Tribunal aplica censura a Bretas por participar de inauguração com Bolsonaro

Magistrado não poderá ser promovido por um ano; punição é a segunda mais leve prevista para magistrados

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Rio de Janeiro

O TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) aplicou pena de censura ao juiz federal Marcelo Bretas, responsável pela Operação Lava Jato do Rio de Janeiro, por participar de uma inauguração de obra pública ao lado do presidente Jair Bolsonaro e do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos-RJ).

O Órgão Especial do TRF-2, por 12 a 1, entendeu que o juiz incorreu em superexposição e autopromoção ao estar ao lado dos políticos no evento e publicar imagens do ato em redes sociais.

A punição prevê que o magistrado não figure por um ano da lista de promoção do tribunal. É a segunda pena mais leve prevista na Lei de Magistratura Nacional, que lista seis opções.

O TRF-2 informou que não cabe recurso à decisão. O magistrado não se pronunciou sobre a decisão até a publicação desta reportagem.

O julgamento ocorre na semana seguinte em que foi deflagrada a Operação E$quema S, que atingiu escritórios de advocacia de parentes de magistrados, entre eles o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins, e do ex-presidente do TRF-2 André Fontes.

Martins foi quem determinou, em maio, a investigação no tribunal. Fontes se declarou impedido de julgar o caso no Órgão Especial —ele havia votado em favor de Bretas em maio, quando o processo foi instaurado.

O relator do caso, juiz Ivan Athié, considerou que ao participar da inauguração e expor imagens do ato em suas redes sociais “não representou outra coisa que não demonstrar sua proximidade com o presidente da República”.

“Um juiz experiente e bem preparado, não é possível que não imaginasse a repercussão que se daria. Não há nada que justifique, se não a intenção de superexposição e autopromoção, subir em palanque de obra pública com o presidente da República em situação que nada tem a ver com o Judiciário”, afirmou Athié.

O juiz-relator disse ainda que agravou a situação de Bretas o fato de ele ter apresentado duas versões distintas sobre o fato.

O magistrado afirmou que foi convidado pelo presidente para participar do culto evangélico na praia de Botafogo, que ocorreu após a inauguração.

Inicialmente, segundo Athié, ele disse ao Órgão Especial que sabia de toda a agenda do presidente. E que, para integrar a comitiva, deveria encontrar o presidente no aeroporto Santos Dumont e acompanhá-lo em todos os compromissos.

Após a instauração do processo, disse o relator, a defesa do juiz mudou a versão, indicando que não sabia que haveria a inauguração da obra.

A juíza Simone Schreiber afirmou que o fato de o magistrado ser o condutor da Lava Jato na Justiça Federal fluminense aumenta a "necessidade de autopreservação".

"O magistrado deve se conduzir de uma forma reservada. Não deve permitir que alguns políticos capitalizem para si o sucesso que seria da Lava Jato", disse a juíza.

O único voto divergente foi do juiz federal Alcides Martins, para quem não havia provas suficientes para caracterizar a autopromoção.

O advogado Mauro Roberto de Mattos, que representou Bretas, afirmou que o juiz não discursou em nenhum dos atos, o que não vincularia a superexposição.

“O presidente o convidou na condição de evangélico, não de juiz federal. A condição sine qua non seria a necessidade dele ingressar na comitiva presidencial até o evento. Como tinha uma inauguração da ponte, sua excelência participa da inauguração da ponte, não se manifesta, sai do evento com o presidente e se caminha ao culto evangélico”, afirmou o advogado.

O processo foi aberto após pedido do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

O colegiado do TRF-2 não considerou que Bretas teve uma atuação político-partidária, como indicava a entidade dos advogados. Essa interpretação poderia agravar a pena ao magistrado.

Esta é a primeira punição ao magistrado responsável pela Lava Jato fluminense. Desde o início do mandato de Bolsonaro, o juiz vêm demonstrando publicamente afinidade ideológica com o presidente da República.

Bretas, por exemplo, participou da posse do presidente no dia 1º de janeiro de 2019. Ele viajou a Brasília em um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) a convite do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM).

Na ocasião, publicou em sua rede social uma foto de mãos dadas com o então governador recém-empossado Wilson Witzel (PSC), afastado há duas semanas sob acusação de corrupção.

Ao longo da campanha eleitoral, Bretas curtiu postagens de Bolsonaro no Twitter. O magistrado negou apoio ao então candidato, citando curtidas que deu a mensagens da ex-ministra Marina Silva (Rede), adversária do presidente na disputa.

“Entendo que, ao ‘curtir’ uma postagem, apenas manifesto minha concordância com determinado tema ou proposta, sem que isso represente um apoio a qualquer candidato. Eventualmente apoio ideias, mas não pessoas ou candidatos”, disse ele à época.

Na madrugada antes da posse do presidente, Bretas postou no Twitter uma imagem de mãos aplaudindo ao compartilhar mensagem de Bolsonaro que dizia: “Nos vemos na posse. Um forte abraço!”

“Parabenizei o novo presidente do Brasil, desejando sucesso em sua gestão”, disse sobre a postagem, na ocasião.

Ele chegou a ser cotado para ser indicado pelo presidente para ocupar uma das duas vagas a serem abertas no STF (Supremo Tribunal Federal) durante o mandato de Bolsonaro.

O presidente já declarou que pretende escolher ao menos um candidato "terrivelmente evangélico" para a corte, fé professada pelo magistrado.

A Operação E$quema S, deflagrada com autorização de Bretas, também atingiu um pessoa ligada ao presidente. Bretas autorizou buscas na casa e no escritório do advogado Frederick Wassef, ex-defensor da família Bolsonaro. Ele é suspeito de ter atuado no esquema de desvio de recursos do Sistema S fluminense.

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