Descrição de chapéu Lava Jato

Lava Jato mira ex-executivos da Odebrecht suspeitos de pagar propina a petistas

PF cumpre mandados de prisão temporária e de busca e apreensão em São Paulo e na Bahia

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Curitiba

Na 63ª fase da Lava Jato, a Polícia Federal mirou nesta quarta (21) ex-executivos da Odebrecht desafetos do antigo chefe da empreiteira e considerados estratégicos para a descoberta de esquemas de propina ainda desconhecidos.

Baseada em suspeitas de pagamentos destinados ao PT por meio dos ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega, que comandaram a Fazenda nos governos petistas de Lula e de Dilma Rousseff, a operação prendeu Maurício Ferro, que foi diretor jurídico da Odebrecht, mas que, diferentemente dos principais executivos da construtora, não firmou delação premiada.

Genro de Emilio Odebrecht, Ferro já havia sido acusado pelo cunhado Marcelo Odebrecht de manipulação para se proteger das acusações.

Na casa dele a polícia afirma ter encontrado nesta quarta-feira quatro chaves de criptografia para acessar informações que podem ser inéditas e relacionadas ao setor de propinas da Odebrecht.

“Era algo que a Lava Jato vinha buscando há anos”, afirmou Thiago Giavarotti, delegado da PF.

“Havia um receio de que, se não houvesse a prisão dessas pessoas e se não fossem encontradas essas chaves, elas poderiam desaparecer”, disse Antonio Carlos Welter, procurador da força-tarefa, em relação aos pedidos de prisão temporária, com prazo inicial de cinco dias.

A força-tarefa diz que houve repasses do grupo Odebrecht o PT, por meio dos ex-ministros, relacionados à edição das medidas provisórias 470 e 472, que instituíram refinanciamento de dívidas fiscais que beneficiaram empresas do grupo. O Ministério Público Federal afirma que Mantega recebeu R$ 50 milhões.

A Lava Jato também cumpriu mandado de prisão contra Nilton Serson, ex-executivo da construtora, ligado a Maurício Ferro e que estava em viagem nos Estados Unidos —mas ele ainda não era considerado foragido. 

A PF realizou ainda dez ações de busca e apreensão, duas na Bahia e oito em São Paulo. Uma delas teve como alvo Bernardo Gradin, ex-presidente da Braskem (petroquímica tida como joia da coroa do grupo Odebrecht), cuja família foi sócia do grupo e acabou em litígio com Marcelo.

Maurício Ferro 

  • Comandou a área jurídica da Braskem e também da Odebrecht 
  • É casado com uma irmã de Marcelo ​Odebrecht, Mônica Bahia Odebrecht
  • Participou como advogado nos acordos de delação e leniência da Odebrecht com a Procuradoria

A Lava Jato pediu a prisão de Guido Mantega, mas ela foi negada pela Justiça, que determinou, porém, a colocação de tornozeleira eletrônica. Já Antonio Palocci fechou acordo de delação premiada com a PF. 

A força-tarefa está sob pressão há mais de dois meses devido à divulgação de mensagens trocadas entre procuradores, obtidas pelo site The Intercept Brasil e que colocaram em xeque procedimentos da equipe e sua relação com o então juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro (PSL).

A etapa desta quarta-feira foi a segunda deflagrada pela equipe do Paraná desde a publicação dos primeiros diálogos, em 9 de junho.

O repasse a Mantega, segundo a investigação, ocorreu por meio do setor de propinas da Odebrecht, registrado na conhecida planilha “Pós Itália” e pago pelo grupo, incluindo a Braskem —que também firmou acordo de leniência com os procuradores.

A força-tarefa diz que Maurício Ferro, como diretor jurídico da Odebrecht, celebrou ao menos 18 contratos advocatícios fraudulentos com Nilton Serson de 2005 a 2013 para esconder pagamento de propinas.

Um dos contratos trataria das discussões sobre crédito de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

“O grupo fez um investimento de milhões no ramo da legislação para ter bilhões de retorno”, diz Giavarotti em relação ao interesse da Odebrecht nas medidas provisórias.

O delegado afirma buscar agora outros atos de ofício que tenham sido praticados por políticos em troca de propina.

“[Ferro] foi responsável por tratar diretamente com os ministros a atuação para aprovação de medidas que eram de relevante interesse”, diz.

A PF afirma que os dois executivos tinham contas no exterior para receber os valores. Só em 2010, de acordo com a investigação, offshores controladas por Serson receberam pelo menos R$ 10 milhões por ordem de Ferro. Depois, uma parte dos valores retornou ao executivo por contas no exterior, diz a investigação.

O procurador Welter afirmou que a nova fase da operação também busca apurar esses novos atos de lavagem de dinheiro e quem foram os destinatários finais dos recursos.

Foi determinada ordem judicial de bloqueio de ativos financeiros dos investigados no valor de R$ 555 milhões.

Além de Mantega e dos ex-executivos da Braskem, esse bloqueio atingiu ainda Newton Sergio de Souza, que foi presidente da Odebrecht.

A irmã de Marcelo Odebrecht é casada com Ferro, que era diretor jurídico na época dos acordos de delação e leniência da Braskem com a Procuradoria.

A empresa tem 40 fábricas no Brasil, Estados Unidos, Alemanha e México e foi responsável por 80% das receitas do grupo Odebrecht em 2018. Numa negociação para venda para um grupo holandês, a empresa foi avaliada em R$ 41,5 bilhões. 

Marcelo tentava atingir o cunhado, afirmando que Newton e Ferro manipularam emails da petroquímica para que eles não aparecessem como criminosos. 

Também disse que a Braskem, por exemplo, errou ao falar em seu acordo de delação que os recursos entregues ao PT nas campanhas de 2010 e 2014, no valor total de R$ 150 milhões, eram provenientes de caixa dois.

Segundo ele, houve doações legais e “caixa três” — quando uma empresa pede a um fornecedor para fazer a doação por ela.

A operação foi intitulada Carbonara Chimica, que remete ao fato de que os investigados eram identificados como “Italiano” (Palocci) e “Pós-Itália” (Mantega) e ainda possui relação com a atividade desenvolvida pela empresa envolvida no esquema.

A presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, afirmou que a nova operação é método antigo para se tentar criminalizar pessoas do partido e uma reação diante das recentes revelações que colocariam em xeque a atuação de procuradores da Lava Jato.

“Quem tem que responder a forma como atuou na Lava Jato é o [Deltan] Dallagnol, é o [Sergio] Moro, que fizeram conluios, articularam entre si, orientaram delações e depoimentos, que quebraram sigilos ilegalmente e conduziram operações politizadas da PF”, declarou a petista.

A defesa de Palocci informou que ele “irá colaborar com a Justiça para o pleno esclarecimento dos fatos que estão sendo investigados”.

Em nota, a defesa de Ferro afirmou que recebeu "com surpresa" a notícia da prisão temporária, pois a decisão judicial não traria nenhum fato novo e suas contas no exterior são declaradas desde 2016.

"Já foi apresentada resposta neste processo, esclarecendo todos os fatos da denúncia", diz a nota.

A defesa afirma ainda que ele irá prestar os esclarecimentos necessários e que confia que a prisão será revogada pela Justiça.

Os advogados de Serson preferiram não se manifestar. As defesas dos demais alvos da operação não responderam.

O advogado de Mantega, Fabio Tofic, afirmou que as medidas impostas contra seu cliente representam “estardalhaço e espetáculo público” da Lava Jato.

“É a Lava Jato voltando a fazer estardalhaço, espetáculo público para colocar talvez uma cortina de fumaça nos abusos e nas arbitrariedades que estão sendo reveladas na condução desse processo”, declarou.

O advogado classificou como absurdas a imposição de uso de tornozeleira eletrônica e o bloqueio de R$ 50 milhões de Mantega. “É um constrangimento pelo constrangimento”, disse. 

Segundo Tofic, como os fatos investigados são de 2010, não haveria motivo para, quase dez anos depois, se implantar a medida cautelar.

“O que significa isso agora? De alguém que está aí, não deu mostra de querer fugir, comparece aos atos do processo”, questionou.

De outro lado, Tofic disse que o rastreio do dinheiro da Odebrecht pela investigação é bom para Mantega, pois vai mostrar que o ex-ministro não recebeu dinheiro da empreiteira.

O defensor alegou ainda que seu cliente não possui a quantia a ser bloqueada pela Justiça. “Ele não tem esse dinheiro. Aliás não tem nem perto disso. O pouco dinheiro que ele tem é herança do pai que era um empresário bem-sucedido de São Paulo”, finalizou.

PGR

Após a nova ação da Lava Jato, o procurador Antonio Carlos Welter reforçou nesta quarta que a força-tarefa espera que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) indique como próximo procurador-geral da República um dos nomes que integram a lista tríplice apresentada pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).

A ANPR realiza eleições para indicar ao presidente três nomes, mas não há obrigação legal de que a lista seja seguida pelo presidente.

Foram indicados à sucessão de Raquel Dodge os procuradores Mário Bonsaglia, Luiza Frischeisen e Blal Dalloul, mas Bolsonaro sonda outros nomes.

Welter ressaltou que os três “têm alta capacidade, integridade moral e têm todas as condições para exercer o cargo”.

O procurador disse que ainda esperar que o próximo PGR dê continuidade ao trabalho dos antecessores.

Welter e a procuradora Laura Tessler foram questionados na entrevista coletiva sobre a troca de mensagens entre integrantes da força-tarefa obtidas pelo site The Intercept Brasil. Ambos não quiseram se manifestar.

Segundo as conversas, o procurador criticou a atuação de Raquel Dodge na PGR. Já a desenvoltura de Laura em audiências foi alvo de críticas do então juiz Sergio Moro em conversa com o chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol.

Entenda a operação

Os envolvidos
Maurício Ferro
Ex-diretor jurídico da Odebrecht e genro de Emilio Odebrecht. Já havia sido acusado pelo cunhado Marcelo Odebrecht de manipulação para se proteger das acusações. Não firmou acordo de delação premiada, diferentemente de outros executivos do grupo. Foi preso nesta quarta (21)

Nilton Serson
Ex-executivo da Odebrecht, ligado a Maurício Ferro. Também teve a prisão pedida pela Justiça, mas está fora do país

Bernardo Gradin 
Ex-presidente da Braskem, petroquímica do grupo Odebrecht. Sua família foi sócia do grupo e acabou em litígio com Marcelo. Gradin foi alvo de mandado de busca e apreensão

Guido Mantega
Foi ministro dos governos de Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT). Segundo a Procuradoria, recebeu R$ 50 milhões em repasses ilegais. Mantega teve a prisão pedida pelo Ministério Público, mas a Justiça negou e determinou que ele passasse a usar tornozeleira eletrônica

Antonio Palocci
Também foi ministro de Lula e Dilma. Foi preso em setembro de 2016 e solto em em novembro de 2018. Fechou acordo de delação premiada com a PF

O esquema
Repasses ao PT
Segundo a força-tarefa da Lava Jato, houve repasses do grupo Odebrecht ao PT, por meio dos ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci. A propina estava relacionada à edição das medidas provisórias 470 e 472, que instituíram refinanciamento de dívidas fiscais que beneficiaram empresas do grupo

Setor de propinas
O repasse a Mantega teria ocorrido por meio do setor de propinas da Odebrecht, registrado na conhecida planilha "Pós Itália"

Contratos fraudulentos
A força-tarefa diz que Maurício Ferro, como diretor jurídico da Odebrecht, celebrou ao menos 18 contratos advocatícios fraudulentos com Nilton Serson de 2005 a 2013 para esconder pagamento de propinas. Um dos contratos trataria das discussões sobre crédito de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)

R$ 7 bi
é o valor devido pela Odebrecht em indenizações por danos causados à União devido a esquemas de corrupção

R$ 98,5 bi
é a dívida do grupo Odebrecht

21 empresas
do grupo estão envolvidas no pedido de recuperação judicial, aceito pela Justiça em junho 

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