Alckmin e Serra são réus em ação civil por suposta pedalada fiscal

Ex-governadores respondem por negociações de dívidas tributárias de contribuintes

José Marques Wálter Nunes
São Paulo

Os ex-governadores de São Paulo José Serra e Geraldo Alckmin, ambos do PSDB, viraram réus na Justiça numa ação civil pública em que são acusados de autorizar negociações de dívidas tributárias que resultariam em prejuízo ao estado.

O presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB) durante evento na semana passada em Niterói (RJ) - Ricardo Borges/UOL

Em troca, o governo recebeu antecipadamente dinheiro de endividados com os cofres públicos que seria pago ao longo de vários anos.

A operação é considerada uma espécie de “pedalada fiscal” pelos sindicatos paulista dos fiscais de renda e dos procuradores do estado, que levaram o caso à Justiça.

As intimações para Alckmin, pré-candidato tucano à Presidência, e Serra apresentarem suas defesas foram expedidas no último dia 13 de março.

Além dos ex-governadores, respondem ao processo o secretário da Fazenda, Helcio Tokeshi, ex-secretários, as empresas públicas CPSEC (Companhia Paulista de Securitização) e CPP (Companhia Paulista de Parcerias) e seus respectivos presidentes.

O processo corre na 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo desde janeiro. Como a Folha apontou em novembro, os fiscais de renda já vêm questionando as manobras.

Entre outras medidas, a ação pede que os réus sejam condenados por improbidade administrativa e que os cofres públicos sejam reparados.

O texto relata supostas irregularidades na cessão onerosa do que o governo chama de “direitos creditórios” à CPSEC e no posterior repasse a desses direitos a investidores.

O processo diz que os problemas começaram em 2007, quando o governo do estado, ainda sob a gestão Serra, iniciou um programa de parcelamento de dívidas tributárias, como o ICMS, oferecendo vantagens aos devedores. Entre elas, descontos nos juros e nas multas por atrasos.

Já no governo Alckmin, para receber antecipadamente o dinheiro dessas dívidas, o governo negociou “direitos creditórios” com a CPSEC.

Nessa tratativa, o governo cedia esses créditos com um deságio —redução de preço— de até 50% à CPSEC, que transforma o passivo em debêntures (títulos da dívida).

Os títulos eram obtidos por financiadores, que se beneficiam com os seus rendimentos quando a dívida é quitada —segundo a acusação, o governo se torna garantidor dessa dívida, caso haja inadimplência. O governo nega que haja essa garantia.

Conforme a ação dos sindicatos, os “créditos bons”, cujos contribuintes têm antecedentes de bons pagadores, são repassados ao mercado. Já os “papéis podres”, com alto índice de inadimplência, voltam para o estado.

"Ou seja, pelo crédito tributário bom, aquele que ingressaria normalmente no Caixa do Tesouro, o Estado antecipa seu recebimento com significativo deságio, e ainda se compromete a garantir, até porque é acionista majoritário da CPSEC, o resgate do título no seu vencimento e pagamento dos juros aos investidores, que, em realidade, não assumem risco nenhum adquirindo esses papéis”, diz o texto da acusação.

“Já pelo crédito ruim, o estado acaba não recebendo absolutamente nada, uma vez que eles não são negociados com investidores.” A ação diz que a antecipação de receitas pode ser considerada uma operação de crédito, que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Também afirma que o estado usa sua estrutura para cobrar essas dívidas, já que a CPSEC é uma empresa pública.

Mauro Ricardo, que foi secretário do governo Serra, afirma que não houve qualquer irregularidade nas operações, nem que o estado oferece garantia pelos débitos.

“O que a legislação veda é que os estados assumam responsabilidade pelo pagamento, o que não ocorre, e a antecipação de receitas tributárias cujos fatos geradores ainda não ocorreram”, informou.

As emissões de debêntures aconteceram a partir de 2012, nos valores de R$ 600 milhões, R$ 800 milhões e R$ 740 milhões.

OUTRO LADO


Procurado, José Serra informou, por meio de nota assinada pelo ex-secretário Mauro Ricardo, que não houve antecipação de receita tributária. Também diz que o estado não assume nenhuma responsabilidade pelo pagamento das dívidas e que o risco é transferido ao investidor que adquire os títulos.

“As operações de securitização de direitos creditórios no mercado financeiro dizem respeito a fatos geradores passados e tributos já constituídos por regular lançamento”, diz a nota. Segundo ele, os próprios autores da ação não questionaram a constitucionalidade de lei que autorizou a cessão dos créditos tributários, feitas por Serra e aprovada pela Assembleia Legislativa.

Já a assessoria de Alckmin diz que “é requerido junto a outros dirigentes públicos em relação a uma política pública voltada à melhoria da gestão da dívida ativa do Estado”.

“Os atos preparatórios dessa política pública foram baseados em consultas formais à Procuradoria Geral do Estado que, diferentemente dos autores da ação, não respondem por categorias, sindicatos ou interesses particulares, mas pelos interesses da Fazenda Pública do Estado.” 

A Secretaria da Fazenda, que também responde pelos secretários e pela CPSEC, afirma que a ação parte de premissas falsas e equivocadas. “Ao contrário do que aponta a ação dos sindicalistas, as emissões da CPSEC foram realizadas com base no registro concedido pela Comissão de Valores Mobiliários e autorizadas pela Assembleia Legislativa.”

“As operações não correspondem a financiamento bancário”, diz nota do órgão. As cessões, afirma, estão em conformidade com parecer da Procuradoria-Geral do Estado e consultoria jurídica.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.