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Luciana Téllez Chávez e Maria Laura Canineu

Será a pecuária brasileira cobrada a respeitar a lei?

A criação de gado é o principal vetor do desmatamento, sobretudo o ilegal

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Luciana Téllez Chávez

Pesquisadora sênior de meio ambiente da Human Rights Watch

Maria Laura Canineu

Vice-diretora global de meio ambiente da HRW, é graduada em direito e relações internacionais (PUC-SP) e mestre em direito internacional pela Universidade de Warwick (Inglaterra)

Em uma entrevista recente, a ministra Marina Silva compartilhou sua visão para o combate ao crime ambiental: liderança política unificada, medidas de fiscalização eficazes e novas oportunidades econômicas sustentáveis.

Ao abordar a mineração ilegal de ouro, a ministra enfatizou a necessidade de seguir o rastro do dinheiro. "Boa parte desse ouro produzido criminosamente na Amazônia e em outras regiões do mundo acaba sendo exportada para países desenvolvidos", disse ela. "Não comprar esse ouro é fundamental."

As palavras da ministra carregam a autoridade de alguém que tem liderado de forma bem-sucedida o combate à destruição ambiental. Sua avaliação de que tanto os vendedores como os compradores de ouro ilegal deveriam ser confrontados é incontestável. Mas no Brasil não se trata apenas do ouro.

A maior parte do desmatamento da Amazônia brasileira é ilegal —ano após ano essa tendência se repete. A maioria das áreas desmatadas é convertida em pastagens para o gado. O resultado é que a criação de gado é o principal vetor do desmatamento, sobretudo o ilegal. Essa prática também resulta em violações dos direitos de povos indígenas e de comunidades tradicionais quando atividades agropecuárias ilegais invadem seus territórios.

Operação da Funai contra garimpo na Terra Indígena Sararé, em Mato Grosso - Lalo de Almeida - 29.nov.23/Folhapress

Seria de esperar que nossas autoridades fossem favoráveis a um regramento que proibisse empresas europeias de comprar carne brasileira e outros produtos quando ligados a crimes ambientais aqui. Tal como prescreveu a ministra Marina Silva, a lei europeia antidesmatamento visa justamente impedir que compradores de "países desenvolvidos" importem bens produzidos ilegalmente.

A Lei Europeia de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) exige que as empresas europeias garantam que as commodities que exportam ou importam foram produzidas em condições que respeitam as leis do país de origem, incluindo leis ambientais, leis anticorrupção e leis sobre direitos do uso da terra. Os produtos também devem ser livres de desmatamento. A lei se aplica a produtos como carne bovina e couro, entre outros.

As empresas europeias terão que começar a cumprir a lei em janeiro de 2025. Porém, em vez de saudar a lei da UE, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que ela infringia a "soberania" brasileira, embora na verdade ela exija que empresas europeias garantam que os bens que compram respeitam as leis do próprio Brasil.

Uma declaração do Itamaraty afirmou que a lei da UE é "incompatível" com o desenvolvimento sustentável. Mas um amplo estudo do Imazon concluiu que, nos municípios amazônicos, o desmatamento está relacionado ao baixo desenvolvimento.

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As críticas do governo brasileiro podem dar a impressão de que a lei da UE seria uma grande ameaça à economia brasileira. No entanto, um estudo do MapBiomas aponta que apenas 3,1% das propriedades rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR, um registro obrigatório para todos os imóveis rurais), a maior parte na amazônia e no cerrado, provavelmente enfrentarão restrições se quiserem exportar para a UE.

Apesar dos protestos, a legislação da UE parece estar estimulando mudanças positivas. Em maio, o Ministério da Agricultura criou um grupo de trabalho para projetar a implementação de um sistema para rastrear todos os animais do enorme rebanho bovino brasileiro. Isso permitiria às autoridades verificar onde o gado foi criado e se foi criado ilegalmente em áreas protegidas ou em territórios indígenas.

A UE deu um passo importante para reduzir a contribuição de empresas locais no desmatamento no Brasil. O dever de responsabilizar os atores de crimes ambientais em larga escala na indústria pecuária ainda cabe ao governo brasileiro. Muitos dos responsáveis pelo desmatamento ainda operam à vista de todos.

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