Após greve da PM no Espírito Santo, policiais criam fundo para auxiliar excluídos

Tropa vê perseguição com mais de 3.000 investigados, enquanto governo lista melhorias

Policiais começam a retomar o patrulhamento das ruas de Vitória após greve da categoria no Espírito Santo, em 2017
Policiais começam a retomar o patrulhamento das ruas de Vitória após greve da categoria no Espírito Santo, em 2017 - Victor Parolin - 13.fev.2017/Folhapress
Carolina Linhares
Vitória

Policiais expulsos da Polícia Militar do Espírito Santo devido à greve de fevereiro de 2017 criaram um fundo de amparo para auxílio financeiro e coleta de assinaturas com o objetivo de propor um projeto de lei de anistia administrativa na Assembleia.

O Famcap (Fundo de Amparo aos Militares Capixabas) é ligado à Associação de Cabos e Soldados da PM do estado (ACS) e, por meio de doações dos associados, consegue destinar um salário de soldado por mês, sem os benefícios, a 22 militares excluídos (soldados, um cabo e uma sargento). Segundo o governo, são 23 excluídos no total e mais 60 em processo de demissão.

Em relação às assinaturas, já foram alcançadas 30 mil, pouco mais que o necessário para protocolar o projeto, que precisa ser aprovado pelos deputados e sancionado pelo governador para livrar os policiais de punições internas, como a exclusão, mas não da acusação por crimes, o que cabe à Câmara Federal.

Em uma audiência pública, 29 de 30 deputados foram favoráveis à medida, mas o trâmite depende do envio do projeto à Assembleia ou por ação popular ou pelo governador Paulo Hartung (MDB), que não o fez.

Os bloqueios de mulheres e familiares nas portas dos batalhões duraram 21 dias. Em fevereiro de 2017, houve 134% mais mortes no estado que no mês anterior. Além das exclusões, há inquéritos instaurados contra 3.000 policiais num efetivo de aproximadamente 10 mil homens.

As investigações apuram se houve crime militar, como publicação indevida, desacato a superior, injúria, incitamento ou motim. A Vara de Auditoria Militar já recebeu 41 processos em que 513 policiais são réus por esses crimes ---nenhuma ação foi julgada até agora.

Segundo Renato Martins Conceição, presidente da ACS, a anistia criminal e administrativa é necessária para pacificação interna. “Não vai haver prestação de serviço adequada com milhares de policiais investigados.”

Policiais ouvidos pela Folha dizem que a greve deixou cicatrizes. Afirmam que a tropa está desmotivada diante da quantidade de punições e que aumentou o número de militares afastados por questões psicológicas.

A própria Associação de Cabos e Soltados é uma das quatro entidades de classe processadas pelo Ministério Público Federal. A ação civil pública pede ressarcimento de R$ 37,5 milhões gastos pela União com o envio das forças armadas ao estado e o pagamento de R$ 12 milhões por dano moral coletivo à sociedade capixaba.

“Essa ação não tem fundamento, visto que as associações atuaram como papel mediatório e a convite do governo. Não atuaram como fomentadoras do movimento”, diz Conceição.

Outras ações propostas pelo governo capixaba contra as associações e os familiares de policiais foram extintas em meio às negociações.

Conceição considera que o movimento foi uma luta por melhores condições de trabalho. “Não iríamos ficar contra a PM. A situação está sendo tratada numa perspectiva que a gente considera injusta. Estão atacando a parte mais fraca em vez de atacar as causas, as omissões do estado.”

Presidente do fundo de amparo, a sargento Michelle Ferri, 39, é um dos policiais excluídos. A maioria fazia parte da Rotam, que foi extinta após a greve, mesmo tendo recebido uma nova sede havia menos de um ano. O Batalhão de Missões Especiais também foi extinto. As unidades concentravam o policiamento motorizado e tropas de elite.

“Fomos vítimas de um governo que não conversa. Fomos vítimas, como a sociedade foi”, diz Ferri, que tinha 13 anos de carreira. Ela e os companheiros foram excluídos por não terem se apresentado ao serviço durante alguns dias da greve.

Os policiais dizem, porém, que estiveram no batalhão e se apresentaram, mas foram impedidos de sair para o patrulhamento devido ao bloqueio dos portões.

Para militares entrevistados, o governo poderia ter evitado o colapso da segurança e as punições funcionam como perseguição e ameaça. “É difícil ver um irmão sendo excluído, processado. O clima está pesado”, diz Ferri.

Além dos processos administrativas e por crime militar, 14 familiares (na maioria mulheres que bloquearam os portões) e 10 policiais são réus na Justiça comum por atentado contra a segurança, incitação ao crime e organização criminosa.

“Acusá-las de organização criminosa é para intimidar. Até então elas nem se conheciam”, diz um policial que não quis se identificar.

Embora os policiais digam que não houve progresso nas condições de trabalho e que ações do governo para melhoria foram paliativas, a Secretaria de Segurança Pública lista reivindicações atendidas.

Segundo o secretário Nylton Rodrigues, houve compra de 708 viaturas, 251 fuzis e 3.554 coletes, além de reformas de unidades, ampliação do atendimento no Hospital da PM, pagamento de auxílio alimentação, aumento de 35% no auxílio fardamento, abertura de concursos e aumento de 5% no salário, dado a todos os servidores.

Nos primeiros três anos de governo, não houve reajustes. Para o governo Hartung, não desorganizar as contas públicas gastando além da arrecadação diferencia o estado dos vizinhos quebrados, como Minas e Rio.

O investimento na polícia custará R$ 411 milhões, incluindo gastos em inteligência policial. O governo também comemora as sucessivas quedas na taxa de homicídio desde 2009. Houve alta em 2017 devido à greve, foram 34,9 homicídios para cada 100 mil habitantes. Em 2018, até agora, o índice está em 28,5, abaixo de 2016.

O governo não divulga os números relativos a roubos, mas diz que houve queda em relação ao primeiro semestre de 2017. Dados obtidos pelo jornal A Gazeta via Lei de Acesso à Informação mostram que o número de furtos e roubos aumentou de 67.129 para 74.890 de 2015 para 2016, alcançando 61.957 até setembro de 2017.

Na semana em que a Folha esteve em Vitória, houve notícias de arrombamentos de comércio, assalto à mão armada em um supermercado e tiroteio na favela. Segundo policiais, aumentou o controle do tráfico nas regiões periféricas.

“O que estamos vivenciando são algumas ações criminosas de repercussão que acabam gerando a sensação de insegurança”, diz o secretário. Antes de assumir a pasta neste ano, Rodrigues foi alçado comandante-geral da PM no terceiro dia de greve, com a missão de reverter o movimento.

“Não podemos cometer o crime para obter um benefício. Assumi com objetivo de conscientizar os policiais de que aquele caminho era equivocado”, diz.

O secretário afirma ainda que tentam responsabilizá-lo pela greve, mas que o erro foi das lideranças do movimento e que muitas concorrem na eleição deste ano.

“Esse erro foi cometido claramente influenciado por interesses políticos, para se promover. A responsabilidade é de quem cometeu aquela conduta e não de quem investigou, fez o inquérito, o processo demissionário”, completa.

Na avaliação do secretário, não há perseguição ou excessos nas punições aos militares. “Como comandante na época, eu não tinha o direito de escolher qual providência tomar. Nós temos que fazer a lei ser cumprida.”

Contrariando as falas de policiais, Rodrigues afirmou que a tropa compreendeu as atitudes do comando e que ele mantém um bom relacionamento com os policiais militares.

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