Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Bolsonaro acusa Moro de negociar vaga no STF e admite interesse pessoal em ações da PF

Ex-juiz nega acusação e diz que presidente queria mexer na Polícia Federal para ter acesso a relatórios de inteligência

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Brasília

Ladeado por ministros e aliados do governo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) acusou o ex-ministro da Justiça Sergio Moro de negociar uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) e admitiu interesses pessoais em ações da Polícia Federal.

Bolsonaro afirmou que Moro pediu a ele para que a troca do comando da PF ocorresse em novembro, depois de o ex-juiz ser indicado a uma vaga no STF. "É desmoralizante para um presidente ouvir isso", afirmou Bolsonaro durante pronunciamento na tarde desta sexta-feira (24).

Pelo critério de aposentadoria compulsória aos 75 anos dos ministros do Supremo, as próximas vagas serão as de Celso de Mello, em novembro deste ano, e Marco Aurélio Mello, em julho de 2021.

Minutos após o pronunciamento do presidente, Moro negou a acusação de Bolsonaro. "A permanência do Diretor Geral da PF, Maurício Valeixo, nunca foi utilizada como moeda de troca para minha nomeação para o STF. Aliás, se fosse esse o meu objetivo, teria concordado ontem com a substituição do Diretor Geral da PF", escreveu Moro em rede social.​

Em outra mensagem, Moro afirmou: "De fato, o Diretor da PF Maurício Valeixo estava cansado de ser assediado desde agosto do ano passado pelo Presidente para ser substituído. Mas, ontem, não houve qualquer pedido de demissão, nem o decreto de exoneração passou por mim ou me foi informado".

O presidente disse não ter que pedir autorização para trocar um diretor da PF. "Não tenho que pedir autorização para trocar um diretor ou qualquer outro que esteja na pirâmide hierárquica do Executivo."

"Desculpe senhor ministro, mas o senhor não vai me chamar de mentiroso", afirmou Bolsonaro, que não explicou a assinatura de Moro no ato de exoneração do diretor-geral da PF. Após o pronunciamento de Bolsonaro, o Planalto admitiu o erro e republicou, em edição extra do Diário Oficial, a demissão de Valeixo sem a assinatura eletrônica de Moro.

O presidente Bolsonaro durante pronunciamento nesta sexta (24) no qual rebate o ex-ministro da Justiça Sergio Moro
O presidente Bolsonaro durante pronunciamento nesta sexta (24) no qual rebate o ex-ministro da Justiça Sergio Moro - Evaristo Sá/AFP

Ainda sobre hierarquia, Bolsonaro disse que "o dia em que eu tiver que me submeter a um subordinado, deixo de ser presidente da República".

Bolsonaro admitiu ter cobrado Moro pela investigação sobre a facada que o presidente, então candidato, sofreu em setembro de 2018, durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). Ao lembrar do atentado, disse que o ex-juiz da Lava Jato não esteve com ele na campanha eleitoral e que não sabe em quem Moro votou no primeiro turno.

O presidente afirmou que "nunca pedi pra ele [Moro] o andamento de qualquer processo" e que a "inteligência com ele [Moro] perdeu espaço na Justiça". E que pedia sim relatórios atualizados. "[Pedia] quase que implorando informações." E completou: "Eu sempre abri o coração pra ele, e duvido se alguma vez se ele abriu pra mim."

Para Bolsonaro, Moro se preocupou mais com o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco do que com Adélio Bispo, autor do atentado a faca.

O presidente disse ter procurado a Polícia Federal quando surgiu a notícia de que um filho do presidente namorara uma filha do policial reformado Ronnie Lessa, preso em março de 2019 sob suspeita de matar Marielle. Bolsonaro relatou que, à época, chamou seu "filho 04", Jair Renan, 22, e disse para ele: "Abre o jogo".

No pronunciamento, Bolsonaro declarou ter ouvido do filho que ele havia saído "com metade do condomínio". Para o mandatário, a intenção da polícia era mostrar que ele tinha relações familiares com Lessa. Foi então que o presidente interferiu no trabalho da PF.

"E aí eu fiz um pedido para a Polícia Federal, quase com um 'por favor': chegue em Mossoró e interrogue o ex-sargento. Foram lá, a PF fez o seu trabalho, interrogou e está comigo a cópia do interrogatório, onde ele diz simplesmente o seguinte: a minha filha nunca namorou o filho do presidente Jair Bolsonaro, a minha filha sempre morou nos Estados Unidos", relatou Bolsonaro.

"Mas eu é que tenho que correr atrás disso? Ou é o ministro? Não é a Polícia Federal que tem que se interessar? Não é para me blindar porque eu não estou em busca de um crime", disse o presidente.​

Bolsonaro declarou ainda que Moro, como juiz da Lava Jato, era "um ídolo". Para ele, Moro tem o compromisso com o seu ego. Relembrou do episódio do aeroporto, em 2017, quando o então juiz não lhe deu atenção no aeroporto de Brasília.

O presidente ressaltou que confiava em Moro e que nunca esteve contra a Operação Lava Jato. E reforçou que as nomeações de seu governo não são feitas de forma partidária.

"Colocamos um ponto final nisso, poderosos se levantaram contra mim. Estou lutando contra o sistema. Coisas que aconteciam no Brasil não acontecem mais", disse o presidente, que completou ser isso sinal de sua coragem de ter montado um time de ministros técnicos. "Eu tenho o Brasil a zelar."

Bolsonaro disse que "autonomia não é sinal de soberania" e que, como presidente, tem "poder de vetos em cargos-chave".

​Sobre o ex-juiz da Lava Jato, o presidente afirmou: "Uma coisa é ter a imagem de uma pessoa, outra é conviver com ela".

A imprensa voltou a ser alvo de críticas de Bolsonaro, que no pronunciamento citou reportagens sobre a avó e a mãe da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

"Descobriram, e eu nem sabia, que a avó da minha esposa já foi presa por três anos por tráfico de drogas. Confesso que não sabia. E, se soubesse, teria casado com a senhora Michellle assim mesmo", disse o presidente.

"Fiquei sabendo através de vocês também que a mãe da senhora Michelle cometeu o crime de falsidade ideológica. Na sua inocência, em vez de fazer uma cirurgia plástica para ficar mais jovem, mais bonita, ela resolveu fazer cirurgia na certidão de nascimento, diminuindo dez anos a sua idade. Este foi o crime dela. Se coloca em público isso daí para escrotizar, para dizer que ela não tem caráter", afirmou.

Ao anunciar sua demissão do Ministério da Justiça na manhã desta sexta-feira, Moro apontou fraude no Diário Oficial da União no ato de demissão de Maurício Valeixo do comando da Polícia Federal e criticou a insistência de Bolsonaro para a troca do comando do órgão, sem apresentar causas aceitáveis.

Moro afirmou que Bolsonaro queria ter acesso a informações e relatórios confidenciais de inteligência da PF. "Não tenho condições de persistir aqui, sem condições de trabalho." E disse que "sempre estará à disposição do país". A demissão de Moro foi antecipada pela Folha nesta quinta-feira (23).

O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou à Folha que a saída de Moro é uma perda para o governo. "O Moro é um cara muito bom e excepcional. Eu acho que ele vinha fazendo um bom trabalho. Mas relação é relação, né", disse. "Não é bom, mas vida que segue."

A ala militar do governo se sentiu traída e discute se segue dando apoio ao governo depois do desembarque do ex-juiz da Lava Jato.

Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) enxergaram crimes de Bolsonaro na fala de Moro, conforme noticiou a coluna Mônica Bergamo.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) chegou a pedir a renúncia de Bolsonaro. Parlamentares, um ministro do STF e entidades também criticaram a saída de Moro.

Em seu discurso pela manhã, Moro destacou a autonomia da PF nas gestões do PT, mesmo com "inúmeros defeitos" e envolvimentos em casos de corrupção. Relembrou ainda promessa de "carta branca" recebida pelo então presidente eleito Bolsonaro, em 2018, para nomear todos os assessores, inclusive na Polícia Federal.

Conforme a Folha revelou, Moro já havia pedido demissão a Bolsonaro na manhã desta quinta-feira (23), quando foi informado pelo presidente da decisão de demitir Valeixo. O ministro avisou o presidente ali que não ficaria no governo com a saída do diretor-geral, escolhido por Moro para comandar a PF.

A exoneração foi publicada como "a pedido" de Valeixo no Diário Oficial desta sexta-feira, com as assinaturas eletrônicas de Bolsonaro e Moro. Como também mostrou a Folha, porém, o ministro não assinou a medida formalmente nem foi avisado oficialmente pelo Palácio do Planalto de sua publicação.

O nome de Moro foi incluído no ato de exoneração pelo fato de o diretor da PF ser subordinado a ele. É uma formalidade do Planalto.

"Fiquei sabendo pelo Diário Oficial, não assinei esse decreto", disse o ministro. O agora ex-ministro disse que isso foi algo "ofensivo" e que "foi surpreendido". "Esse último ato foi uma sinalização de que o presidente me quer fora do cargo."

Moro topou largar a carreira de juiz federal, que lhe deu fama de herói pela condução da Lava Jato, para virar ministro. Ele disse ter aceitado o convite de Bolsonaro, entre outras coisas, por estar "cansado de tomar bola nas costas".

Tomou posse com o discurso de que teria total autonomia e com status de superministro. Desde que assumiu, porém, acumulou uma série de recuos e derrotas.

Moro se firmou como o ministro mais popular do governo Bolsonaro, com aprovação superior à do próprio presidente, segundo o Datafolha.

Pesquisa realizada no início de dezembro de 2019 mostrou que 53% da população avaliava como ótima/boa a gestão do ex-juiz no Ministério da Justiça. Outros 23% a consideravam regular, e 21% ruim/péssima. Bolsonaro tinha números mais modestos, com 30% de ótimo/bom, 32% de regular e 36% de ruim/péssimo.

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