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Eleições 2018

Nova Câmara favorece articulação de eventual governo de Bolsonaro

Presidenciável, porém, descarta formar coalizão; Haddad teria dificuldade maior para obter apoio

Carlos Pereira Frederico Bertholini

Os resultados do primeiro turno nas eleições de 2018 trouxeram várias surpresas e, ao mesmo tempo, muitos desafios para o próximo governo.

O gráfico abaixo mostra o tamanho da representação que cada partido (eixo vertical) alcançou na Câmara dos Deputados e a distribuição espacial desses partidos no espectro ideológico (eixo horizontal): esquerda, centro, direita.

A ideologia foi calculada por meio de pesquisa com os próprios parlamentares quando eles tiveram a oportunidade de se autoposicionar e de posicionar ideologicamente os seus colegas do Congresso, em pesquisa feita por Cesar Zucco Jr. e Timothy Power.

O primeiro aspecto a ser destacado é o aumento da fragmentação partidária. Trinta partidos vão ocupar pelo menos uma cadeira na Câmara dos Deputados, e o número efetivo de partidos na casa passou de 13,4 para 16,5, o maior da história.

Essa fragmentação, entretanto, deve diminuir logo no início da legislatura, já que nove partidos não atingiram a cláusula de barreira, pois receberam menos de 1,5% dos votos válidos nas eleições.

Sem essa representação mínima, não terão acesso ao fundo partidário, nem tempo de TV e rádio para propaganda. É esperado que os parlamentares eleitos por essas legendas migrem para legendas maiores ou se reagrupem.

Houve uma espécie de efeito sanfona na composição espacial da Câmara, com aumento de polarização, diminuição de partidos antes considerados grandes e crescimento de partidos anteriormente pequenos.

PT, MDB e PSDB diminuíram, enquanto PSL, PSB e PSOL aumentaram. A consequência direta disso é que a Câmara vai albergar uma série de partidos de tamanho médio, o que vai exigir grande habilidade do novo presidente na montagem e na gerência de sua coalizão.

Além disso, os partidos se dirigiram para um dos polos ideológicos, esvaziando assim o peso político do centro, agora com partidos menores.

A fragmentação partidária adquiriu um perfil ainda mais polarizado, com a esquerda sob a liderança do PT e a direita sob a liderança do PSL. Entretanto, esses dois polos não terão condições de gerar governos majoritários sem a presença dos partidos de centro em suas respectivas coalizões.

É curioso observar que o PSDB, que reduziu substancialmente de tamanho, deve justamente ocupar a posição de mediano na próxima legislatura. Ou seja, a despeito da derrota eleitoral vexatória para a Presidência da República e do encolhimento de tamanho, pode vir a ter um papel extremamente relevante como partido pivô. 

Exercendo papel antes atribuído ao MDB nos governos do PT, o PSDB pode vir a ser o partido capaz de evitar saídas extremas e, ao mesmo tempo, proporcionar condições de governabilidade para o novo governo.

A despeito dessas mudanças expressivas, o aspecto mais interessante a ser destacado é que a preferência ideológica mediana da Câmara não apresentou alterações significativas em relação à atual legislatura. Esta se moveu apenas marginalmente para direita, configurando um “novo” Congresso marcadamente de centro-direita.

Estudos recentes sobre gerência de coalizão (Pereira e Bertholini 2018) revelam que a congruência ideológica entre a coalizão do presidente e a mediana do Congresso é o aspecto mais importante para que o presidencialismo de coalizão tenha funcionalidade. 

Ou seja, quanto mais a coalizão de governo espelhar a preferência do Legislativo, menores serão os custos de governabilidade e menos conflituosas serão as relações entre Executivo e Legislativo.

Esses resultados são consistentes, independentemente da fragmentação partidária e do tamanho do partido do presidente ou da sua coalizão, bem como da popularidade do presidente.

A figura também ilustra que a coligação eleitoral que deu apoio à candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência (PSL, PSC, PTB e PRP) passou a ocupar apenas 14% das cadeiras da Câmara, enquanto Fernando Haddad, tendo angariado o apoio formal de PDT, PSB, PSOL, PPL, PC do B e Pros, alcançou 28%. 

Entretanto, levando em conta a proximidade ideológica dos partidos de centro-direita e seus respectivos tamanhos, é razoável supor que um eventual governo Bolsonaro não teria dificuldade para construir uma coalizão majoritária.

Além disso, esta coalizão estaria muito próxima da ideologia mediana da Câmara, tendo mais condições de espelhar de forma homogênea a preferência do Legislativo.

Com tudo isso, o governo Bolsonaro teria condições de desfrutar das condições políticas apropriadas para construir e gerenciar uma coalizão de forma eficiente, tendo o potencial de alcançar grande sucesso legislativo a um custo de governabilidade relativamente baixo. 

Por outro lado, caso Haddad consiga uma improvável reversão do panorama atual de intenções voto, terá muita dificuldade de montar uma coalizão majoritária e que espelhe a preferência mediana do Congresso.

Paradoxalmente, entretanto, Bolsonaro tem anunciado que não vai governar via coalizão. Para ele, governar por meio de coalizões é sucumbir ao “toma lá dá cá” de cargo por apoio político, seguindo uma visão amplamente difundida na sociedade brasileira —embora sem respaldo na literatura especializada— de que a distribuição de espaço político e recursos a partidos é causa primária da corrupção.

Já anunciou que pretende governar com um gabinete formado por técnicos, militares próximos e "notáveis" e não através das instituições partidárias. Sinalizou ainda que as negociações em seu governo se darão "ponto a ponto", com acordos individuais com legisladores e/ou bancadas temáticas.

Essa estratégia já recebeu um nome pela literatura de ciência política. Samuel Kernnel, professor da Universidade da Califórnia-San Diego, designa como “going public” tal recurso, particularmente utilizado quando o partido do presidente não desfruta da maioria de cadeiras em ao menos uma das casas legislativas.

Esta condição de minoria é conhecida como "governo dividido" e ocorre quando um partido ocupa a Presidência, e outro, que faz oposição, domina o Legislativo.

Nesse caso, o Congresso é interpretado pelo presidente como um adversário. Por isso, o presidente busca estabelecer conexões diretas com a sociedade para contornar os procedimentos legislativos. 

Um presidente recém eleito e em primeiro mandato tende a desfrutar de uma lua de mel com a sociedade. Logo, tal estratégia unilateral pode ser bem sucedida.

O sucesso legislativo do presidente seria assim alcançado pela via do apoio direto dos seus eleitores constrangendo os legisladores e diminuindo seu custo de negociações com o Legislativo.

Samuel Kernnel chama ainda atenção que um presidente unilateral só obteria bons resultados no Congresso no curto prazo. Período em que o poder de barganha estaria sob controle do presidente.

A decisão de ignorar as rotinas e procedimentos legislativos tenderia a gerar progressivas animosidades, desconfianças e custos crescentes na relação do Executivo com o Legislativo. 

No médio e longo prazos, entretanto, especialmente quando o presidente apresenta alguma vulnerabilidade política e necessita do apoio do Congresso para governar ou mesmo para sobreviver, o poder de barganha sairia das mãos do presidente para as dos legisladores. Nesse momento, esses tenderiam a inflacionar seu preço de apoio.

O unilateralismo presidencial é o inverso do governo presidencialista multipartidário. Crises políticas com desfecho incerto seriam o cenário mais provável para presidentes que não resistem à tentação de ignorar o Legislativo. O que se diz na arena eleitoral para conquistar o direito de governar, paradoxalmente, nem sempre é o que se precisa cumprir para seguir governando.

Pereira é cientista político e professor titular FGV Ebape; Bertholini é professor adjunto da Universidade de Brasília
 

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