A diretora de "Democracia em Vertigem", Petra Costa, adulterou digitalmente uma foto que aparece no documentário para apagar armas da cena do assassinato de dois militantes mortos pela ditadura militar.
Segundo investigações posteriores, as armas foram plantadas por agentes do regime ao lado de Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar e Ângelo Arroyo, que eram dirigentes do Partido Comunista do Brasil (PC do B), para justificar um suposto confronto armado.
Os dois ativistas foram mortos em 1976. A documentarista confirmou a alteração na imagem em entrevista à revista piauí, que revelou o caso nesta terça-feira (30), e em resposta a uma consulta da Folha. Durante a exibição, o espectador do documentário não é informado da adulteração.
"Democracia em Vertigem", que estreou em junho na plataforma Netflix, é narrado em off por Petra e recapitula os principais fatos políticos do país de 2013 para cá, incluindo o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e a eleição de Jair Bolsonaro (PSL).
Pedro Pomar é citado na produção como o mentor político dos pais da diretora. Petra disse que optou por eliminar as armas da cena para que a imagem reproduzida no filme se aproximasse da realidade que consta em documentos e depoimentos.
"Há um debate significativo sobre a veracidade das armas nesta cena, com muitos comentários. E até a própria Comissão da Verdade trouxe evidências para as alegações de que a polícia plantou as armas após a morte de Pedro, e por isso optei por remover esse elemento e homenagear a Pedro com uma imagem mais próxima à provável 'verdade'", disse ela.
Procurada pela Folha, Petra enviou, via assessoria de imprensa, as mesmas explicações dadas à revista.
No site Memorial da Democracia, que reúne informações da época do regime, a foto original pode ser vista com um revólver no chão ao lado de Pomar e uma carabina caída ao lado de Arroyo.
Segundo a piauí, a fotografia em que aparecem as armas também está arquivada no Instituto de Criminalística de São Paulo, anexa ao laudo da morte de Pomar.
Um relatório da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos confirmou a responsabilidade do Estado nas mortes, como a Folha noticiou em 1996. O mesmo documento reconheceu a manipulação da cena do crime pelos militares.
Os dois militantes foram mortos em uma casa no bairro da Lapa (zona oeste de São Paulo) que era usada para reuniões de membros do PC do B. O episódio ficou conhecido como Chacina da Lapa.
Três médicos-legistas que atuaram no caso foram denunciados à Justiça pelo Ministério Público Federal, em 2016, sob a acusação de falsidade ideológica.
De acordo com a denúncia, os profissionais foram coagidos pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, que foi chefe do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo, para registrar nos laudos que as mortes de Pomar e Arroyo ocorreram após confronto armado entre eles e os militares.
Petra afirmou, por meio de sua assessoria, que "a imagem da morte de Pedro foi marcada por essas armas colocadas ao redor do seu corpo após sua morte" e que, ao fazer o documentário, sentiu "uma oportunidade para corrigir um erro percebido por muitos".
“As armas foram removidas da imagem, e há uma razão para isso. Eu esperava que alguém do público notasse", disse ela.
"Como afirmei no documentário, Pedro era o mentor político da minha mãe, e foi amplamente reconhecido que a polícia plantou armas ao redor dos corpos dos ativistas assassinados, como uma desculpa para seus assassinatos brutais."
"Democracia em Vertigem", que está disponível no catálogo da Netflix em 150 países, foi listado pelo jornal The New York Times como um dos melhores filmes do ano até agora.
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