Brigas políticas levam tensão às confraternizações de Natal

Polarização eleitoral se reflete nas festas de fim de ano e afasta familiares

Joelmir Tavares
São Paulo

Saudosos tempos aqueles em que a polêmica no Natal eram as passas no arroz e que a maior provocação à mesa era perguntar se "é pavê ou pacumê". Ao fim de um ano marcado pela polarização eleitoral, as divergências estarão no cardápio da ceia.

As piadas sobre as confraternizações que devem colocar lado a lado apoiadores de Jair Bolsonaro (PSL) e de Fernando Haddad (PT) começaram já durante a campanha, quando ficou claro que o acirramento do debate político chegaria às reuniões de dezembro.

No caso do administrador Caio Aissa, 32, a decepção foi tamanha que ele cogitou até não viajar dos Estados Unidos, onde mora, para Santo André (SP), cidade de sua família. "A sogra do meu irmão é a verdadeira 'bolsominion'", resume ele sobre o principal desafeto que terá de encarar.

O jovem Caio Aissa sentado de pernas cruzadas em um banco de praça
Caio Aissa foi favorável a Haddad e cogitou cancelar vir dos EUA, onde mora, para não encontrar familiares - Danilo Verpa/Folhapress

Gay, ele fez campanha para o PT por temer que uma vitória de Bolsonaro ameaçasse direitos LGBT no Brasil. "Tenho muitos amigos gays e tenho vontade de voltar a morar no Brasil", diz ele, que fez várias postagens em redes sociais sobre o assunto e acabou comprando briga com a parente.

Para não desapontar a mãe, Caio acabou mantendo a viagem. Ele acha que outras pessoas da família votaram no presidente eleito, mas, para "evitar climão", quer passar longe de papos sobre política.

"Não sei como vai ser quando eu cruzar com essa senhora com quem discuti. Mas comprei uma 'brusinha' afrontosa para encontrá-la." Na peça se lê, em inglês: "respeite a existência ou espere resistência".

A blogueira Vivi Amstalden, 33, vive situação inversa: ela apoiou Bolsonaro e entrou em conflito com a família materna, que votou em Haddad.

A birra maior é com uma prima "de 17 anos que foi criada em apartamento, tem iPhone, se diz feminista e acha que o mundo é o socialismo puro".

Vivi, que mora em Blumenau (SC), viajou para Vinhedo (SP) para passar as festas de fim de ano com a família –que ficarão desfalcadas pelo lado petista da família. "Não sei se é desculpa, mas um falou que ia viajar, o outro também."

E assim a blogueira se livrou da chance de um potencial barraco, já que, segundo ela, a prima doutrinou tios e primos. "Eu adoro debater, acho que a discussão é sadia para o ser humano. Só não admito ser xingada, desrespeitada."

Os relatos sobre as reuniões de família destruídas pelo flá-flu político vinham divertindo tanto Vivian Alano, 33, que ela decidiu criar no Facebook uma página para tirar sarro, a "Natal dos Desgarrados Antifascistas Pós-Eleições 2018".

Com mais de 6.000 adesões, o evento na rede social foi uma maneira de Vivian, que trabalha em uma produtora de vídeo em São Paulo, "pelo menos rir dessa desgraça toda".

"Era tanta gente brigando que eu já imaginei a catástrofe que seria a ceia", afirma ela.

A blogueira Vivi Amstalden, eleitora de Jair Bolsonaro, em foto no dia da vitória dele no segundo turno, em outubro de 2018.
A blogueira Vivi Amstalden, eleitora de Jair Bolsonaro, em foto no dia da vitória dele no segundo turno, em outubro de 2018 - Reprodução/Facebook

Identificada com "a esquerda libertária", Vivian fala que poucas pessoas ao seu redor conseguiram manter a paz doméstica nas eleições. Daí a ideia de criar o evento --que é fictício, sem local marcado. "É só para dar umas risadas."

As contribuições na página seguem a toada. Um participante postou dicas de sobremesas para as festas. De um lado da foto, uma torta que na cobertura tem um símbolo feminista (círculo e cruz); do outro, um pavê adornado com a ilustração de uma foice, o ícone do comunismo.

No caso da universitária Débora Durães, 22, seria até possível que ela encontrasse sobremesas do tipo nas festas da família materna, "que é toda petista". Seria --porque ela, admiradora "do liberalismo e das boas intenções" de Bolsonaro, decidiu ficar longe desse lado familiar no Natal.

"Meu pai e minha mãe votaram no Bolsonaro. A gente tinha planos de passar juntos na casa da minha avó materna, mas desistiu", diz ela, que estuda direito em Jundiaí (SP).

"Foi uma decisão minha. Sou uma pessoa que evita brigar e achei que ia ter discussão. Não encontrei ninguém depois da eleição e tenho até medo."

Débora fala que, para os parentes da mãe, "o Lula é rei". Ela teve "briga feia" no Facebook e abandonou o grupo da família no WhatsApp "porque eles só enviavam coisas do PT".

Os "desgarrados" ouvidos pela Folha são pouco assertivos sobre o futuro. Não sabem se o rompimento de laços será temporário ou vai durar mais que uma eleição. Em geral, se dizem dispostos a dialogar.

O designer Matheus Macedo, 27, até aceitou encontrar os parentes que apertaram 17 na urna. Entre eles estará seu pai, com quem já tinha relação problemática. "Não pretendo confraternizar com ele", diz.

"Cheguei a mandar um texto sobre o aumento da violência contra LGBTs e disse que, quando eu levar uma pedrada na cara, ele tem que se lembrar que ajudou a construir isso."

Matheus fala que, para o bem de todos, política deverá ser tema censurado na noite natalina de sua família, em São Paulo. "Provavelmente, se tiver algum comentário, virá de mim." Ele jura que tentará manter o respeito. "Até mesmo com a minha tia que votou no Bolsonaro mesmo a filha dela sendo lésbica", cutuca.

Que comecem as festas.

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