Doria busca se contrapor a Bolsonaro na relação com a imprensa, mas ainda derrapa

Tucano tenta se diferenciar do presidente e prega respeito a jornalismo; notícias negativas, porém, já provocaram ataques

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São Paulo

Possível adversário de Jair Bolsonaro em 2022, João Doria (PSDB) adotou no Governo de São Paulo um estilo que se contrapõe ao do presidente no contato com a imprensa.

De modo geral, Doria —que se define como jornalista e foi apresentador de TV antes de virar político—  busca manter relação cordial com repórteres, exibe discurso de respeito ao jornalismo e procura se mostrar como alternativa eleitoral ao radicalismo. 

Apesar da tentativa de se diferenciar do comportamento raivoso de Bolsonaro, a quem apoiou no segundo turno das eleições de 2018, o tucano também já deu derrapadas na área —ao demonstrar irritação com reportagens negativas, por exemplo.

Os constantes ataques de Bolsonaro à imprensa tiveram seu último capítulo na segunda-feira (6), quando o presidente disse que os jornalistas brasileiros são uma "raça em extinção".

Na entrada do Palácio do Alvorada, ele disse que a leitura diária de jornais envenena e desinforma. 

"Quem não lê jornal não está informado. E quem lê está desinformado. Tem de mudar isso. Vocês são uma espécie em extinção. Eu acho que vou botar os jornalistas do Brasil vinculados ao Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente]. Vocês são uma raça em extinção", afirmou.

A exemplo do presidente, Doria mantém páginas em redes sociais, que o ajudaram a impulsionar suas campanhas eleitorais de 2016 e 2018, mas não substituiu a comunicação oficial de governo pelos perfis.

Na contramão de Bolsonaro, que enfraqueceu a comunicação institucional da Presidência da República, o tucano procurou dar protagonismo à área no Palácio dos Bandeirantes.

Parte das rotinas no setor já havia sido testada por ele no período de 15 meses em que foi prefeito da capital paulista.

Após a chegada de Doria ao governo, o Palácio ganhou um auditório para as sessões de perguntas e respostas, com estrutura apropriada e isolamento acústico. As entrevistas se dão com horários definidos e assuntos pré-determinados.

A equipe da ​Secom (Secretaria Especial de Comunicação) cadastra previamente os jornalistas e abre inscrições para quem quer perguntar (mas o número de indagações é limitado, e réplicas são desestimuladas).

Doria dá atenção especial aos "profissionais de imagem" (cinegrafistas e fotógrafos). Muitas vezes, ele busca se certificar se as condições para a captação da cena estão adequadas.

O governador, que comandou programas de entrevistas na Band e esteve à frente do reality show da Record "O Aprendiz", revive nessas situações seus anos de apresentador. Checa plaquinhas de identificação sobre a mesa, cronometra falas e determina qual auxiliar deve responder a cada questão específica.

Outra mudança física no Bandeirantes foi a instalação de um comitê de imprensa que abriga estúdios de TV e de rádio, que podem ser usados pelas emissoras e também pelo governo e suas secretarias, para agilizar a captação e edição de entrevistas.

Por meio da Lei de Acesso à Informação, o governo respondeu à reportagem que a reforma na área da Secretaria de Comunicação custou R$ 324 mil. O contrato teve o objetivo de "prestação de serviços de confecção e instalação de mobiliários e painéis". 

Para o público externo, Doria também buscou soar menos refratário do que Bolsonaro à cobertura jornalística sobre o poder.

Em setembro, o governador publicou um artigo na Folha contra tentativas de censura e intimidação. "Defender a liberdade de imprensa significa defender o direito à crítica —e estar preparado para ouvi-la", escreveu.

Naqueles dias, Bolsonaro subira o tom nos ataques à mídia. Chamou parte da grande imprensa de "nossa inimiga" e exortou seus apoiadores a segui-lo: "Se acreditarmos nela, será o fim de todos".

Segundo levantamento da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), o presidente fez um ataque à imprensa a cada três dias de 2019.

Apesar de tentar se afastar da porção mais extremista do bolsonarismo, Doria já se aproximou da retórica presidencial na reação a reportagens negativas. 

Em maio, o governador contestou uma notícia da Folha, chamando de falsa a manchete "Doria retoma prática de governos do PT e anuncia política industrial em SP". "Nada temos com a ver com governo paternalista, nem com a manchete falsa que não representa o interesse de São Paulo", afirmou.

Quando ainda era prefeito, Doria foi às redes sociais desqualificar uma reportagem da Folha sobre doações privadas à administração municipal e marcou na postagem o perfil pessoal do autor do texto.

Depois que ele ofereceu caminho para que seus seguidores atacassem diretamente o profissional, a prefeitura disse que ocorreu um erro —e a marcação foi retirada uma hora mais tarde.

Na época, quatro entidades representativas da imprensa repudiaram o confronto aberto do então prefeito contra jornalistas, citando esse caso e um ataque dele à rádio CBN.

Meses depois, tornou-se pública a diretriz da prefeitura de dificultar o acesso de jornalistas a dados públicos, criando obstáculos para o atendimento de pedidos via LAI (Lei de Acesso à Informação).

Aliados do governador alegam que, por mais que já tenha se equivocado, ele compreende o papel da imprensa porque já trabalhou em veículos de comunicação. Como apresentador, Doria acumulou experiência em entrevistas com personalidades dos universos empresarial, social, artístico e político.

A Secom é chefiada pelo jornalista Cleber Mata, que foi um dos principais assessores de Geraldo Alckmin (PSDB) e tem 14 anos de experiência no governo paulista. "Sem fazer juízo de A ou de B, nós respeitamos o contraponto", diz o secretário.

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