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Fernando Canzian

Resumidos, 'Diários da Presidência' de FHC dariam um ótimo livro

Falta de um ritmo mais dinâmico torna às vezes um pouco aborrecida a leitura dos quatro volumes da obra

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São Paulo

No primeiro dos quatro volumes de "Diários da Presidência", Fernando Henrique Cardoso, 88, presta homenagem à sua “dedicadíssima” assessora Danielle Ardaillon por ter tido a “pachorra” de escutar e transcrever as centenas de horas de gravações que resultaram nos livros.

“O gravador tornou-se meu padre confessor ou, quem sabe, à falta de um psicanalista que nunca tive, o médico de minha alma. Nele, eu desabafava”, escreve FHC.

Nas gravações, produzidas a cada dois ou três dias, geralmente à noite, ele recordava o que acontecera nos dias anteriores. Dessas sessões resultam os relatos de um dos períodos mais ricos da história econômica e política brasileiras.

Nele, o decisivo Plano Real não só foi posto à prova por crises internacionais que demandaram reformas profundas no sistema financeiro e na contabilidade nacionais como o mundo vivia uma nova onda liberal globalizante, que desafiava as economias que não se atualizassem.

Além de medidas complementares ao Plano Real a partir de 1995, FHC teve de enfrentar crises bancárias internas, um ambicioso programa de privatizações e terremotos financeiros em vários países que levariam a repetidas fugas de dólares e investidores, obrigando o país a recorrer três vezes ao FMI (Fundo Monetário Internacional).

No plano diplomático, havia o aprofundamento do Mercosul, a tentativa —depois fracassada— de criar um mercado comum de 34 países em torno da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e a fértil aproximação com Bill Clinton nos Estados Unidos e Tony Blair no Reino Unido.

Na política, o ex-presidente seria acossado pelo “Fora FHC” dos petistas, por suspeitas de compra de votos no Congresso para aprovar a emenda da reeleição, pelas frequentes invasões de terra pelo MST (inclusive de uma fazenda sua) e por uma base fisiológica e cheia de demandas, personificada na figura irascível do então presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães (1927-2007).

Em resumo, após a redemocratização (1985), o impeachment de Fernando Collor (1992) e o governo “tampão” de Itamar Franco (1992-1994), os oito anos de FHC na Presidência (1995-2002) seriam cruciais para o Brasil chegar a ser plenamente democrático e minimamente estabilizado em termos econômicos como é hoje.

Paradoxalmente, e apesar de inúmeros detalhes nos relatos, é justamente a falta de um ritmo mais dinâmico —e que faria jus ao período de seu governo— o que torna às vezes um pouco aborrecida a leitura dos quatro volumes de "Diários da Presidência".

Nas gravações, o próprio FHC deixa transparecer seu enfado com determinados episódios em que participa quando fala de “reuniões longuíssimas”, “discurseiras” e “jantares intermináveis”.

Em outros momentos, fala da família, de amigos, de viagens e de festas de aniversário que não acrescentam muita coisa para além de suas sessões de psicanálise pessoal com o gravador.

O resultado é uma floresta de 3.456 páginas que requer muita vontade do leitor não historiador, sociólogo ou economista para enfrentá-la, embora seja possível atravessá-la também por meio de galhos específicos usando os índices remissivos e os nomes de personagens e eventos marcantes.

A história dos oito anos de FHC na Presidência é muito rica e o ex-presidente parece ter protagonizado o período com segurança e leveza de espírito, segundo transparece em seus relatos.

Mas, assim como Danielle Ardaillon trabalhou no material bruto das gravações, os quatro volumes poderiam tornar-se um único livro, bem mais interessante e até eletrizante, se alguém tivesse mais uma vez a “pachorra” de resumi-los com o que há de melhor.

Diários da Presidência - Volume 4 (2001-2002)

  • Autor Fernando Henrique Cardoso
  • Editora Companhia das Letras (1.204 págs.)
  • Preço sugerido R$ 129,90
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