Beligerância do Planalto e crise nos estados acendem alerta nos outros Poderes

Apesar de envio das Forças Armadas ao CE, Bolsonaro e filhos criticam senador baleado e tratam ação policial como legítima defesa

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Brasília

A beligerância do Palácio do Planalto e a crise nos estados na área de segurança pública preocupam governadores, Judiciário e Congresso. O alerta nos Poderes foi reforçado diante do motim de policiais militares no Ceará, que resultou em um senador da República atingido a tiros na tarde de quarta-feira (19).

Motim por reajuste salarial e sinais de um movimento se espraiando pelo país são lidos por parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal, deputados, senadores e governadores como reflexo do estilo agressivo de Jair Bolsonaro.

Declarações do presidente e de ministros do governo federal em provocação aos Poderes são vistas como gestos que potencializam as manifestações, além de elevar a polarização na população.

O presidente Jair Bolsonaro - Adriano Machado/Reuters

O motim de PMs no Ceará quase ganhou contornos trágicos na quarta-feira, quando Cid Gomes (PDT-CE), senador licenciado, foi baleado após investir com uma retroescavadeira sobre um grupo de policiais amotinados. Ele levou dois tiros, está internado, mas não corre risco de morte.

Ministros do STF e congressistas ouvidos pela reportagem não justificam a ação de Cid, considerada excessivamente agressiva, mas avaliam que a reação dos PMs, de disparar contra um senador, advém da sensação de que eles têm respaldo de políticas adotadas pelo governo federal.

Embora tenha autorizado a ida das Forças Armadas ao Ceará, Bolsonaro criticou indiretamente o senador licenciado, durante transmissão ao vivo nesta quinta-feira (20) nas redes sociais.

"Aquele cara lá, não fala o nome dele, não, que subiu no trator e foi empurrar o portão lá com crianças, com mulheres, ele agiu corretamente ou não? Não fala o nome dele, não", disse, em referência a Cid.

Em dobradinha com Bolsonaro, o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, respondeu: "Evidente que não, né, presidente? Aí, é uma irresponsabilidade, um desequilíbrio, um ato que colocou em risco a vida de muitas pessoas."

Filhos de Bolsonaro, o senador Flávio (sem partido-RJ) e o deputado Eduardo (PSL-SP), condenaram a ação de Cid. Eles saíram em defesa dos policiais, que teriam agido em legítima defesa. 

Apesar dos comentários do clã Bolsonaro, o presidente atendeu aos pedidos do governador Camilo Santana (PT) —primeiro, ao ceder apoio da Força Nacional de Segurança e, depois, das Forças Armadas.
Greves de PMs são proibidas no Brasil pela Constituição. Neste ano, já houve pressão por aumentos em Minas Gerais e há ainda pressão no Espírito Santo, por exemplo.

Desde que assumiu o governo, Bolsonaro acena para os agentes de segurança —parte de sua base eleitoral.

O presidente sempre foi defensor da ampliação do excludente de ilicitude, que isenta agentes de crimes cometidos em determinadas situações, como em legítima defesa. Voltou a advogar pela mudança nesta quinta.

Ministros e congressistas avaliam que, com propostas como essa, Bolsonaro instiga comportamentos violentos.

Um integrante do STF afirma que a provocação de Bolsonaro aos governadores sobre o preço dos combustíveis, há duas semanas, quando eles foram desafiados a baixar a alíquota do ICMS, não passou de uma bravata que serviu para insuflar a tensão.

Depois desse episódio, o presidente criticou a atuação da PM da Bahia pela morte do miliciano Adriano da Nóbrega, ligado ao senador Flávio Bolsonaro. Morto no dia 9, ele era acusado de chefiar a principal milícia do Rio.

Também são apontadas para afetar as relações: 1) a crítica de Paulo Guedes (Economia) sobre servidores públicos (comparados por ele a parasitas) e sobre empregadas domésticas (que estariam indo para a Disney devido ao preço do dólar, segundo ele); 2) e a do general Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que acusou o Congresso de chantagear o Planalto.

Há, ao redor de Bolsonaro, além do próprio general Heleno, outros aliados da chamada ala ideológica que o encorajam a instigar a população a sair às ruas contra medidas do Congresso e do Supremo.

No Supremo, a avaliação é de que o presidente não pode agir como instigador de violências e precisa refletir sobre suas responsabilidades.

A expectativa tanto no STF quanto no Congresso é que o Carnaval sirva para dar uma pausa e acalmar os ânimos.

"O clima de polarização que o país está vivendo, a falta de diálogo e a postura de alguns membros do governo contaminam os ânimos da população", afirma o presidente do Republicanos, deputado federal Marcos Pereira (SP). 

O líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), adota postura semelhante. 

"O expediente político de enfrentamento entre os governadores do Nordeste e o governo federal acaba refletindo no fato de as polícias nos estados terem um alinhamento de oposição aos governos e tensiona a relação deles com os governantes", afirma.

Os principais focos de insatisfação e onde há riscos de paralisação de policiais, segundo associações que monitoram o movimento, estão na Bahia, na Paraíba e no Ceará. 

Nesses estados, o fato de os governadores serem de oposição a Bolsonaro é considerado fagulhas a mais. Policiais julgam que seus vencimentos estão defasados por não terem aumento há anos e resistem a aceitar as propostas dos estados.

Com receio de protesto generalizado, governadores do Nordeste convocaram reuniões com integrantes das polícias nesta quinta. Mesmo onde não há manifestações explícitas, foram identificados sinais de início de rebeliões.

"Todo mundo tem uma preocupação de eclodir movimentos de paralisação de algumas Polícias Militares do Brasil", afirmou o senador Major Olímpio (PSL-SP).

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, afirmou que o motim dos policiais no Ceará "podia ter sido um morticínio gigantesco". "É ilegal, tem de ter consequências tanto na Justiça comum quanto na Justiça criminal", disse.

O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a situação no Ceará é preocupante. 

"Acho que uma greve de policiais, se não for controlada, é grave sinal de anomia. É um perigo para as instituições. Nenhuma corporação armada pode fazer greve", disse. "É constitucionalmente vedado que elas façam greve."

Colaboraram Daniel Carvalho e Gustavo Uribe

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