Queiroz era monitorado por advogado de Bolsonaro, indicam mensagens apreendidas pela Promotoria

Ministério Público diz que ex-assessor de Flávio tinha restrição de movimentação imposta por Frederick Wassef

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Brasília e Rio de Janeiro

O policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro preso nesta quinta-feira (18), era monitorado e sofria restrições de movimentação impostas pelo advogado Frederick Wassef, indicam mensagens apreendidas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

Os promotores que pediram a prisão de Queiroz afirmam que o ex-assessor buscava omitir de Wassef, também advogado do presidente Jair Bolsonaro, as saídas que fazia do imóvel onde morou nos últimos meses em Atibaia, de propriedade do advogado.

O MP-RJ diz ainda que o ex-assessor e seus familiares desligavam seus telefones quando se aproximavam da casa, a fim de evitar eventual monitoramento das autoridades policiais.

O advogado Frederick Wassef, ligado à família Bolsonaro
O advogado Frederick Wassef, ligado à família Bolsonaro - Bruno Santos - 23.jul.2019/Folhapress

Queiroz foi preso sob suspeita de atrapalhar as investigações do MP-RJ sobre a suposta “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. Ele é apontado como operador financeiro do esquema, cuja finalidade seria beneficiar o próprio senador.

Mensagens datadas de outubro de 2019 mostram a mulher de Queiroz pedindo à filha para informar a uma mulher identificada como Ana que o casal está a caminho de São Paulo. A mulher responde: “Pode ficar tranquila que não falo nada não”.

Em outro áudio, Ana afirma, segundo os promotores, que não comentou com “Anjo” sobre a viagem do casal. Para o MP-RJ, o apelido é referência a Wassef.

Outras mensagens mostram Queiroz explicando que precisa desligar o telefone ao se aproximar da casa de Wassef. “A gente vai ter que desligar o telefone, daqui a pouco a gente vai entrar na nossa área”, disse Queiroz num áudio de julho de 2019.

Em agosto, outro áudio indica o procedimento adotado. “Se tiver alguma coisa pra falar, fala por aqui [telefone de Márcia, mulher de Queiroz] ou por aquele telefone que tá com minha filha, tá bom? Quando eu entro na cidade em que eu tô, eu desligo os telefones”, disse Queiroz a um homem identificado como Heyder.

Os diálogos indicam ainda que Wassef cogitou levar toda a família de Queiroz para Atibaia após a derrota no STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento sobre o compartilhamento de informações financeiras detalhadas em relatórios do Coaf.

“[Wassef está] Querendo mandar para todos [sic] para São Paulo se a gente não ganhar”, disse Queiroz em 24 de novembro de 2019 para a mulher, Márcia Aguiar.

O julgamento sobre o compartilhamento de dados do Coaf começou no dia 21 de novembro e se encerrou no dia 28. Na ocasião, a mulher considerou a intenção um exagero. “Mais [sic] só se estivéssemos com prisão decretada. Sabe que isso será impossível, né?”, disse ela.

A presença de Queiroz na casa de Wassef contrariou todo o discurso do advogado e da família presidencial ao longo de um ano e meio, segundo o qual não havia mais contato entre os Bolsonaro e o ex-assessor de Flávio.

O senador chegou a dizer que um eventual contato entre os dois poderia ser interpretado como obstrução de Justiça.

Queiroz é apontado pelo MP-RJ como operador financeiro da suposta “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio na Assembleia, onde ele exerceu mandato de deputado estadual entre fevereiro de 2003 e janeiro 2019.

A “rachadinha” é a prática de recolhimento de parte dos salários de assessores de um gabinete para fins diversos. No caso do filho do presidente, a suspeita é de que o senador era o beneficiário final da maior parte dos valores.

Investigadores identificaram o costume de pagamento de despesas pessoais do senador com dinheiro vivo. O MP-RJ identificou, por exemplo, que Queiroz foi o responsável por quitar boletos de mensalidade escolar das filhas do senador em outubro deste ano.

Tanto Wassef como a família Bolsonaro afirmavam que não tinham contato com Queiroz desde que o suposto esquema de "rachadinha" no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio veio à tona, no final de 2018.

Em recente entrevista à Folha, no início de maio, questionado se havia se reunido com advogados de Queiroz ou com alguém ligado a ele, Wassef respondeu que não. Em seguida, indagado se Flávio havia rompido com Queiroz, advogado disse: "Nunca mais. Desde o fim de 2018, nunca mais ninguém da família Bolsonaro teve qualquer contato o senhor Queiroz."

Flávio é investigado desde janeiro de 2018 sob a suspeita de recolher parte do salário de seus subordinados na Assembleia do Rio de 2007 a 2018. Os crimes em apuração são peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.

A apuração relacionada ao senador Flávio Bolsonaro começou após relatório do antigo Coaf, hoje ligado ao Banco Central, indicar movimentação financeira atípica de Fabrício Queiroz, seu ex-assessor e amigo do presidente Jair Bolsonaro.

Além do volume movimentado, de R$ 1,2 milhão em um ano, chamou a atenção a forma com que as operações se davam: depósitos e saques em dinheiro vivo em datas próximas do pagamento de servidores da Assembleia.

Queiroz afirmou que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele diz que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem conhecimento do então deputado estadual. A sua defesa, contudo, nunca apontou os beneficiários finais dos valores.

Jair Bolsonaro e Queiroz se conhecem desde 1984. Queiroz foi recruta do agora presidente na Brigada de Infantaria Paraquedista, do Exército. Depois, Bolsonaro seguiu a carreira política, e Queiroz entrou para a Polícia Militar do Rio de Janeiro, de onde já se aposentou.

Queiroz, que foi nomeado em 2007 e deixou o gabinete de Flávio no dia 15 de outubro de 2018, é amigo de longa data do atual presidente. Entre as movimentações milionárias que chamaram a atenção na conta de Queiroz está um cheque de R$ 24 mil repassado à primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Segundo o presidente, esse montante chegava a R$ 40 mil e o dinheiro se destinava a ele. Essa dívida não foi declarada no Imposto de Renda. Bolsonaro afirmou ainda que os recursos foram para a conta de Michelle porque ele não tem "tempo de sair".

QUESTÕES AINDA SEM RESPOSTA NO CASO QUEIROZ

  • Quem eram os assessores informais que Queiroz afirma ter remunerado com o salário de outros funcionários do gabinete de Flávio?

  • Por que o único assessor que prestou depoimento ao Ministério Público do Rio de Janeiro não confirmou a versão de Queiroz?

  • Como Flávio desconhecia as atividades de um dos seus principais assessores por dez anos?

  • Por qual motivo Jair Bolsonaro emprestou dinheiro a alguém que costumava movimentar centenas de milhares de reais?

  • De que forma foi feito esse empréstimo pelo presidente e onde está o comprovante da transação?

  • Onde estão os comprovantes da venda e compra de carros alegadas por Queiroz?

  • Por que há divergência entre as datas do sinal descrita na escritura de permuta de imóveis com o atleta Fábio Guerra e as de depósito em espécie fracionado na conta de Flávio?

INCONSISTÊNCIAS NO PEDIDO DO MP-RJ

Pessoas não nomeadas por Flávio Bolsonaro - Há três casos de pessoas sem vínculo político com Flávio que foram alvo de quebra de sigilo. Elas estavam nomeadas no gabinete da liderança do PSL na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro quando o senador assumiu o cargo e, em seguida, as demitiu

Remuneração de Queiroz - Ao comparar gastos com vencimentos de Fabrício Queiroz, o Ministério Público considera apenas salário da Assembleia e ignora remuneração que ele recebe da Polícia Militar

Saques - erro na indicação do volume de saques feitos por Queiroz em dois dos três períodos apontados

Laranja potencial - Promotoria atribui ao gabinete de Flávio servidora da TV Alerj que acumulava cargo com outro emprego externo

Patrimônio - Ao falar sobre um negócio que envolve 12 salas comerciais, os promotores do Ministério Público do Rio escreveram que Flávio adquiriu os imóveis por mais de R$ 2,6 milhões, quando, na verdade, ele deteve apenas os direitos sobre os imóveis, que ainda não estavam quitados e continuaram sendo pagos em prestações por outra empresa que assumiu a dívida

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