Leitores defendem boicote a empresas com práticas antiéticas

Em enquete da Folha, eles opinaram que lucros e imagem das marcas podem sofrer impacto de ações dos consumidores

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Americana (SP)

Boicotes a produtos comercializados por empresas que cometam atos ilícitos ou antiéticos são eficazes ao afetarem a lucratividade e a imagem das marcas envolvidas, na opinião da maioria dos leitores que responderam a enquete da Folha sobre o assunto.

Muitos, porém, consideram que o impacto dos bloqueios é apenas temporário se eles não forem acompanhados de ações punitivas por parte dos órgãos responsáveis.

Operação do Ministério Público do Trabalho resgatou trabalhadores mantidos em situação de escravidão em Bento Gonçalves - Divulgação

Nos últimos dias, surgiram várias campanhas nas redes sociais propondo boicotes aos vinhos e sucos de uva produzidos por vinícolas gaúchas em que trabalhadores eram mantidos em situação análoga à escravidão. Os trabalhadores eram submetidos a cargas de trabalho de 15 horas diárias e sofriam punições como choques elétricos e espancamentos, além de ofensas racistas.

As vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton inicialmente disseram que os trabalhadores eram terceirizados e que desconheciam as condições a que eram submetidos nas colheitas de uva. Após a repercussão do caso, a vinícola Aurora pediu desculpas e se disse envergonhada.

"Duzentos trabalhadores em situação de escravizados, não dá para aceitar, independente de qualquer nota. Estamos em tempos de rever várias atitudes no nosso cotidiano. É um dever; todos nós precisamos parar de reproduzir o racismo estrutural, principalmente se formos brancos", ponderou o bacharel em direito Roni Heverson Donizeti, 39, de Curitiba (PR).

O boicote pode afetar o único 'órgão' sensível de uma empresa, o faturamento

Ricardo Candido de Araújo

(Taboão da Serra, SP)

"O boicote pode afetar o único 'órgão' sensível de uma empresa, o faturamento", opinou o técnico em eletrônica Ricardo Candido de Araujo, 61, de Taboão da Serra (SP).

"Empresa visa lucro, e lucro pressupõe vender alguma coisa. Uma queda de lucro como reação do consumidor a condutas antiéticas pode levar a empresa a rever políticas e adotar práticas socialmente responsáveis", concordou o veterinário Luiz Augusto de Souza Loredo, 57, de Londrina (PR).

"Ainda que os responsáveis pelos negócios não acreditem realmente nos benefícios das boas práticas de governança e promovam mudanças apenas visando lucro outra vez, o resultado será positivo para a sociedade e pode consolidar-se, com o tempo."

No Brasil, os consumidores ignoram o poder que têm de fazer esse tipo de pressão. Se tivéssemos conhecimento da nossa força, muitas companhias tratariam os seus trabalhadores e clientes com mais respeito

Simone Rodrigues

(Cascavel, PR)

Para a professora Simone Rodrigues, 44, de Cascavel (PR), o boicote é uma poderosa arma de pressão ainda pouco conhecida do consumidor brasileiro.

"O boicote leva as companhias a ficarem com medo de perder clientes e negócios, fazendo com que elas se adequem ao que está dentro da lei. Infelizmente, no Brasil, os consumidores ignoram o poder que têm de fazer esse tipo de pressão sobre as empresas. Se tivéssemos conhecimento sobre a nossa força como consumidores, muitas companhias tratariam os seus trabalhadores e clientes com mais respeito", disse.

Todos nós precisamos parar de reproduzir o racismo estrutural, principalmente se formos brancos

Roni Heverson Donizeti

(Curitiba, PR)

Para Lília da Silva Sendin, 51, servidora pública no Rio de Janeiro (RJ), "as empresas têm que saber que a sociedade não concorda com certas práticas e que podem perder seus clientes quando desagradam o consumidor".

"A marca e a imagem são valiosos ativos da empresa que visa, sobretudo, o lucro. O boicote não só lhe afeta o faturamento como, também, suas relações com fornecedores e consumidores", opinou o servidor público federal Rodrigo Evora, 45, de Brasília (DF). "No caso de trabalho análogo à escravidão, dentre outras sanções, e sempre lhe garantindo o devido processo legal, a empresa deveria sofrer a expropriação da unidade fabril, da unidade de produção, do imóvel ou dos bens empregados na prática odiosa."

beliches em quarto apertado
Quarto alvo de operação com PRF, MPT e Ministério do Trabalho resgatou trabalhadores que atuavam em colheita de uva em Bento Gonçalves (RS) - Divulgação

"Essas empresas têm uma posição competitiva diferenciada no mercado e margem de lucros maiores pois reduzem custo ao negar direitos básicos aos funcionários. Por isso a maneira mais efetiva de combater essas práticas é boicotando essas empresas e escolhendo produtos de outras que seguem as leis e normas", opinou o gerente de auditoria Leonardo Cota, 38, de Belo Horizonte (MG).

"Muitas vezes uma empresa adota práticas antiéticas visando diminuir despesas e aumentar seu lucro. Se um boicote penalizar financeiramente a empresa a ponto de tornar a prática antiética mais custosa que a prática ética, a empresa optará em fazer a coisa certa", disse o professor universitário José Antônio Silveira Gonçalves, 61, de São Carlos.

Para ele, o boicote é uma forma de participação social, mas os que aderem devem ter cuidado de ter fontes confiáveis de informação e nunca fazer uso da violência física.

Já para o engenheiro químico Maurício Ribeiro, 66, de Poços de Caldas (MG), boicotes são pouco efetivos. "Quando o assunto está em evidência torna-se efetivo; porém, com o passar dos dias, o assunto na percepção das pessoas vai diminuindo, o que evidencia a baixa efetividade aos boicotes."

O advogado Paulo Junges, 61, de Campo Grande (MS) concorda e sugere outra opção de ação. "Os boicotes funcionam por muito pouco tempo. O que poderia ser efetivo seria confiscar parcela do faturamento das empresas por largo tempo para financiar um fundo para fiscalização dessas práticas ilegais."

O boicote é bom para a consciência de quem o faz.

Flávio Melo Machado de Oliveira

(Belo Horizonte, MG)

Para o publicitário Flávio Melo Machado de Oliveira, 41, de Belo Horizonte (MG), o impacto do boicote é pessoal e não sobre a empresa.

"O boicote é bom para a consciência de quem o faz. Não acredito que impacta significativamente no caixa da empresa, nem leva justiça para quem teve seus direitos violados. Mas a aplicação da lei penalizando responsáveis, exigindo ajustamento de conduta e pagamento de indenizações, sim, acredito serem ações efetivas", disse.

O estudante Fernando Alves, 38, de São Paulo, disse que os boicotes teriam de ser longos e abrangentes para serem efetivos.

"A maioria desses movimentos de boicote das redes não resultam em nada porque boa parte dos que dizem que vão boicotar a marca nem são consumidores. Não é de se surpreender que os boicotes não dão resultado aqui no Brasil, já que a capacidade de organização de movimentos é muito baixa."

Já para o professor universitário Carlos Alberto Pereira de Oliveira, 61, do Rio de Janeiro, longas ações de boicote podem acabar gerando "vulnerabilidade para populações que dependem da atividade boicotada".

Cristopher Alexander Martins Vidor, 34, servidor público em Porto Alegre alertou que os boicotes, assim como a cultura do cancelamento, são perigosos.

"Há muita margem para injustiças e tratamentos desproporcionais baseados em calor do momento e senso popular descontrolado, podendo ser dado um peso geometricamente maior a uma ação muito menos grave que outra só porque teve mais alcance e aderência", afirmou.

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