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Márcio Moretto Ribeiro

Narrativas e eixos morais na disputa pelo eleitorado paulistano

Escolha diante de cada eleitor não se resume apenas a quais discursos melhor refletem suas preferências ou quem apresenta as melhores propostas

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Márcio Moretto Ribeiro

Professor na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP), é coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital

As eleições de outubro para a Prefeitura de São Paulo revelam as narrativas morais que os candidatos constroem para moldar suas visões sobre a cidade e seu futuro. Para entender melhor essas narrativas, recorremos às abordagens teóricas que elucidam o papel da moralidade na política.

Em "Moral, Believing Animals: Human Personhood and Culture", Christian Smith argumenta que os seres humanos são essencialmente "criadores de histórias" —seres cujas identidades são moldadas por narrativas morais que dão sentido ao mundo. No contexto político, cada candidato constrói uma narrativa específica para convencer os eleitores de que sua visão é a mais legítima.

Os candidatos à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL), Pablo Marçal (PRTB), Ricardo Nunes (MDB), Tabata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB) - Bruno Santos/Folhapress

Guilherme Boulos (PSOL), por exemplo, apresenta uma narrativa de uma cidade marcada por profundas desigualdades sociais e econômicas, onde o espaço urbano reflete injustiças estruturais. Ele vê São Paulo como uma cidade de extremos —com riqueza concentrada em poucos bairros e precariedade nas periferias. Sua proposta é reconfigurar a cidade, com forte intervenção pública para garantir moradia, saúde e educação. Boulos defende um espaço de acolhimento, inclusão e justiça social, rompendo com a lógica do privilégio.

Em contrapartida, José Luiz Datena (PSDB) vê São Paulo como uma cidade à beira do caos, assombrada pela violência e pela corrupção. Sua narrativa é de uma cidade sitiada, onde a ordem precisa ser restaurada com medidas punitivas. Ele defende um governo focado na segurança pública, no combate ao crime e à corrupção, para que a lei e a ordem prevaleçam.

Tabata Amaral (PSB), por sua vez, adota uma abordagem intermediária, reconhecendo tanto as desigualdades da cidade quanto seu potencial de inovação. Propõe uma narrativa de reconciliação, onde a educação de qualidade e a inclusão digital rompem com a desigualdade. Sua ideia é uma São Paulo conectada e moderna, com uma administração eficiente e próxima das necessidades da população.

Segundo Jonathan Haidt, em "A Mente Moralista: Por que pessoas boas são segregadas por política e religião", progressistas e conservadores enfatizam diferentes eixos morais. A narrativa de Boulos é progressista por se alinhar aos eixos de cuidado/dano e justiça/trapaça, focando em proteger os vulneráveis e combater a desigualdade. Em contraste, a narrativa de Datena é conservadora, destacando os eixos de autoridade/subversão, lealdade/traição e santidade/degradação, com apelo à ordem e à segurança.

Ricardo Nunes (MDB), atual prefeito, previsivelmente defende a continuidade e a estabilidade administrativa. Sua abordagem é de um conservadorismo moderado, que prioriza a eficiência e a manutenção das estruturas existentes, evitando mudanças radicais. Ele se posiciona como o candidato capaz de assegurar a eficiência na administração pública, sem recorrer a retóricas extremas.

Por fim, Pablo Marçal (PRTB) é o candidato mais enigmático. Embora se apresente como conservador para atrair eleitores bolsonaristas, sua retórica mistura rebeldia e empreendedorismo, aproximando-se mais da teologia da prosperidade do que dos valores conservadores tradicionais. Como outsider, ele defende que São Paulo precisa se libertar das amarras do "sistema" e se reinventar com inovação, mentalidade empresarial e eficiência. Marçal promete transformar a metrópole, promovendo uma visão em que o sucesso depende principalmente da iniciativa empreendedora e da determinação individual.

Tanto as visões progressistas quanto as conservadoras representam opções legítimas para o eleitor. Contudo, é diferente quando um candidato recorre a estratégias que desestabilizam o processo democrático, deslegitimam as instituições e fomentam a polarização e o caos.

Assim, a escolha diante de cada eleitor paulistano não se resume apenas a qual narrativa melhor reflete suas preferências ou quem apresenta as melhores propostas para a cidade, mas também a quem demonstra respeito pelos eleitores, pelos adversários e pelos ritos democráticos.

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