Ala garantista do STF quer declarar suspeição de Moro em processo de Lula

Análise na corte de pedido da defesa de Lula deve se tornar julgamento da condução da Lava Jato

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Brasília e São Paulo

O embate acerca do futuro do ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), sob pressão desde que foram reveladas conversas suas com o procurador Deltan Dallagnol enquanto era o principal juiz da Lava Jato, deve se tornar um julgamento sobre a condução da operação em si.

A chamada ala garantista do STF (Supremo Tribunal Federal) quer usar o julgamento de um pedido de habeas corpus da defesa do ex-presidente Lula para declarar a suspeição de Moro no processo que levou o petista à prisão.

O julgamento estava parado desde dezembro na Segunda Turma e foi agora marcado para o dia 25 pelo ministro Gilmar Mendes, expoente dos garantistas e crítico contumaz dos métodos da Lava Jato.

Grosso modo, os garantistas defendem de forma mais rígida a presunção da inocência e o respeito à letra fria da lei.

Ministros do Supremo reunidos em sessão nesta quarta-feira (12) - Foto: Nelson Jr./SCO/STF

A decisão de Gilmar veio na esteira da revelação, pelo site The Intercept Brasil, de conversas entre Moro, Deltan e outros procuradores. Nelas, o então juiz dá dicas e discute aspectos da ação da força-tarefa.

A Segunda Turma é composta por Gilmar, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Cármen Lúcia e Edson Fachin. Os dois primeiros são garantistas clássicos, os dois últimos usualmente apoiam a ação da Lava Jato, geralmente acompanhados de Celso de Mello.

Conhecidos deste afirmam que a revelação das conversas de Moro lhe causou profunda impressão e que ele tenderia a alinhar-se com os garantistas. A Folha não conseguiu falar com o ministro.

Segundo advogados com trânsito na corte, os garantistas consideram que Moro terá uma queda pública inevitável, uma vez que o site afirma ter mais conversas para serem analisadas e publicadas.

Um ministro do STF afirmou considerar improvável que não haja novas conversas discutindo, por exemplo, o conteúdo de delações premiadas --principal motivo de irritação entre garantistas com a Lava Jato, além da instituição da prisão a partir de condenação em segunda instância.

Este é, aliás, um dos pontos de conversa entre os ministros. Se Moro for considerado suspeito, o favorecido direto será Lula. As implicações políticas são muitas.

Entre os militares, há visível apreensão com a possibilidade de o petista ser solto. Há uma crença, em especial entre oficiais da ativa, que uma eventual libertação precoce do ex-presidente poderia gerar conflitos sociais.

Entre os generais com assento no governo, o temor é agravado pelo fato de Moro ser uma espécie de símbolo sempre lembrado como indicativo de que o governo de Jair Bolsonaro tem compromisso contra a corrupção.

Um deles afirmou que seria "uma tragédia" ver esse símbolo, que de resto validou boa parte do apoio que militares deram a Bolsonaro, se perder. Ele ressalta que as conversas até aqui publicadas não seriam comprometedoras o suficiente, mas que é impossível saber o que vem por aí.

Com efeito, foram os militares os primeiros a defender publicamente Sergio Moro.

O fato de o ministro e Deltan não terem negado o conteúdo das conversas é usado como argumento para validá-las. Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa.

Juízes de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado a outro magistrado.

O objetivo dos advogados do petista é conseguir a anulação da condenação no caso do tríplex de Guarujá, sob o argumento de que Moro não foi imparcial no episódio --que aparece nas conversas que vieram à tona e no qual o petista é acusado de receber R$ 3,7 milhões de propina da OAS em decorrência de contratos com a Petrobras.

O valor, apontou a acusação, se referia à cessão pela empreiteira do apartamento ao ex-presidente, a reformas feitas no imóvel e ao transporte e armazenamento de seu acervo presidencial. Ele foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. 

Preso em decorrência da sentença de Moro, Lula foi impedido de concorrer à Presidência em 2018. A sentença de Moro foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e chancelada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Segundo a coluna Mônica Bergamo, da Folha, o processo do tríplex contra Lula pode ser anulado em parte pelo STF no julgamento da turma.

Com o julgamento marcado para daqui a duas semanas, ministros da corte esperam que a defesa de Lula faça nova provocação ao STF, juntando ao processo o material revelado pelo The Intercept. 

O advogado do petista, Cristiano Zanin, e sua equipe estão se debruçando sobre o teor das conversas vazadas, e a expectativa é a de que até sexta (14) apresentem ao STF uma atualização ao processo.

Entre os argumentos que já constam no pedido de suspeição está o fato de Moro ter aceitado o convite de Bolsonaro para ocupar o cargo de ministro da Justiça.

"A história não pode deixar de transmitir às futuras gerações que o aludido ex-magistrado, ao tempo em que ainda conduzia esta ação penal, foi convidado e aceitou se tornar ministro do governo do atual presidente, à época e até hoje oponente do apelante", diz trecho do habeas corpus. 

Para reforçar a tese de parcialidade de Moro e de que ele se aliou a um adversário político de Lula e do PT, os advogados citam declarações de Bolsonaro sobre o ex-presidente e seus correligionários —como uma em que o agora presidente disse que o petista iria "apodrecer na cadeia" e que seus aliados seriam presos se não deixassem o país.

Nesta terça, um antigo voto do decano do Supremo começou a circular entre os magistrados como precedente favorável a uma punição a Moro. 

Em 2013, ao julgar um habeas corpus do doleiro Rubens Catenacci no caso do Banestado, o ministro votou pela suspeição do então juiz Moro, que monitorou voos de advogados do acusado para garantir sua prisão.

Acabou vencido na discussão, não sem antes dizer que o magistrado fugiu "à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca a seu dispor" —variante polida da avaliação que os garantistas fazem dos métodos da Lava Jato.

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