Sob efeito de Marielle, candidatas negras exaltam diferenças em eleição no Rio

Benedita da Silva (PT), Renata Souza (PSOL) e Suêd Haidar (PMB) concorrem à prefeitura da cidade

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Rio de Janeiro

Foram necessários 28 anos para que a deputada federal Benedita da Silva (PT), 78, ganhasse a companhia de mais uma “mulher, negra e favelada”, como ela se apresentou na eleição de 1992, na corrida pela Prefeitura do Rio de Janeiro.

A cidade terá três mulheres negras como candidatas ao principal cargo da cidade. As duas principais, cujos partidos ensaiaram uma aliança, ressaltam as diferenças de seus projetos e defendem a diversidade da presença feminina negra na disputa.

A deputada estadual Renata Souza (PSOL), nascida e criada no Complexo da Maré, afirma que a presença dela, Benedita e Suêd Haidar (PMB) na disputa amplia a participação da mulher negra na política.

“Nós temos formas de ação política que são diferentes. Há uma tentativa de homogeneizar esse lugar: ‘Mulher, preta e favelada é tudo igual’. Não é assim. Somos diversas, o que não somos é dispersas. A Benedita está num partido que fez escolhas que meu partido não fez”, diz Renata.

Mulher de casaco branco e colar sorri, com a bandeira do Brasil ao fundo
Renata Souza em 2019, em foto como deputada estadual do Rio de Janeiro - Flavia Belchior/Alerj

Para a deputada, disputar a prefeitura permite que pessoas de seu gênero e raça possam se posicionar sobre temas para além da pauta identitária.

“Nós, mulheres negras, não somos procuradas para falar sobre temas estruturantes, mas apenas sobre o tema identitário. Isso invisibiliza as mulheres na política. Invisibilizou a Marielle [Franco, vereadora assassinada]. Isso matou a Marielle. Se ela fosse uma política visível, ela não seria cogitada como um alvo fácil”, acrescenta ela, que foi chefe de gabinete da vereadora morta em 2018.

Benedita ocupou esse espaço nas eleições de 1992 e 2000. Na primeira, perdeu por uma diferença de 104 mil votos no segundo turno para Cesar Maia (do então PMDB). Na segunda, perdeu a vaga para Maia no segundo turno por 13 mil votos.

Em 1998, ela também foi eleita vice-governadora na chapa de Anthony Garotinho (na época no PDT) e assumiu o Palácio Guanabara por nove meses em 2002, quando o titular foi disputar a Presidência da República. Ela perdeu na tentativa de reeleição para o cargo.

A petista afirma que, em sua primeira candidatura, sua identificação com a favela foi muito mais explorada do que o fato de ser negra.

“Naquela época a identificação foi da negritude, mas muito mais das comunidades. Era a primeira vez que saía um candidato de lá [da favela]”, afirma Benedita, que terá como candidata a vice a deputada Enfermeira Rejane (PC do B), também negra.

“O mito da democracia racial estava muito mais presente na década de 1990. Agora, não. O mundo não é mais o mesmo. Muita violência acontecendo e acirrando a questão racial”, diz a petista.

Para ela, ter a companhia de outras duas mulheres negras na disputa é resultado da militância da qual participa há quatro décadas. Benedita também afirma defender a importância da diversidade de candidaturas do grupo.

“Lógico que nós, mulheres negras, temos nos articulado para ocupar os espaços. E cada uma de nós tem sua especificidade. Cada uma tem seus acúmulos, seus projetos”, afirma Benedita.

0Benedita da Silva durante ato em defesa da educação, na Cinelândia, no Rio
Benedita da Silva durante ato em defesa da educação, na Cinelândia, no Rio - Filipe Cordon - 10.mai.19/Folhapress

A cientista política Soraia Vieira, da UFF (Universidade Federal Fluminense), afirma que a presença de mulheres negras na política carioca ganhou força após a morte de Marielle.

“Marielle Franco foi um marco nesse debate. O assassinato dela tornou essa causa ainda mais visível. Existe uma visibilização maior de mulheres candidatas e na arena política. Esse é um debate antigo que ganhou força agora”, diz.

Ela aponta os partidos de esquerda, como PT e PSOL, como mais permeáveis a essas candidaturas majoritárias em razão da proximidade histórica das siglas com movimentos sociais.

“Outro partidos de centro, centro-direita, têm suas organizações negras. Mas os partidos de esquerda têm uma proximidade mais marcante com movimentos sociais e de visibilidade desses grupos”, afirma a cientista política.

Suêd Haidar destoa do perfil. Ela terá como candidata a vice-prefeita Jéssica Natalino, filha do ex-deputado Natalino Guimarães, condenado por envolvimento com milícias no Rio de Janeiro. Procurada, ela não retornou às ligações da reportagem.

A presença das mulheres negras ocorre no mesmo ano em que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu que os partidos teriam que dividir as verbas e a propaganda na proporção dos candidatos negros e brancos que lançarem. A corte, porém, estabeleceu que a mudança só valeria para o pleito de 2022.

Por meio de uma decisão liminar (provisória), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski determinou a aplicação já na disputa para prefeitos e vereadores, em novembro.

A tendência é que o despacho de Lewandowski seja confirmado. O ministro incluiu o processo para ser julgado no plenário virtual que começa nesta sexta-feira (25) e acaba em 2 de outubro.

“Não podemos deixar que essas pautas se esvaziem apenas por uma representatividade, sem que se paute o debate”, diz Renata.

A candidata do PSOL vê uma diferença geracional entre ela e Benedita.

“Tem uma diferença da minha geração para a da Benedita que é enfiar o dedo na ferida de maneira mais combativa e consistente. É importante reconhecer o papel da Benedita, mas sou de uma geração que tem pressa, tem emergência da possibilidade de mudança e transformação social.”

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