Padres mais velhos puxam aumento de clérigos no país

Censo interno da igreja mostra que número de padres cresceu 11% de 2014 a 2017

José Ferreira Filho, conhecido como padre Tomate, na Sé - Avener Prado/Folhapress
Anna Virginia Balloussier
São Paulo

Por pouco José Ferreira Filho não deu a uma namorada o status de "ex-mulher do padre". "Tinha tudo para casar com esta moça. Só que eu me sentia extremamente amado e não sentia que podia amá-la tanto de volta." 

Ele queria, sim, entrar na igreja e selar uma união para toda a vida. Mas não de smoking, e sim de batina. Em novembro de 2017, 16 anos após desmanchar aquele relacionamento, enfim realizou o sonho de ser ordenado. O novo vigário da paróquia já contava meio século de vida. 

José, 50, se encaixa num duplo fenômeno em marcha na Igreja Católica brasileira. Enquanto a população dos que a seguem encolhe no país, o número de padres se dilata —e os que optam pela vida clerical são cada vez mais velhos.

Projeção para 2018 feita pelo Ceris (Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais), órgão da CNBB (Conferência Nacional de Bispos do Brasil), aponta 27,3 mil padres no país —um clérigo para 7.802 habitantes. No último censo interno da Igreja, de 2014, eram 24,6 mil (um padre para de 8.130 brasileiros).

Já a tendência de seminaristas com mais rugas e menos espinhas foi detectada internamente e discutida na 56ª Assembleia-Geral da CNBB, que terminou no último dia 20.

Até os anos 1980, nove em dez brasileiros se declaravam católicos. Em 2018, o Datafolha mostrou que esse quinhão caiu para 52%. A elevação na idade dos "padres calouros" espelha a sociedade, diz o secretário-executivo do Ceris, padre Valdeir dos Santos Goulart: "A juventude começa a partir de uns 23 anos. Na minha época era com 14, e com 17 já se estava casando".

Quanto mais velhas, "mais as pessoas vêm mais conscientes da própria vocação, já têm bagagem", afirma. "Não são jovens tentando descobrir alguma coisa."

José auxilia o padre titular de uma paróquia na zona norte de São Paulo. "Brincavam que eu era o vovô seminarista. Hoje falo que sou o padre-estagiário", diz ele, também chamado de padre Tomate, apelido que o acompanha desde a infância (quando era muito tímido e enrubescia fácil).

Padre José tem quilometragem na "vida mundana". Começou a trabalhar criança, ajudando a mãe a fritar salgadinho. Quando ele tinha 16, ela morreu, e três anos depois o pai se foi. Para entrar no seminário, abriu mão de relacionamentos ("foi supertranquilo") e de uma vida profissional da qual "gostava muito". José tem formação em tecnologia de informação e pós-graduação em comunicação empresarial. Agora ganha dois salários mínimos e mora na casa paroquial com outro padre.

A vida é muito mais regrada, o que inclui prudência nas redes sociais, diz o sacerdote católico. No seminário, conta, um colega levou bronca por curtir uma foto de "alguém assumidamente homossexual". Também há registros de seminarista num bar com garrafas de cerveja. "Por isso [os superiores] pedem cautela."

'Oxalá aumente muito mais'

Na assembleia que reuniu mais de 400 bispos da CNBB, dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre, celebrou o crescimento de presbíteros, mesmo num "contexto de pluralismo religioso no Brasil", em que evangélicos crescem no segmento cristão. 

"Oxalá aumente muito mais, mas está aquém da necessidade", reconheceu dom Jaime. Ele também identificou a subida na idade dos aspirantes a padre. "A maioria entra numa idade adulta, não mais novinhos."

Em 2017, a imprensa italiana noticiou que a escassez de padres para atender fiéis em regiões remotas —como a Amazônia— fez com que o papa Francisco cogitasse liberar a ordenação de homens casados.

Segundo o jornal "Il Messaggero", brasileiros, como o cardeal dom Cláudio Hummes e o bispo emérito da prelazia do Xingu, dom Erwin Kräutler, defendem a ideia.

Dom Erwin sinalizou, em 2015, uma abordagem pragmática sobre um velho tabu. "O problema não é o celibato em si, que é uma graça, mas o fato de que milhões na Amazônia ficam privados da Eucaristia", afirmou.

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