Descrição de chapéu
Cleveland Prates Teixeira

Cabe ao Estado resolver o problema de dívida de empresas aéreas?

Eventual fusão entre Azul e Gol com dinheiro público é péssimo sinal ao setor privado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Cleveland Prates Teixeira

Economista, é professor da FGV

Na última semana, notícias sobre os problemas financeiros da Azul e uma possível fusão com a empresa Gol voltaram a fazer parte do noticiário nos principais meios de comunicações no país. Coincidentemente, isso ocorreu na mesma semana em que a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei autorizando a utilização do Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac) para empréstimos de até R$ 5 bilhões para companhias aéreas.

Nesse ambiente, tem ganhado força especulações de que a operação entre as duas empresas acontecerá, inclusive com a utilização de dinheiro público, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES). Se isso for levado adiante, daremos mais um péssimo sinal ao setor privado, além de mandarmos a conta para o consumidor, que neste caso se confunde com o próprio contribuinte.

Avião da Azul decola do aeroporto de Recife

Em primeiro lugar, devemos lembrar que o Fnac é um fundo que foi criado com o objetivo específico de fomentar o desenvolvimento do sistema nacional de aviação civil, devendo ser utilizado prioritariamente na manutenção e aprimoramento da infraestrutura aeronáutica e aeroportuária públicas. Ou seja, usar dinheiro destinado a investimentos para resolver a dívida de uma empresa privada de transporte aéreo, por si só, desvirtuaria a finalidade do recurso.

Em segundo, usar dinheiro público para salvar empresas privadas cria incentivos econômicos ruins. É como se o Estado informasse a essas firmas que sempre podem quebrar que terão o governo como seu protetor de última instância, desestimulando-as a buscarem modelos operacionais mais eficientes. No fundo, direcionar dinheiro público para salvamento de empresas implica proteger os acionistas que levaram a empresa para a situação vigente, transferindo o ônus da solução do problema para o contribuinte, que indiretamente paga pelo Fnac e diretamente outros tributos.

Em terceiro, permitir uma fusão entre Gol e Azul, com todas as implicações anticompetitivas potencializadas por essa operação (consolidação de um duopólio no setor com elevação do poder de mercado e desestímulo à entrada de novas concorrentes) equivalerá a transferir a conta do problema também para o consumidor de transporte aéreo, que pagará mais caro pelas passagens.

Aliás, o próprio discurso observado na mídia de que a solução do problema da Azul passa por uma eventual união com a Gol —conhecida na área antitruste como "tese da firma falindo"— é um reconhecimento velado de que a operação criaria sérios problemas para a competição e que não apresentaria eficiências líquidas suficientes que possam ser compartilhadas com o consumidor.

Essa teste (da firma falindo) é pouquíssima aceita nas jurisdições antitrustes internacionais, exatamente por ser o último estágio para se aprovar uma operação reconhecidamente problemática sob o ponto de vista da competição. Ademais, sua aceitação envolve pré-requisitos fortes, que não estão presentes no caso, como, por exemplo, a comprovação de que existem outros meios menos anticompetitivos capazes de solucionar o problema.

Em realidade, existem mecanismos privados de mercado mais eficientes na solução dos problemas enfrentados pela Azul, tais como a reestruturação de dívidas, injeção de recursos de sócios e a solicitação de recuperação judicial, algo que tem sido comum no setor e gerado bons resultados. A Gol por exemplo, tem caminhado nesse sentido e a TAM, da mesma forma, passou por esse processo com muito sucesso.

Há que se destacar também que, dadas as participações e capilaridade das duas empresas, uma fusão entre Azul e Gol pode gerar uma cilada para os gestores públicos, ao criar uma empresa "grande demais para quebrar". Objetivamente, essa nova grande empresa poderá se sentir mais confortável em não adotar as melhores práticas gerenciais, uma vez que saberá que sua eventual quebra futura exigirá necessariamente um novo processo de salvamento do Estado para não gerar um caos no transporte aéreo.

É fato que o Estado tem um papel fundamental no setor aéreo. Seja como regulador de segurança, via Anac e outros órgãos, como coordenador do processo de formação de infraestrutura aeroportuária ou definindo regras que estimulem e concorrência e proteja o consumidor. No âmbito macroeconômico, também cabe ao Estado zelar por aspectos que tenham impacto direto sobre o nível de atividade econômica (que afeta diretamente a demanda aérea) e sobre variáveis de custos do setor, como juros e câmbio.

Ao cumprir esses objetivos e direcionar seus esforços para si mesmo, corrigindo, por exemplo, sua trajetória das contas públicas que tanta incerteza gera na economia, o Estado brasileiro fará muito mais pela higidez e desenvolvimento do setor aéreo.

Utilizar dinheiro público, com todo o custo de oportunidade que carrega (ao não alocá-lo em áreas prioritárias), para resolver problemas de empresas privadas é o que de pior um gestor público pode fazer, mesmo porque nada garante que essa injeção de recursos resolverá o problema. Nesse aspecto, devemos lembrar que a dinâmica do setor aéreo, no mundo todo, tem sido caracterizada por quebras de firmas menos eficientes, que acabam sendo gradativamente substituídos por novos players no mercado.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.