Cúpula do Congresso busca contornar crise após Bolsonaro subir tom de ameaças ao Supremo

Presidente atacou investigação e disparou queixas contra corte; filho citou golpe de 1964 e falou em ruptura

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Brasília e São Paulo

Um dia após uma operação policial ordenada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ter atingido empresários, políticos e ativistas bolsonaristas, o presidente da República atacou a investigação e disparou queixas contra a corte, elevando as ameaças de se insubordinar contra decisões judiciais.

“Não teremos outro dia como ontem, chega”, disse Jair Bolsonaro na saída do Palácio da Alvorada, nesta quinta-feira (28), em declaração transmitida pela rede CNN Brasil. “Querem tirar a mídia que eu tenho a meu favor sob o argumento mentiroso de fake news”, acrescentou.

Em outro trecho, Bolsonaro afirmou ter em mãos as “armas da democracia”. E disse que "ordens absurdas não se cumprem" e que "temos que botar limites".

No Congresso, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), procuram colocar panos quentes, buscando atenuar a situação.

Na quarta (27), a Polícia Federal cumpriu 29 mandados de busca e apreensão contra empresários e apoiadores de Bolsonaro, como o empresário Luciano Hang e o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB).

​Às declarações do presidente somaram-se manifestações de cunho golpista de um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ​segundo quem será natural se a população recorrer às Forças Armadas caso esteja insatisfeita com o desempenho do Congresso e do STF.

"E vou me valer de novo das palavras de Ives Gandra Martins: o poder moderador para reestabelecer a harmonia entre os Poderes não é o STF, são as Forças Armadas", disse Eduardo, em entrevista à Rádio Bandeirantes.

"Eles [Forças Armadas] vêm, põem um pano quente, zeram o jogo e, depois, volta o jogo democrático. É simplesmente isso", acrescentou, usando como exemplo o golpe de 1964, que resultou numa ditadura militar de 21 anos.

Na noite anterior, o parlamentar disse que não é mais uma questão de saber se haverá ruptura institucional, mas quando haverá. Durante a tarde anunciou uma live do advogado e professor Ives Gandra Martins sobre o artigo 142 da Constituição.

O citado artigo da carta —promulgada em 1988, após o período de ditadura— fala sobre os direitos, deveres e a organização das Forças Armadas. Nele, fica esclarecido que elas são subordinadas ao presidente, com competência da garantia dos poderes constitucionais.

Bolsonaristas defendem há muito tempo uma interpretação distorcida do artigo que, na visão deles, permitiria "uma intervenção militar constitucional".

A publicação em redes sociais contrastou com afirmações feitas mais cedo pelo presidente, em sentido contrário a um golpe militar —o vaivém de posições é uma característica recorrente de Bolsonaro em momentos de crise.

"Em nenhum momento eu falei que as Forças Armadas estão com o presidente da República. Sempre disse que elas estão com o povo, com a democracia, com a lei e a ordem."

"Não vão fazer com que eu transgrida, que eu me transforme num pseudoditador da direita. Isso não existe. Irei às últimas consequências contra qualquer um do meu meio que porventura pense dessa maneira", disse, na saída do Alvorada.

A escalada na retórica autoritária da família Bolsonaro levou a reações distintas no mundo político.

Nos bastidores, a maioria dos ministros do STF defende a manutenção do inquérito de fake news, conduzido por Alexandre de Moraes.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado ao cargo por Bolsonaro, pediu a suspensão do inquérito. Na noite desta quinta, o presidente acenou ao PGR dizendo que ele é nome forte para indicação a uma eventual terceira vaga no Supremo.

“Acredito que os militares têm responsabilidade, sabem o seu papel, sabem que o seu papel não é o papel que muitas vezes é defendido pelo deputado Eduardo Bolsonaro”, afirmou Rodrigo Maia.

Afirmando a aliados temer o que chamou de "crise sem precedentes​", Alcolumbre foi ao Palácio do Planalto em uma tentativa de pacificar os ânimos.

Sem agenda pública nesta tarde, o gabinete de Bolsonaro, no terceiro andar do Planalto, estava cheio de militares e civis, como os ministros Paulo Guedes (Economia), André Mendonça (Justiça), José Levi (AGU) e Fernando Azevedo e Silva (Defesa), além do deputado Helio Lopes (PSL-RJ), aliado de primeira hora do presidente. O clima, segundo relatos, era de tensão.

As queixas do Planalto se voltam principalmente a Moraes e a Celso de Mello, que está cuidando do inquérito que trata das acusações de Sergio Moro de interferência política na PF.

Além de manifestar indignação com a operação policial ordenada pelo STF, Bolsonaro está irritado com a possibilidade de prisão de seu ministro da Educação, Abraham Weintraub, caso ele se recuse a cumprir determinação do Supremo de prestar depoimento.

Em vez da Advocacia-Geral da União, como seria natural, foi o ministro da Justiça, André Mendonça, quem ingressou com um pedido de habeas corpus para Weintraub a fim de "garantir liberdade de expressão dos cidadãos".

A ideia foi passar um recado político ao STF da importância que o governo dá ao tema. Bolsonaro chegou a cogitar ordenar que todos os seus ministros assinassem o pedido de habeas corpus em favor do ministro da Educação.

Em reunião ministerial em 22 de abril, Weintraub chegou a sugerir prisão de "vagabundos, a começar pelo STF".

Líderes partidários no Senado criticaram o que consideram como uma posição extremamente leniente de Alcolumbre.

“O presidente tem feito declarações extremamente preocupantes, e não apenas ele, mas os seus familiares, mais precisamente seus filhos. O que nós temos hoje é uma escalada clara de que há um desejo por parte deste governo de ameaçar a democracia e até estabelecer um golpe no nosso país”, disse a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).

Para o líder da Rede, Randolfe Rodrigues (AP), Alcolumbre precisa ter uma posição que vá além de pedir pacificação. “Em algum momento, tem que ser dito para o senhor presidente da República que ele não pode avançar mais.”

Mais cedo, Alcolumbre chegou a narrar para os colegas senadores a conversa como presidente da República, onde o senador afirmou que levou uma mensagem de “calma e serenidade”.

“Foi uma conversa boa, muito franca, diante de tudo que viemos nos últimos dias desde a publicação do vídeo, e a gente vai tratar com serenidade, e vamos pedir calma, e quando chegar outro momento, lá na frente que superarmos a maior dificuldade do brasil cada um pega a bandeira do seu partido e a gente vai para o embate depois que a gente salvar os brasileiros e as empresas”, disse ele aos senadores, na reunião acompanhada pela Folha.

Apesar do diálogo, o líder do MDB na Casa, Eduardo Braga (AM), afirmou que é preciso que haja firmeza do lado do Congresso para que seja feita a defesa da democracia.

“Quero dizer ao presidente Alcolumbre que concordo com a firmeza na defesa da democracia e, ao mesmo tempo, com a serenidade e a sensatez que o momento exige. Acho que todos nós precisamos entender que, no meio desta pandemia, quando o Brasil chora a perda de compatriotas, e muitos ainda correm risco de vida, nós devemos ter muita firmeza em defesa da democracia, muita sensatez e muita serenidade.”

Já o líder do PSD, Otto Alencar (BA), cobrou que o Congresso faça uma manifestação contra as agressões.

“É importante, agora, que se dê uma posição. É super importante isso. Eu queria colocar que a posição do nosso partido –já conversada com os nossos senadores– vai ser equilíbrio neste momento, para ver se o Brasil encontra um passo nesse descompasso que estamos vivendo.”

Álvaro Dias (Podemos-PR), líder da legenda, defendeu que seja colocado um limite ao presidente da República.

“É preciso que se estabeleça um prazo. Nós não podemos ficar indefinidamente pedindo o entendimento. Nós estamos dispostos, obviamente, a nos desarmar –e essa tem sido uma manifestação recorrente aqui no Congresso Nacional–, mas é preciso que entendam que há um limite para as agressões reiteradas às instituições democráticas.”

Bolsonaro já vinha irritado com o STF por causa da decisão do decano Celso de Mello de tornar público o vídeo da reunião ministerial realizada em abril e com o fato de o ministro ter, como medida de praxe, encaminhado à PGR pedidos de partidos e parlamentares de oposição para que o celular de Bolsonaro fosse apreendido.

Na ocasião, o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, divulgou uma nota dizendo que uma eventual medida nesse sentido poderá ter "consequências imprevisíveis". Nesta quinta, Heleno negou que o conteúdo do texto seja alguma sinalização em direção ao autoritarismo.

Colaborou UOL

QUE PONTOS DO INQUÉRITO ESTÃO SENDO QUESTIONADOS?

Ato de ofício
Toffoli abriu o inquérito sem provocação de outro órgão, o que é incomum. Segundo o STF, porém, há um precedente: uma investigação aberta de ofício pela Segunda Turma da corte no ano passado para apurar o uso de algemas na transferência de Sérgio Cabral (MDB-RJ).

Competência
A investigação foi instaurada pelo próprio Supremo, quando, segundo críticos, deveria ter sido encaminhada para o Ministério Público. O argumento é que o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga, pois isso pode comprometer sua imparcialidade.

Relatoria
O presidente da corte designou o ministro Alexandre de Moraes para presidir o inquérito, sem fazer sorteio ou ouvir os colegas em plenário. Assim, Moraes é quem determina as diligências investigativas.

Foro
O que determina o foro perante o STF é quem cometeu o delito, e não quem foi a vítima. Para críticos, a investigação não deve correr no Supremo se não tiver como alvo pessoas com foro especial. Moraes disse que, localizados os suspeitos, os casos serão remetidos às instâncias responsáveis por julgá-los.

Regimento
Toffoli usou o artigo 43 do regimento interno do STF como base para abrir a apuração. O artigo diz que, “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito”. Críticos dizem que os ataques pela internet não ocorrem na sede do Supremo, mas Toffoli deu uma interpretação ao texto de que os ministros representam o próprio tribunal.

Liberdade de expressão
Moraes pediu o bloqueio de redes sociais de sete pessoas consideradas "suspeitas de atacar o STF". A decisão foi criticada por ferir o direito à liberdade de expressão. O mesmo pode ser dito sobre a censura, depois derrubada, aos sites da revista Crusoé e O Antagonista.​

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