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O que a Folha pensa África

A catástrofe esquecida no Sudão

Guerra já causou milhares de mortes e pode ter implicações temerárias, mas é ignorada pela comunidade internacional

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Famílias desabrigas pela guerra, em Kassala (Sudão) - Faiz Abubakr - 9.ago.24/Reuters

Ofuscado pelas guerras em Gaza e na Ucrânia, o conflito no Sudão adquire ares de catástrofe humanitária e ameaça se espalhar para muito além de suas fronteiras, incluindo outros continentes.

Terceiro país mais extenso da África, um pouco maior que o estado do Amazonas, o Sudão vive um ciclo de instabilidade desde que protestos levaram as Forças Armadas a derrubarem o então ditador, Omar al-Bashir, em 2019.

O governo civil que assumiu em seu lugar teve vida curta e foi derrubado por militares menos de dois anos depois.

A atual guerra, iniciada em abril de 2023, tem origem na divisão entre o Exército sudanês e a milícia Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês). Não há ideologia separando os beligerantes, só vaidades e projetos de poder de senhores da guerra às custas do sofrimento da população.

Após 15 meses, são cerca de 150 mil mortos e 10 milhões de deslocados internos, ou 20% da população. A capital, Cartum, outrora metrópole pujante, está devastada. O temor é de uma crise de fome em larga escala, que já atinge campos de refugiados pelo país.

O Sudão fica numa região instável e estratégica, o Chifre da África. É vizinho do Golfo Pérsico e de rotas marítimas importantes para o comércio mundial.

Também é caminho para migrantes que rumam à Europa. Rico em petróleo e minérios, desperta cobiça de atores externos que turbinam a disputa.

Há sólidas evidências de que os Emirados Árabes Unidos estejam abastecendo a RSF com armamento, enquanto Irã e Egito apoiam o Exército sudanês. Como já se tornou rotina em solo africano, a Rússia, por meio dos mercenários do grupo Wagner, vende sua influência para os dois lados.

O envolvimento estrangeiro alimenta um conflito que já desestabiliza vizinhos, sobretudo o Chade, que vem absorvendo sudaneses desesperados em fuga. Muitos são da região de Darfur, palco de um genocídio há 20 anos e que agora revive o horror com algumas das maiores atrocidades do atual combate.

Com o mundo atento a guerras mais chamativas e até existenciais (não há armas nucleares no Sudão), há pouco apetite diplomático para interromper a matança na África. Iniciativas de paz têm sido tímidas e infrutíferas, com inimigos mal disfarçando a pouca vontade de negociar.

No entanto ignorar o que pode se tornar uma das maiores tragédias humanitárias das últimas décadas, com imprevisíveis e temerárias implicações geopolíticas, seria mais um erro imperdoável da comunidade internacional.

editoriais@grupofolha.com.br

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