Descrição de chapéu

Bolsonaro morde e assopra na relação com seu esteio fardado

Presidente tem tentado contornar incômodos com uma série de agrados aos militares

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São Paulo

Virou lugar comum dizer que Jair Bolsonaro precisa do meio militar de onde se originou para continuar exercendo sua cada vez mais contestada autoridade.

O problema para o presidente é que não há uma ordem unida no mundo fardado acerca de seu governo, e sim uma miríade de opiniões que por vezes se chocam.

Assim, as últimas semanas têm sido de grande fricção entre as placas tectônicas que compõem esse planeta à parte. Bolsonaro tem tentado contornar incômodos com uma série de agrados aos militares.

No dia 2, o tema da substituição do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, foi ventilado.

A revelação da cogitação do presidente, feita pela Folha no dia seguinte, gerou um curto-circuito na ativa.

Isso porque a mudança seria altamente inusual, e também porque o candidato especulado para a vaga de Pujol era o general Luiz Eduardo Ramos, amigo do presidente e secretário de Governo no Palácio do Planalto.

Ramos tratou de negar a possibilidade, mas a desconfiança pautou conversas durante a semana passada.

O presidente Jair Bolsonaro e general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo
O presidente Jair Bolsonaro e general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo - André Coelho - 16.jan.20/Folhapress

A insatisfação de Bolsonaro com Pujol é notória. O presidente insiste em minimizar a Covid-19, cujo combate é chamado de maior missão de sua geração pelo general.

Quando seu aperto de mão a Pujol em evento ocorrido em Porto Alegre na sexta retrasada (1º) foi retribuído com um cotovelo precavido, o mal-estar mútuo foi simbolizado.

Para complicar, os rumores de troca ocorreram no fim de semana em que Bolsonaro participou de mais um ato golpista, devido à sua contrariedade com decisões do Supremo Tribunal Federal. E disse que as Forças Armadas estavam a seu lado.

Isso obrigou pela segunda vez em um mês a edição de uma nota afirmando que os militares cumprem a Constituição, pelo ministro da Defesa, general Fernando Azevedo.

A tensão atinge de formas diferentes as Forças Armadas num governo identificado com elas.

A Força Aérea se mantém mais afastada, e a antes distante Marinha ganhou assento no começo do ano no Planalto.

A ala militar havia passado 2019 em declínio de influência, eclipsada pelo setor bolsonarista ideológico, liderado pelos filhos presidenciais.

Começou a se recuperar aos poucos e, a partir da chegada do general Walter Braga Netto à Casa Civil, voltou ao protagonismo anterior.

Com o isolamento de Bolsonaro na crise tríplice em que está enredado, política, econômica e sanitária, a ala passou a ser esteio do governo.

O presidente reagiu e, apesar da retórica agressiva, uniu-se ao antes demonizado centrão na Câmara para ter seguro contra um eventual processo de impeachment.

De sua parte, Bolsonaro morde, mas também assopra. Vem fazendo uma série de agrados aos fardados.

Turbinou gastos e evitou cortes de programas militares em contingenciamento do Orçamento ao longo do ano passado, além de garantir R$ 7,6 bilhões à Marinha na forma da capitalização de uma empresa de projetos navais.

Com o acirramento da pandemia da Covid-19 e a troca de Luiz Henrique Mandetta por Nelson Teich no Ministério da Saúde, a pasta passou por uma intervenção militar branca.

O número 2 do órgão, general Eduardo Pazuello, é visto como o ministro de fato, e cinco ocupantes de cargos de coordenação na cúpula da Saúde foram trocados por militares nesta semana.

Para se ter ideia da importância do combate à doença entre fardados, os esforços coordenados por Azevedo envolvem quase 30 mil militares.

É a maior mobilização desde a Segunda Guerra Mundial, quando 25 mil brasileiros participaram do conflito.

Como a Folha mostrou, durante a barganha para obter apoio do centrão, o presidente assegurou aos militares cargos em escalões secundários de ministérios.

Foi uma reação. A adesão ao fisiologismo tem sido malvista principalmente na ativa, que já tinha desgostado da explosiva demissão do ministro Sergio Moro (Justiça).

Bolsonaro também subordinou nesta semana as ações do Ibama contra desmatamento na Amazônia ao Exército.

Por fim, em 27 de abril foi criada uma Comissão Permanente de Remuneração dos Militares pelo Ministério da Defesa, que tratará de organizar pleitos salariais de forma sistemática, uma antiga demanda das Forças.

Por outro lado, ainda não foi digerida a suspensão de portarias do Exército que regulavam o controle de armas e munições.

Para oficiais ouvidos, a dinâmica errática mostra o tamanho da fatura que os militares estão a pagar por sua associação com Bolsonaro.

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