.

Entretanto, como essa resposta não nos satisfazia, formulamos um questionário que nos confirmou alguns pontos e nos permitiu identificar outros novos. Para começar, como já se sabe, lideranças partidárias dão preferência, na escolha de suas chapas e na distribuição de recursos (e mais especificamente de financiamento), a candidatos que já têm uma cadeira no Legislativo. Em sua grande maioria, quem já é incumbente é homem branco. Logo, de saída, são eles que têm prioridade.

Além disso, preferem candidatos que têm uma longa e sólida relação com o partido. Nesse sentido, sabemos que mulheres costumam ter dificuldade em estreitar esses laços, o que as prejudica na hora de ganhar a confiança das lideranças. A maioria das siglas cujos líderes entrevistamos não têm um sistema estruturado de distribuição de recursos, focando sobretudo em impressões gerais sobre a viabilidade eleitoral dos candidatos. Dessa forma, o processo de distribuição tende a ser discricionário, mas sempre com foco nos nomes vistos como com mais viabilidade eleitoral. O que, deve-se mencionar, é racional; afinal, querem manter suas cadeiras.

Outro ponto que nos ficou evidente na pesquisa foi que, ainda que lideranças mencionem a questão da diversidade, essa variedade não está necessariamente relacionada às categorias de gênero, raça, etnia e orientação sexual, sendo entendida de forma abrangente como variedade entre diferentes perfis (como representantes de diferentes profissões).

É bem verdade que já está incorporada a necessidade e a relevância da presença das mulheres entre candidatos, bem como que elas recebam o financiamento previsto em lei. Ao mesmo tempo, muitos partidos não obedecem à regra e fazem de tudo para não cumpri-la.

Em um contexto de reforma eleitoral, é fundamental que as lideranças partidárias, sabedoras de que são uma das peças mais importantes na inclusão de mulheres na política e na promoção de representatividade, posicionem-se a favor de uma democracia mais diversa.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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