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Alex André Vargem

Migrantes em Cumbica: entre o Estado, as aéreas e a concessionária

Inadmitidos são pessoas não brancas que vivenciam o racismo e a xenofobia em espaços de exceção

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Alex André Vargem

Sociólogo, é doutorando em ciências sociais (Unicamp) e há mais de 20 anos atua e pesquisa as migrações africanas no Brasil

A problemática da inadmissão de migrantes no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, é denunciada por ativistas de direitos humanos no Brasil ao longo dos últimos 20 anos. Chama a atenção a recente decisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública de restringir a entrada de migrantes. O passageiro em trânsito que não tiver visto de entrada no Brasil e tem como destino final outro país terá que seguir viagem ou retornar ao local de origem.

Se um dos pontos nevrálgicos das migrações no Brasil é o estado de Roraima, com a presença dos venezuelanos, hoje o aeroporto também é o termômetro para se avaliar a política migratória nacional —considerando também a situação dos afegãos, que, após passarem pelo controle migratório, alguns ficam nos mezaninos do complexo aeroportuário.

Migrantes dormem no chão do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo (SP - Organização de Resgate de Refugiados Afegãos

Vale lembrar que no longínquo ano de 2013 um cubano ficou retido por cinco meses na área de inadmitidos, conhecida como a sala do conector de um dos maiores aeroportos do mundo, uma das maiores fronteiras brasileiras. Nos últimos dias, mais de 500 pessoas estavam na área restrita, entre os quais o sr. Evans Osei Wusu, 39 anos, africano da República de Gana que faleceu ao passar mal, evidenciando a necropolítica das fronteiras.

Longe do glamour do free shop e das salas vips, o espaço dos inadmitidos também se constitui nas áreas inferiores de embarque/desembarque do Terminal 3, construído para ampliar as operações comerciais dado o volume de turistas que vieram à Copa do Mundo de de 2014. Em grande parte, os inadmitidos são pessoas oriundas do Sul Global: África e Ásia, pessoas não brancas que vivenciam o racismo e a xenofobia nos espaços de exceção.

Os migrantes inadmitidos ficam entre o controle migratório dos agentes de fronteira do Estado brasileiro; as companhias aéreas, que são responsáveis por prover alimentação e os custos com os voos de retorno; as pessoas são colocadas em situações de vulnerabilidade num espaço físico com estrutura precária e permanecem durante dias, local que é de responsabilidade da empresa concessionária que administra o aeroporto. Os migrantes, em especial os solicitantes de refúgio, esperam a decisão da autoridade migratória para sair do espaço. No entanto, com a nova posição, coloca-se em alerta o princípio da não devolução. Cria-se um limbo jurídico entre os desejáveis e os indesejáveis.

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Evans Osei Wusu, migrante de Gana que morreu após passar mal no aeroporto de Guarulhos - Arquivo pessoal

Mesmo com o termo de cooperação técnico-institucional que desde 2015 situa um fluxo de atendimento, faz-se necessária uma melhor implementação. A sociedade civil, os órgãos de Estado que fiscalizam o Poder Executivo e os organismos internacionais cumprem um papel de suma importância para apontar as responsabilidades e os retrocessos institucionais.

É imprescindível ampliar mecanismos de controle social e transparência em relação ao Estado brasileiro e demais envolvidos nas inúmeras situações ocorridas, de forma que não haja violações de direitos e arbitrariedades —sobretudo com os que almejam o refúgio e desejam recomeçar suas vidas no Brasil.

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