Às vésperas do segundo turno da eleição presidencial de 2018, Maria Nina Rattes, 90, expressou um último desejo: votar em Jair Bolsonaro (PSL). No mesmo dia, teve um AVC que a levou à morte em 21 de novembro daquele ano.
É o que conta o advogado Leonardo Rattes Bevilacqua Pinaud Madruga, 31, neto que viu uma postagem do presidente transformar sua avó em notícia seis meses após a morte.
No último domingo (26), dia marcado por manifestações a favor do governo, Bolsonaro publicou em suas redes sociais a foto de Maria Nina envolta por uma bandeira do Brasil, marchando entre manifestantes. Uma cena trivial, se não fossem seus cabelos totalmente brancos e o andador que a conduzia na caminhada.
Na legenda, o presidente reclamou atenção de ministros, senadores, deputados, governadores, prefeitos, vereadores e juízes e alertou: “Vejam a nossa responsabilidade”.
Não houve menção direta afirmando que Maria Nina Rattes havia participado das manifestações, mas a descoberta de que estava morta gerou reações nas redes sociais.
“Podemos contar uma pessoa a menos nas manifestações de ontem”, disse a página do Twitter Movimento Jair Me Arrependi, com 132 mil seguidores.
O contraponto vem de familiares que se pronunciaram no Facebook —eles perceberam o ato como uma homenagem. “Ela estaria orgulhosíssima”, diz Leonardo, eleitor do presidente, ao classificar a avó como pró-Bolsonaro. “Estava com muita esperança de que as coisas fossem mudar, que seria um governo mais íntegro e honesto.”
Mãe de quatro filhos, avó de oito netos e bisavó de dois, nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, município do interior do Espírito Santo, e conviveu com a pobreza na infância e na juventude. No Rio de Janeiro, morou nos bairros de Copacabana e da Barra da Tijuca, sua última residência.
Graduou-se em direito tardiamente, aos 70 anos de idade, e atuou como servidora pública do Tribunal Regional do Trabalho. Foi fã incondicional do cantor e compositor Elymar Santos e alguém que costumava dizer que “um país educado pela Xuxa não poderia dar certo”, segundo o advogado.
Nina, como era conhecida, já dedicou seu voto a Lula e Dilma. Anos depois, desiludida, passou a frequentar atos pró-impeachment, como aparece em um vídeo de 2015 que está sendo associado à origem da foto publicada por Bolsonaro.
O neto, no entanto, não confirma a informação, já que a avó tinha o hábito de usar as mesmas roupas em diferentes manifestações. "Quando você fica mais velho, tem determinadas manias. Uma das manias da minha avó era essa." Por isso não descarta que a foto possa ser de um ato bolsonarista, justifica.
Sobre os Bolsonaros, o advogado afirma que seu pai, José Eduardo Pinaud Madruga, lecionou na Universidade Cândido Mendes para o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e que, portanto, sua família mantinha alguma proximidade. “O Jair chegou a conhecer minha avó pessoalmente no ano da eleição."
A idosa, fã de passeatas, via prazer em integrar-se aos atos —mais que seus familiares, provavelmente, que se preocupavam com sua exposição ao sol e à caminhada. Mas foi essa disposição que motivou Leonardo a fazer coro às manifestações de domingo. “É engraçado como as coisas acontecem", diz ele sobre a repercussão. "Eu fui em homenagem à minha avó, sabia que ela gostaria de estar ali.”
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.