Líderes católicos não podem escolher caminhos fáceis e sedutores, diz presidente da CNBB

Arcebispo criticou aceno de ala da igreja ao governo e chamou de inadequadas falas de Bolsonaro sobre mortos pela Covid-19

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São Paulo

O presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), dom Walmor Oliveira de Azevedo, 66, criticou o aceno feito por integrantes da ala conservadora da Igreja e representantes de TVs católicas ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

O jornal O Estado de S. Paulo revelou que um grupo ligado a emissoras de programação cristã propôs ao Palácio do Planalto, em maio, oferecer apoio e divulgação positiva em troca de anúncios estatais.

A CNBB, principal entidade representativa da Igreja Católica no Brasil, emitiu nota de repúdio em que se disse indignada com a iniciativa.

À Folha o dirigente ressaltou o papel das TVs na difusão do catolicismo e reconheceu a existência de dificuldades financeiras, mas afirmou que a instituição precisa combater o "cristianismo torto" e evitar partidarismos.

"Há certos caminhos fáceis, sedutores, que até conquistam adesões, mas incoerentes com os ensinamentos de Jesus", disse dom Walmor, via email.

Arcebispo de Belo Horizonte, ele afirmou ainda que falas de Bolsonaro que indicam menosprezo pelas mortes causadas pela Covid-19 ferem a dignidade humana e são inadequadas.

O sr. busca diálogo com essa ala considerada mais conservadora que quis se aproximar do governo ou prefere marcar uma diferenciação clara? Na igreja, as diferenças, pela força da comunhão e da fé, se tornam riquezas e forças. Por isso, não se pode simplesmente dividi-la entre "conservadores" e "progressistas", pois isso significa desconsiderar a complexidade dos diferentes modos de pensar e agir. Como numa família, os descompassos são corrigidos pelo amor e pela fé. A igreja é maior, a missão está acima de tudo. O desafio é não se deixar enveredar pelas disputas e polarizações.

A CNBB afirmou na nota que "a Igreja Católica não faz barganhas". Esses líderes, então, se desviaram do propósito da igreja? Os meios de comunicação católicos têm contribuído para a evangelização. Neste tempo de pandemia, têm sido ainda mais fundamentais. A igreja e seus comunicadores sempre estão a serviço da sociedade. Não é tarefa fácil. Exige árduo trabalho, superação de adversidades.

Há certos caminhos fáceis, sedutores, que até conquistam adesões, mas incoerentes com os ensinamentos de Jesus. Caminhos que levam a um cristianismo torto, de falsas promessas, ou a sensações efêmeras, sem força para fortalecer interioridades, mas que competem predatoriamente com a comunicação católica.

Dizer que a igreja não faz barganhas é reafirmar uma verdade. Não pode ter sentido de acusação interna, mas de contraposição de alguns entendimentos tendenciosos.

O Vaticano foi informado sobre o episódio? Os muitos meios de comunicação católicos têm naturezas diferentes. Alguns são ligados a fiéis leigos, outros a congregações religiosas e dioceses. Nem todos estão subordinados à hierarquia oficial da igreja. [Mas] a Santa Sé está atenta a tudo o que acontece no Brasil.

A CNBB interfere? A CNBB busca contribuir para que haja sinergia entre os meios de comunicação católicos. Há um compromisso firmado entre esses meios de caminharem unidos, pois assim vão se fortalecer e ajudar a igreja em sua missão de evangelizar, sem se envolver com partidarismos.

Esse episódio, que gerou muitas críticas, inclusive com reações raivosas, hostis, pouco cristãs, servirá para amadurecer entendimentos já iniciados, no sentido de fazer com que essas diferentes mídias católicas possam realizar trabalhos compartilhados, vencendo, inclusive, desafios econômicos.

Qual é a opinião da CNBB sobre impeachment de Bolsonaro? Trata-se de tema que não foi incluído na pauta, um assunto que não é tratado na CNBB. A conferência é defensora da democracia, da soberania popular na escolha de seus governantes. Não faz pressão para a queda de governos. Ninguém está acima da lei, mas não compete a todas as instituições ou segmentos sociais o dever de julgar.

Há um ano, ao assumir a presidência da CNBB, o sr. disse à Folha que ninguém pode se colocar como dono da verdade. Hoje a CNBB se opõe ao governo em várias áreas. De qual dos dois lados está a verdade? A CNBB, em quase 70 anos, vem contribuindo para que a sociedade seja mais fraterna e justa. Atualmente, de modo coerente com a sua trajetória, fiel aos ensinamentos da igreja e em sintonia profunda com o papa Francisco, os bispos permanecem firmes no propósito de defender os pobres.

Esse compromisso faz a CNBB se contrapor, veementemente, a perspectivas que desconsideram o primado e a sacralidade da vida, em todas as suas etapas, e o incondicional respeito à dignidade humana.

Mas é preciso dizer: a CNBB não se julga "dona da verdade". Ela está sempre aberta a dialogar e espera que todos os segmentos sociais, inclusive as autoridades que devem servir ao povo, também compreendam a importância de escutar, de reavaliar projetos e atitudes.

A CNBB se posiciona sobre assuntos externos. Afirmou, por exemplo, que a fala de Sergio Moro ao sair do governo evidenciava intervenção política sobre a PF. Qual deve ser o limite de atuação? A igreja tem muito a contribuir com os Poderes a serviço do povo, do bem comum, pois está presente em variadas realidades, próxima aos que sofrem. Evangelizar não é somente dedicar-se à oração. Trata-se de testemunhar a fé no dia a dia, inclusive na participação da vida democrática do país. Não raramente, os que pedem o silêncio da igreja são os que discordam das opiniões compartilhadas.

A CNBB considera engajar-se nos manifestos suprapartidários em prol da democracia, que se contrapõem a Bolsonaro e buscam recriar o clima das Diretas Já? Campanha, aliás, que foi endossada por líderes católicos da época. A defesa da democracia e de suas instituições é tradição da CNBB. Preocupam-nos as sucessivas agressões à ordem democrática. Atos anticonstitucionais que atacam a democracia precisam ser repudiados. A CNBB já participa do Manifesto em Defesa da Democracia, com outras instituições de reconhecida credibilidade [como OAB e Associação dos Magistrados Brasileiros].

Ainda sobre Bolsonaro, como o sr. avalia estas frases proferidas por ele ao ser questionado sobre mortes causadas pela Covid-19: "E daí?", "Eu não sou coveiro", "É o destino de todo mundo"? Todo dizer que fere a dignidade de uma pessoa é inadequado. São [frases] inadequadas, portanto, porque machucam o coração ferido de quem perdeu um parente, um amigo, para essa pandemia. Além disso, servem para defender a retomada de uma "normalidade" que hoje é inviável.

É preciso reconhecer, com urgência, a necessidade de se construir novo tempo. E definir ações, identificando o que pode ser feito para que o Brasil saia do colapso da saúde, com repercussões na economia. Faltam políticas públicas para fortalecer o SUS e amparar os mais pobres.

O papa Francisco fez referência à marca de que uma pessoa morre de Covid-19 no Brasil a cada minuto e disse que isso é algo terrível. O que, na sua visão, levou o nosso país a esse cenário? O acentuado abismo da desigualdade social, problema histórico e estrutural, é fator determinante para esse colapso de saúde. Outro fator que prejudica: o descompasso entre as experiências vividas mundo afora e as ações de alguns políticos brasileiros. Em vez de se unirem, reconhecendo a gravidade da pandemia, e buscarem soluções, muitos dos que exercem a representatividade minimizam o problema. Contribuem para criar o caos.

O que a igreja tem feito para esclarecer seus fiéis? Os evangelizadores têm importante papel educativo e devem orientar os fiéis a seguirem as recomendações das autoridades da saúde, a buscarem se informar em meios confiáveis. Cuidar uns dos outros é o que pede a igreja.

Como a CNBB pretende conduzir a retomada das missas e das atividades nas igrejas? Cada arquidiocese e diocese tem autonomia para definir a retomada das celebrações, considerando a realidade de cada região do país. Há consenso sobre adaptações para a retomada das missas presenciais: álcool em gel ou outras formas que possibilitem higiene das mãos à disposição de todos; bancos e cadeiras mais afastados, com assembleias de fiéis menores; uso obrigatório de máscaras no interior das igrejas.

Raio-X

Walmor Oliveira de Azevedo, 66

É arcebispo metropolitano de Belo Horizonte desde 2004 e presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) desde maio de 2019. Nascido em Côcos (BA), foi professor universitário e tem doutorado em teologia bíblica pela Pontífícia Universidade Gregoriana, de Roma

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