Pivô de debate sobre foro, prefeito de Cabo Frio teme perder o cargo

Após dez anos sem sentença penal, ele pode ser cassado tardiamente em razão da Lei da Ficha Limpa

Italo Nogueira
Rio de Janeiro

Réu na ação penal em que o Supremo Tribunal Federal decidiu debater novas regras para o foro especial, o prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinhos Mendes (MDB), está ansioso. Não com o que os ministros decidirão sobre o tema, mas sobre o destino de seu cargo no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinhos Mendes
Prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinhos Mendes - Arquivo pessoal/Facebook

No segundo ano de seu terceiro mandato à frente do município, os ministros do TSE vão decidir se ele de fato poderia ter se candidatado em 2016. Condenado por abuso de poder econômico e político em 2010, ele estava inelegível pela Lei da Ficha Limpa, segundo voto da ministra Rosa Weber proferido em maio de 2017.

O ministro Luiz Fux pediu vista do processo, com o qual ficou quase um ano, e o caso volta a plenário nesta terça (24).

O tempo que a Justiça vai levar para definir se Mendes devia ou não estar nas urnas de 2016 pode ser até considerado rápido frente aos dez anos das ações penais contra ele que não tiveram nem sequer uma sentença. No período ele foi prefeito, ficou sem mandato, virou deputado federal e voltou a ser prefeito, o que fez suas ações penais passarem por três instâncias diferentes sem qualquer decisão.

Ele foi beneficiado pelo que o ministro Luís Roberto Barroso chamou de “elevador processual”, alteração de foro motivada pela mudança de cargo ocupado pelo réu.

Atualmente, se um cidadão sem mandato comete um crime e depois é eleito deputado federal ou senador, o processo que tramitava em primeira instância sobe para o STF. Ao deixar o cargo, se a ação não tiver sido concluída ainda, ele volta à primeira instância. Se virou prefeito, vai para a segunda —caso de Mendes.

“A tramitação sempre foi dessa forma. A gente entende e tem que aceitar essa morosidade, entre aspas, da Justiça. Não me incomodo porque faz parte do processo”, disse Mendes.
A ação penal 937 —pivô do debate do foro especial— completa seis anos em setembro. Em 2012, ele foi denunciado sob acusação de comprar votos, em 2008, com notas de R$ 50 e carnes. As provas colhidas para comprovar o crime são contraditórias.

A investigação começou com uma enxurrada de cartas enviadas à Justiça Eleitoral relatando a distribuição de dinheiro.

A Promotoria ouviu alguns dos autores das missivas que confirmaram o relato. A defesa, por sua vez, encontrou um dos remetentes que agora afirma ter sido induzido a assinar o texto pelo adversário de Mendes naquela eleição.

O órgão decidiu denunciar Mendes, ainda que a Polícia Federal tenha concluído seu relatório sem indiciamento em razão de falta de “prova cristalina” de crime.

Confuso ou não, o caso foi levado à Justiça eleitoral em 2012. Naquele ano, Mendes ainda era prefeito, motivo pelo qual foi processado no TRE. No ano seguinte, o caso foi para a 256ª zona eleitoral, já que seu mandato havia terminado e ele havia ficado sem cargo. Em novembro de 2014, o processo estava pronto para ser julgado após colheita de provas, oitivas de testemunhas e alegações finais.

Neste momento, Mendes já estava eleito suplente de deputado federal. Ele assumiu o posto em abril de 2015, levando o caso para o STF. Barroso foi designado relator da ação penal.

Em fevereiro de 2017, quando Mendes renunciou ao mandato de deputado para reassumir a Prefeitura de Cabo Frio, o ministro deveria enviar o processo de volta ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio, foro especial de prefeitos. Contudo, ele decidiu levar ao plenário o debate sobre essas regras, com base no exemplo de Mendes.

“O caso revela a disfuncionalidade prática do regime de foro privilegiado, potencializado pela atual interpretação constitucional. [...] O sistema é feito para não funcionar”, disse Barroso em seu voto.

A maioria já defendeu, em novembro, que deve valer apenas para políticos acusados de crimes cometidos no exercício do mandato em vigor e relacionados a ele. A decisão só terá efeito após o fim do julgamento, adiado após pedido de vista do ministro José Dias Toffoli —ele já liberou o processo, que será julgado mês que vem.

Mendes poderia ter sido pivô do debate no STF numa ação penal ainda mais antiga, que completa dez anos. Em 2008, ele foi acusado de ter comprado o apoio político de militantes do PT para a eleição daquele ano. Gravações mostraram que ele ofereceu aumento salarial na prefeitura, cargos e reforma na casa de um dos aliciados.

Este caso percorreu a mesma via-crúcis do relatado por Barroso. No STF, caiu nas mãos do ministro Celso de Mello que o devolveu em 2017 ao TRE, quando Mendes assumiu a Prefeitura de Cabo Frio. Até hoje não foi julgado.

Mendes evitou dar uma posição pessoal sobre o foro especial. Inicialmente, disse que o tema deveria ser discutido pelo Congresso, e não pelo STF. Depois, afirmou que, se fosse deputado, “votaria de acordo com a maioria da vontade popular”.

Após o terceiro pedido de posicionamento, concluiu: “Hoje é contra o foro privilegiado”.
Nenhum dos dois processos são o que de fato aflige Mendes atualmente. O caso que o TSE vai analisar, e que pode lhe custar o mandato, é consequência da condenação pela 96ª zona eleitoral, em março de 2010, por propaganda eleitoral antecipada por meio da publicidade oficial da prefeitura.
Nas peças, ele divulgava programas sociais proibidos pela legislação eleitoral, como a distribuição de cestas básicas e contratação de pessoal sem concurso público.

A sentença impôs três anos de inelegibilidade. A Lei da Ficha Limpa, sancionada em junho de 2010, definiu que condenados por abuso de poder político e econômico (caso de Mendes) devem ficar oito anos inelegíveis.

Mesmo sancionada depois da condenação, o TSE tem entendido que ela pode retroagir seus efeitos. O juiz eleitoral de primeira instância negou o registro de sua candidatura em 2016, motivo pelo qual seus votos, inicialmente, não foram totalizados. Por 4 a 3, o TRE autorizou seu registro, após as eleições, o que lhe permitiu assumir o cargo —ele recebeu mais votos do que o adversário, mesmo com a candidatura sub-júdice.

A esperança de Mendes é que os ministros considerem o fato de ele ter sido absolvido pelo TRE em outros dois processos que tratam do mesmo episódio.

Por isso que dá de ombros para o debate no STF, ainda que ele possa virar precedente para levar ao juiz Sergio Moro dezenas de políticos investigados e denunciados na Lava Jato.

“Não estou preocupado com esse negócio do foro. Estou preocupado com o meu processo que será julgado amanhã [quinta, 19]”, disse o prefeito na quarta (18). Fux entregaria seu voto na quinta, mas adiou para a semana que vem.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.