Após 10 anos, escândalo dos atos secretos do Senado trava com juiz de reduto de Sarney

Processo aguarda julgamento na segunda instância desde 2015, após condenação inicial de servidores

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Brasília

O escândalo dos atos secretos do Senado completa dez anos nesta semana com o julgamento dos servidores investigados à espera de um desfecho há quatro anos na segunda instância da Justiça Federal.

O processo aguarda julgamento desde março de 2015 pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O caso está no gabinete do juiz federal Ney Bello Filho.

O magistrado fez carreira no Maranhão, seu estado natal e reduto político do ex-senador José Sarney (MDB), presidente do Senado na época da revelação dos boletins sigilosos, usados para nomeações e concessão de privilégios. Sarney foi o pivô da crise que atingiu a Casa em 2009.

O juiz federal foi escolhido para o TRF-1 por meio de uma lista tríplice enviada em 2013 à então presidente Dilma Rousseff (PT), aliada de Sarney, e contou na ocasião com o apoio do grupo político do ex-presidente. O ex-senador e o magistrado são confrades na Academia Maranhense de Letras.

O ex-presidente e ex-senador José Sarney, em sessão do Congresso Nacional em homenagem aos 30 anos da Promulgação da Constituição Federal de 1988
O ex-presidente e ex-senador José Sarney, em sessão do Congresso Nacional em homenagem aos 30 anos da Promulgação da Constituição Federal de 1988 - Pedro Ladeira - 6.nov.18/Folhapress

Em outubro de 2014, a Justiça Federal de primeira instância condenou dois ex-diretores do Senado, Agaciel Maia e João Carlos Zoghbi, e outro servidor, Franklin Paes Landim, por improbidade administrativa, com suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa.

Agaciel chegou ao cargo de diretor-geral pelas mãos de Sarney em 1995. Saiu em março de 2009 após a Folha revelar que ele ocultou uma mansão em Brasília.

Ele é apontado na ação dos atos secretos como o “mandante do esquema” que favoreceu parentes de senadores, por 15 anos, incluindo o próprio ex-presidente. A sentença, assinada pelo juiz Jamil Oliveira, afirma que “de tudo quanto se produziu de prova, tem-se a plena e irrefutável convicção do esquema montado pelos réus”.

De acordo com o Ministério Público Federal, houve uma “operação de concerto criminoso” para “ocultar de forma dolosa e dissimulada” a publicação dos atos.

O processo subiu para a segunda instância e a Procuradoria defendeu, em parecer, a manutenção da sentença.

Desde então, o caso está parado. São quatro anos sem julgamento. O processo foi inserido e retirado de pauta da terceira turma do TRF-1 (presidida por Ney Bello e composta por mais dois juízes) três vezes de lá para cá.

A ação retornou na terça-feira (4) para pauta de julgamento, um dia depois de a Folha questionar o gabinete do juiz federal. Segundo o magistrado, o processo segue um “fluxo normal” para ser apreciado diante do alto volume de ações. Ele nega influência de Sarney na morosidade.

Agaciel Maia foi condenado por improbidade em 2014, incluindo a suspensão dos direitos políticos por oito anos.

Nas eleições passadas, ele foi reeleito deputado distrital no Distrito Federal pelo PR. Se a condenação tivesse sido ratificada pelo colegiado de segunda instância antes da eleição, por exemplo, ele seria enquadrado na Lei de Ficha Limpa e impedido de concorrer.

O escândalo dos atos secretos levou à maior crise administrativa da história do Senado. Uma sindicância interna identificou em 2009 a existência de 663 boletins usados clandestinamente para nomear parentes de servidores e senadores e criar cargos, benefícios e privilégios. Uma auditoria da Fundação Getulio Vargas também apontou que medidas não foram publicadas.

Os boletins foram revelados pelo jornal O Estado de S. Paulo em 10 de junho daquele ano. Em entrevista exclusiva à Folha, Franklin Paes Landim, chefe do serviço de publicação do boletim de pessoal do Senado, confirmou o esquema e afirmou que recebia ordens de Agaciel e de João Carlos Zoghbi, ex-diretor de Recursos Humanos.

A crise política quase culminou, na época, na queda de Sarney da presidência do Senado. Com o apoio do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o emedebista conseguiu barrar pedidos de investigação no Conselho de Ética, além de segurar a pressão para que renunciasse.

O namorado de uma neta de Sarney chegou a ser nomeado por ato secreto. Revelou-se ainda que um neto do político operou a venda de crédito consignado na Casa.

O Ministério Público Federal abriu investigação e denunciou em 2010 a cúpula administrativa da Casa.

O processo aponta que Agaciel Maia agiu “deliberadamente” no sentido de ocultar as medidas, causando “prejuízos à moralidade administrativa”, “motivo de escândalo em todo o país”, “contribuindo assim decisivamente para conferir mais descrédito a instituição legislativa a que devia lealdade”. 

OUTRO LADO

O juiz federal Ney Bello Filho afirma que jamais recebeu apelo de Sarney ou dos réus para segurar o processo. “Nunca ninguém falou comigo”, disse.

Ele ressalta desconhecer a influência do ex-senador na sua escolha por Dilma em 2013. “Recebi o apoio de todos os parlamentares do Maranhão, e Sarney foi senador pelo Amapá”, disse.

O juiz alega que contrariou o grupo de Sarney ao tomar decisões, em 2009, desfavorável a seu filho, Fernando, na chamada operação Boi Barrica, que investigou suas atividades empresariais.

Sarney afirma, por meio da assessoria, que “tem apenas uma relação cordial com o juiz federal, embora ele seja membro de ilustre família que sempre foi sua adversária política e sejam confrades na Academia Maranhense de Letras”.

Diz ainda que nunca foi consultado por Dilma sobre a escolha para o TRF-1. Segundo ele, Ney Bello “era um dos mais antigos juízes do Maranhão e sempre gozara de brilhante conceito, quer pessoal, quer funcional”.

Agaciel afirmou, em sua defesa, que não foi encontrada ilegalidade nos atos, não tendo havido, segundo ele, dano ao interesse público. Ele diz que não há provas contra ele.

Zoghbi afirma que não há prova de que tenha agido em conluio com Agaciel.

Landim argumenta que a competência para a publicação dos atos era da direção-geral. Segundo sua defesa, a acusação contra ele é “infundada e inconsistente, pois em nenhum momento houve tentativa de lesar o erário público, não havendo dolo de sua parte".

Entenda o escândalo dos atos secretos

O que foi
Descobriu-se em 2009 a existência de um esquema de edição de 660 boletins administrativos secretos para nomeações e benefícios de servidores e concessão de privilégios a senadores. Os atos eram assinados, mas jamais publicados, como forma de esconder as decisões.

Crise política
O episódio foi o auge da maior crise administrativa do Senado, então presidido por José Sarney (MDB-AP). O principal personagem, o ex-diretor-geral Agaciel Maia, era homem de confiança de Sarney. Ele ocupava o cargo desde 1995. O namorado de uma neta de Sarney, por exemplo, foi nomeado por ato secreto para um cargo.

Investigação interna
Os atos foram identificados por uma sindicância interna de três servidores da Casa e revelados pelo jornal O Estado de S. Paulo no dia 10 de junho de 2009.

Acusação
Em entrevista exclusiva à Folha na época, o chefe do serviço de publicação do boletim de pessoal do Senado, Franklin Albuquerque Paes Landim, confirmou todo o esquema e acusou o ex-diretor Agaciel Maia de ser o líder. Agaciel havia deixado o cargo em março daquele ano após a Folha revelar que ele escondeu da Justiça uma casa avaliada em cerca de R$ 5 milhões. 

Denúncia e condenação
O Ministério Público Federal abriu investigação e denunciou Agaciel, Landim e João Carlos Zoghbi, ex-diretor de recursos humanos. Em outubro de 2014, eles foram condenados em primeira instância por improbidade administrativa, com perda dos direitos políticos. Segundo a decisão, Agaciel agiu deliberadamente para ocultar a publicação dos atos administrativos em uma prática "nefasta" e "fraudulenta".

Segunda instância
Desde 2015, o processo está parado no gabinete do juiz federal Ney Bello Filho, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Por três vezes, o caso foi incluído e retirado da pauta de julgamento. Bello foi nomeado para o tribunal em 2013 pela então presidente Dilma Rousseff. Maranhense, o magistrado fez carreira no estado de Sarney e contou com seu apoio para chegar ao TRF-1.

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