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Luís Fernando Tófoli

O Brasil deveria legalizar o consumo de maconha e outras drogas leves? SIM

Na contramão mundial, repressão alimenta a criminalidade e não impede o seu uso

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Luís Fernando Tófoli

Doutor em psiquiatria pela USP e professor da Unicamp, é coordenador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Leipsi)

Ao debater os efeitos das legalizações da maconha onde elas foram implementadas —e enfatizo o plural, "legalizações", pois ocorreram de formas distintas e assim também precisariam ser analisadas—, frequentemente me deparo com uma resposta comum para encerrar a discussão: "O Brasil não está pronto para a legalização da maconha".

Para aqueles a quem as evidências científicas importam, pode-se apresentar uma série de informações que já estão, há algum tempo, circulando no âmbito público. Não custa, portanto, reafirmá-las aqui, mais uma vez.

Manifestantes comemoram em frente ao Portão de Brandemburgo, em Berlim, a flexibilização do consumo de maconha na Alemanha - John MacDougall - 31.mar.2024/AFP - AFP

Apesar da suposição óbvia de que legalizar a maconha aumentaria estratosfericamente o seu uso, os dados não corroboram essa imagem, especialmente quando se compara com outras jurisdições onde a cannabis permanece proibida. Focando nos usuários problemáticos, aqueles que merecem maiores cuidados, os dados disponíveis até agora são ainda mais claros: não há registro de crescimento no consumo.

Essa ideia não é de difícil entendimento. A explicação pode ser alcançada se você, que não usa maconha e lê estas linhas, me responder mentalmente a duas perguntas: "Você usaria maconha só porque ela foi legalizada?" e "O único motivo pelo qual você não a usa é porque é ilegal?". Assim como você, milhões de pessoas entenderam que a autorização da comercialização da maconha pelo Estado não é sinônimo de que deva acontecer um "liberou geral".

Voltando às evidências, é importante destacar que não foi estabelecida uma ligação entre legalização e crescimento nos índices de criminalidade, violência doméstica, consumo de outras substâncias ou uso entre os jovens —o grupo mais vulnerável devido à sua associação estatística com um maior risco de desenvolver transtornos psicóticos.

Por sinal, a conexão com casos de psicose é mediada pela potência da droga em termos de tetrahidrocanabinol, ou THC, o canabinoide mais ligado ao "barato" da erva. Uma política pública de restrição de teores desse componente e do acesso à droga por jovens pode reduzir os riscos associados à maconha, mas um controle desse tipo só seria possível em um ambiente de fiscalização dentro da esfera da lei.

A efetivação da legalização da maconha é realidade no Canadá e em parte notável dos Estados Unidos. Se considerarmos que ela acabou de ser aprovada na Alemanha, falta apenas mais um país para que a maioria dos membros do G7 tenha se movido na direção da regulamentação da erva em suas jurisdições.

Vale dizer que o Uruguai, nosso vizinho, adotou a legalização da maconha há sete anos. Apesar das mudanças governamentais, o processo não foi revertido, nem as previsões apocalípticas se confirmaram.

Mesmo diante desses argumentos, lembremos da resposta meio mágica, meio autodepreciativa, que eu ouço com frequência: "No Brasil nada funciona". No entanto, há coisas que funcionam, sim, neste país. O aparato repressor do Estado, elitista e racista, funciona bem, dá votos e é alimentado pela noção de que reprimir drogas menos lesivas, como a maconha, irá prover segurança e reduzir a criminalidade.

Estará o Brasil preparado para insistir nesse caminho, aumentando infinitamente as prisões, vistas pela sociedade como "universidades do crime"? Não seria o momento de aplicarmos parte do orçamento da repressão em educação e saúde? Poderíamos estar preparados para a reparação social que os impostos gerados pela cannabis legalizada nos proporcionariam? Deixo esses questionamentos com você.

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