Assembleia de SP decide anular bônus natalino após determinação da Justiça

Casa diz que cancelou ato porque 3.266 funcionários corriam risco de ter que se defender; sindicato protesta

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São Paulo

A Assembleia Legislativa de São Paulo anunciou nesta terça-feira (17) que anulará o ato que liberou o pagamento do bônus natalino de R$ 3.100 aos servidores da Casa.

Nesta segunda (16), o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) determinou a suspensão do abono, mas o dinheiro já havia sido repassado aos funcionários na sexta (13).

Segundo a Assembleia, o valor será descontado na folha de pagamento de janeiro. O bônus foi concedido no valor do vale-alimentação. No total, o gasto com o benefício chegava a R$ 10 milhões.

A decisão da mesa diretora que cancela o pagamento será publicada no Diário Oficial desta quarta-feira (18).

O Legislativo disse que recuou porque, na liminar em que determinou a suspensão do bônus, a Justiça citou como réus cada um dos 3.266 funcionários da Casa.

"Com isso, cada servidor corria o risco de ter que arcar com custos para garantir defesa em ações individuais", afirmou a Assembleia.

A decisão da juíza Gilsa Elena Rios causou incômodo na Casa, que, em pouco mais de uma semana, sofreu duas derrotas na Justiça. A outra foi a suspensão da tramitação da reforma da Previdência.

A magistrada da 15ª Vara da Fazenda Pública acatou pedido de liminar sobre o abono em ação pública protocolada pelo advogado Rubens Gatti Nunes, ligado ao MBL (Movimento Brasil Livre).

Ele contestou o ato da mesa diretora do dia 28 de novembro que autorizou que o auxílio-alimentação de dezembro fosse acrescido de R$ 3.100. Nos outro meses, o valor é de R$ 631,14.

Na decisão, a juíza sustentou que a concessão do benefício contrariou o regimento interno da Assembleia, com "indício da violação à legalidade da norma".

O entendimento foi o de que a autorização da benesse careceu de parecer da Comissão de Finanças e de votação em plenário, "o que evidencia a presença de vício de legalidade".

Para a magistrada, houve ainda "indício de desvio de finalidade, pois a mesa diretora atribuiu o pagamento excepcional na rubrica auxílio-alimentação, que possui caráter de reembolso".

Com o recurso sendo pago dessa forma, não incidiu sobre ele nem Imposto de Renda nem qualquer tipo de contribuição previdenciária.

Em sua decisão, a juíza determinou que fosse providenciado um edital para citar todos os servidores da Casa beneficiados com o pagamento, para que, se quisessem, apresentassem contestação.

Horas após a ordem de suspensão, a Assembleia divulgou nota reiterando que o abono já tinha sido depositado "antes da expedição da liminar" e afirmando que estaria à disposição da Justiça.

Desde que o caso veio à tona, após reportagem do jornal O Estado de S. Paulo na semana passada, a Casa vinha se manifestando em defesa do pagamento. A versão oficial era a de que o benefício seria concedido com recursos do orçamento economizados ao longo do ano.

De acordo com comunicado, a expectativa é que ao fim do exercício de 2019 sejam poupados R$ 88 milhões, que serão devolvidos aos cofres públicos.

A Assembleia afirmou que o abono é pago aos funcionalismo desde 2005, "sempre no mês de dezembro, dentro do vale-alimentação, por ato administrativo da mesa diretora, nos termos da lei".

O Sindalesp (sindicato dos funcionários) protestou contra a ordem de devolução e convocou uma assembleia para a tarde desta terça.

O sindicato defendia que a mesa diretora recorresse da decisão e tentasse provar na Justiça a legitimidade do ato.

"O Sindalesp entende que seria ilegal, arbitrária e violenta a devolução forçada do dinheiro recebido de absoluta boa-fé pelos servidores, sem que se estabeleça o contraditório e a ampla defesa", afirmou, em comunicado.

A organização também protocolou ofício na mesa diretora no qual sustenta que o bônus "representa importantíssima contribuição para o sustento familiar" de muitos funcionários e que o desconto em janeiro contraria o princípio constitucional do direito adquirido.

Em redes sociais, o MBL comemorou o recuo e qualificou o abono como privilégio. "O valor retornará aos cofres públicos", escreveu o grupo.

Autor da ação que motivou o cancelamento, Rubens Nunes disse à Folha que "o bônus de R$ 10 milhões era um verdadeiro tapa na cara de todo trabalhador de São Paulo".

"Fico feliz que tenham voltado atrás. É uma vitória de todo cidadão contra a imoralidade e o desrespeito com dinheiro do pagador de impostos", acrescentou.

Membro do MBL, o deputado estadual Arthur do Val, o Mamãe Falei (sem partido), afirmou que agora os servidores terão que devolver o que chamou de "auxílio-peru".

A organização Transparência Brasil, que acompanha gastos de órgãos públicos e criticou a liberação do benefício, considerou positivo o cancelamento.

"A Casa precisa agora apresentar, de forma transparente, tanto para os servidores, quanto para a população, qual será o plano de remuneração e auxílios para os próximos anos", disse Manoel Galdino, diretor-executivo da organização.

Para Galdino, a liberação deve ser feita com base em avaliação de desempenho. "Para que evitemos problemas similares no futuro, bem como a entrada desse recurso de outra forma, sem controle social."

O presidente da Assembleia, Cauê Macris (PSDB), não se manifestou publicamente sobre o impasse. Segundo relatos, ele tem evitado se indispor publicamente com o Judiciário, em meio à crise entre os dois Poderes.

A sequência de intervenções no Legislativo estadual foi lida como uma interferência indevida, que abriu precedente para que outros atos possam ser contestados judicialmente.

No caso da reforma da Previdência, a suspensão da tramitação do projeto foi decidida inicialmente pelo TJ-SP e confirmada seis dias depois pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

A ação foi impetrada pelo deputado estadual Emidio de Souza (PT-SP), que é crítico à alteração no modelo de aposentadorias e faz oposição ao governo João Doria (PSDB).

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, rejeitou na quinta-feira (12) um pedido de liminar protocolado pelo Legislativo, que contestava a decisão estadual.

Toffoli intimou o tribunal paulista e Emidio a prestarem informações em um prazo de cinco dias. Até esta terça-feira (17), a situação continuava indefinida.

A análise do texto pelos deputados foi invalidada pelo desembargador do TJ-SP Alex Zilenovski sob o argumento de que a designação do relator do projeto descumpriu ritos internos.

Cauê disse em nota ter recebido a decisão "com perplexidade" e afirmou que o desembargador havia decidido "a respeito de um tema exclusivo de competência do Poder Legislativo, previsto em regimento interno".

A Casa apresentou recurso no âmbito estadual, mas Zilenovski manteve a liminar por mais 15 dias. Contrariada, a Assembleia recorreu então ao presidente do STF.

Com o imbróglio, a aprovação da Previdência ainda neste ano, como pretendia Doria, ficou ameaçada.

Como mostrou o Painel, líderes da oposição e até membros da base do governo já admitem que a votação das mudanças no sistema estadual de aposentadorias deve ficar para 2020.

O novo calendário criaria dificuldades extras para o tucano: favoreceria a organização de protestos das entidades de classe e poderia ser prejudicado pela proximidade das eleições municipais.

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