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Política e mobilizações ficam de fora das mídias sociais da população emergente

Livro se propõe a ser um roteiro para entender como a internet é usada nas periferias dos centros urbanos e no interior do país

Denise Perotti
São Paulo

Política é um tema que fica de fora das mídias sociais, e a internet não é utilizada para gerar mobilização. Essa é uma das conclusões a que chega o livro “Mídias Sociais no Brasil Emergente”, do historiador e antropólogo Juliano Spyer.

O pesquisador morou pouco mais de um ano (15 meses) no interior da Bahia e estudou o comportamento da população de um povoado que recebeu o nome fictício de Balduíno (personagem de Jorge Amado), local escolhido para um levantamento sobre a abrangência da massificação do uso da rede.

A população de lá é ressentida pela falta de compromisso por parte dos políticos, e tem a sensação de que eles só aparecem durante a campanha e somem depois.

Os moradores também não querem se indispor, por ser local pequeno, eles têm alguma ligação com os líderes locais que, em determinada situação prestaram favor a ele ou a sua família.

Livro se propõe a ser um roteiro para quem pretende entender como a internet é usada nas periferias dos centros urbanos e no interior do Brasil
Livro se propõe a ser um roteiro para quem pretende entender como a internet é usada nas periferias dos centros urbanos e no interior do Brasil - Arun Sankar - 22.mar.2018/AFP

O livro se propõe a ser um roteiro para quem pretende entender como a internet é usada nas periferias dos centros urbanos e no interior do país. Como o próprio autor coloca, o estudo se divide em duas grandes partes.

A primeira, é de como os brasileiros de baixa renda usam e compreendem as redes sociais. E a segunda, em aspectos específicos das vidas destas pessoas, se as mídias sociais estão afetando diretamente o dia a dia destes moradores.

Os usuários de mídias sociais de classes populares operam a rede, a partir do Facebook e WhatsApp, por exemplo, para manifestações majoritariamente de cunho pessoal e/ou de pequenos núcleos sociais e familiares locais com forte tom de costumes, hábitos e comportamentos individuais, segundo o estudo.

E eles se restrigem a estas duas redes, não se interessavam por Twitter, Instagram, Snapchat ou Linkedin. E o YouTube é usado para o entretenimento e aprendizagem.

Não há, de parte do público apaixonado pelo vasto universo virtual oferecido pela internet, porém, ação que resulte em mobilização social política ou em uma reflexão sobre a realidade no mundo para além dos limites do povoado isolado no qual vivem.

O smartphone Android é o primeiro aparelho para acessar a internet estritamente pessoal. Na comunidade, o computador fica na sala (até como um sinal de status) e as pessoas não querem que vejam o que estão acessando. A motivação principal para ter um celular nestes grupos é a possibilidade de manter e cultivar relacionamentos.

Um comportamento típico é a mãe mandar solicitações de amizade para a filha para tentar espionar a vida online dela. E os jovens bloqueiam com códigos e também disfarçam nomes para tentar continuar os relacionamentos virtuais sem serem importunados pelos pais.

O que a classe média e alta considera pessoal ou íntima (com acesso restrito) é o que é mais compartilhado e sem filtro de acesso em Balduíno.

O segundo aspecto, se as mídias sociais estão afetando de alguma maneira a vida destas pessoas, sim. A população de baixa renda vê como uma ferramenta de educação, uma porta de oportunidades para conquistarem o que buscam.

Eles priorizam a inclusão digital em relação a outras necessidades.

Para essa população, as mídias sociais os tornam visíveis, é uma maneira de serem vistos pelo mundo, além de saber o que acontece. Não basta ser próspero, é preciso exibir esta prosperidade.

As pessoas se sentem inseridas, que não estão removidas do restante da sociedade, apesar de muitos não saberem identificar a diferença de Facebook e internet.

E, ao contrário do que muito se discute nas classes média e alta, de que as redes sociais atrapalham o aprendizado e fazem com que jovens escrevam palavras erradas ou gírias, nas camadas mais populares, as redes servem para auxiliar esses jovens a escreverem bem. Eles sentem vergonha de escrever errado.

Para este grupo, as mídias sociais servem para aproximar ainda mais vizinhos e parentes, quem está perto, quem faz parte da “rede de solidariedade”, como chama o autor, dos que se ajudam, quando um ou outro tem alguma necessidade.

Juliano Spyer é doutor pelo Departamento de Antropologia da University College London (UCL) e mestre no Programa de Antropologia Digital da mesma universidade. “Midias Sociais no Brasil Emergente” faz parte da série “Why we post” (“Por que postamos”), um estudo em 11 títulos, que tratam, além do Brasil, de Chile, China, Inglaterra, Índia, Itália, Trinidad e Turquia.

 

“Mídias Sociais no Brasil Emergente”
Juliano Spyer
​Editora Armazém da Cultura/Educ - Editora da PUC-SP
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