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Iúri Ferreira de Morais

Brasil e Portugal: o multiculturalismo estigmatizado

Há uma crescente falange da sociedade portuguesa que despeja o ódio que nutre na comunidade estrangeira com maior presença; ou seja, na brasileira

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Iúri Ferreira de Morais

Português, é jurista e analista político

Brasileiros e portugueses detêm uma relação especial que se caracteriza pela respectiva longevidade, partilha e similaridade. A história, o idioma e o particular gosto pelo café estabelecem pontes de empatia que se mostram difíceis de criar com quaisquer outras nações, independentemente da proximidade territorial.

Esses motivos, aliados à procura de melhores condições financeiras e de um cotidiano mais seguro, justificam a longa travessia atlântica a que muitos cidadãos brasileiros se sujeitam para recomeçar em terras lusitanas.

Rua da Bica de Duarte Belo, em Lisboa, Portugal - Odd Andersen - 22.out.2023/AFP

Acontece que, infelizmente, existe uma pequena —mas crescente— falange da sociedade portuguesa que teima em não aceitar o multiculturalismo que vai se desenvolvendo em Portugal, acabando por despejar todo o ódio que nutre na comunidade estrangeira com maior presença, ou seja, na brasileira.

Essa ideologia estigmatizada assenta nas falaciosas premissas de que os brasileiros retiram oportunidades de emprego dos portugueses, reduzem a oferta na habitação e ainda prejudicam o desenvolvimento da economia.

No entanto, nada daquilo que é vulgarmente proclamado contra o povo brasileiro se verifica verdadeiro.
Naquilo que se mostra respeitante ao trabalho, os brasileiros empregados em Portugal satisfazem as lacunas resultantes das emigrações portuguesas para os diversos países da Europa, encontrando-se majoritariamente representados nos ofícios que não requerem mão de obra qualificada —porém em setores de exponencial crescimento, como é caso o turismo.

Por sua vez, a crise habitacional em terras lusas fundamenta-se essencialmente na gestão da demografia portuguesa —que imprudentemente concentra grande parte da população nas cidades do litoral— e no fato de o parque habitacional público se materializar num dos mais diminutos da Europa, estabelecendo-se apenas em 2%.

No que concerne com a desapoiada ideia de que o multiculturalismo promove o prejuízo da economia portuguesa e trava o respectivo desenvolvimento, tendo por consideração o exemplo da Suíça —detentora de uma das economias mais consagradas do Velho Continente— facilmente se depreende que a mescla cultural não se traduz em qualquer entrave à prosperidade.

Não bastante as três condições supraevidenciadas, existe ainda o fator social. Segundo o Alto Comissariado Para as Migrações, Portugal é o país com mais emigrantes em proporção da população residente. Sendo o número de emigrantes lusos superior a 2 milhões, significando que cerca de 20% dos portugueses vivem fora do seu país, apresentando-se como principais destinos Reino Unido, Suíça, França e Alemanha.

A triste ironia aqui patente emerge quando —certamente— existem portugueses com familiares por este mundo afora, que saíram da sua zona de conforto com propósito idêntico ao dos brasileiros, entre aqueles que tanto ostracizam e discriminam a comunidade estrangeira.

Devemos, globalmente, fomentar maior receptividade a todos os cidadãos nas nossas comunidades, consolidando a respeitante integração e potencializando as relações e a harmonia multiculturais, mantendo-nos longe dos infundados estigmas que nos afastam das mais distintas formas de progresso.

Nesse seguimento, torna-se pertinente aproveitar a proximidade cultural entre Brasil e Portugal para —em qualquer um de ambos os territórios— se estabelecer uma simbiose que permita a criação de uma sociedade homogênea, cooperante e apaziguadora, sem particulares ponderações quanto às nacionalidades.

É difícil observar que o povo suíço, apesar de entre os seus 26 cantões se falarem quatro línguas, consegue obter a fortuna, bonança e paz social que tantos almejam e nós —com meras diferenças no que se relaciona com o sotaque— demoramos demasiado tempo para chegar a um entendimento.

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