Descrição de chapéu Eleições 2020

Suprapartidárias, promessas mirabolantes são parte da eleição em SP há décadas

Projetos ambiciosos e nunca realizados para áreas como transporte e urbanismo unem direita e esquerda

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São Paulo

Trens cortam os céus de São Paulo, praticamente voando sobre os engarrafamentos. O metrô chega a todos os rincões da cidade. Mas quem insistir em usar o carro não será esquecido: terá uma supervia expressa construída sobre a calha do rio Tietê.

Propostas apresentadas por candidatos a prefeito de São Paulo no último quarto de século fazem a cidade parecer uma metrópole do desenho futurista Os Jetsons.

O excesso de criatividade foi do PT ao PSDB, passando por PP, DEM e PRB, além, é claro, do PRTB de Levy Fidelix, o homem do Aerotrem.

A propaganda eleitoral das eleições municipais deste ano começa nesta sexta-feira (9), no rádio e na TV. Os programas políticos ocorrem até 12 de novembro, três dias antes do primeiro turno da disputa a prefeituras e Câmaras Municipais.

Se houvesse uma medalha de ouro para propostas delirantes, seria daquela que se tornou sinônimo de marquetagem: o Fura Fila.

Bandeira de campanha de Celso Pitta, em 1996, o veículo que trafegaria sobre elevados saiu da prancheta do publicitário Duda Mendonça.

Num tempo sem reeleição, Pitta, candidato do então PPB (atual PP), foi tirado do anonimato pelo prefeito Paulo Maluf para dar continuidade a seu mandato.

“O Fura Fila vai ser a alegria da turma que anda de ônibus”, dizia o comercial de TV, enquanto pessoas exclamavam, ao ver uma animação do veículo: “É um pássaro? É um avião? Não, é o Fura Fila!”.

Reprodução da propaganda eleitoral de Celso Pitta, em 1996
Reprodução da propaganda eleitoral de Celso Pitta, em 1996 - Reprodução/TV Folha

Com Pitta na prefeitura, problemas de gestão e financiamento inviabilizaram o projeto.

Apenas um pequeno trecho de oito quilômetros, conectando Parque Dom Pedro (centro), Vila Prudente (zona leste) e Sacomã (zona sul), existe hoje. Transporta 73 mil passageiros por dia, bem distante da meta de 350 mil. Com o nome desgastado, foi rebatizado como Expresso Tiradentes.

O malogro do projeto não significou seu sumiço nas campanhas seguintes. Em 2008, Gilberto Kassab, então no DEM e hoje no PSD, prometeu levá-lo até a Cidade Tiradentes, na zona leste.

O projeto acabou esquecido e substituído pelo monotrilho da linha 15 do Metrô, do governo do estado. Doze anos depois, chega a São Mateus, seis estações antes da Cidade Tiradentes. A nova promessa é concluir a linha até dezembro de 2022.

O Fura Fila também gerou ciumeira em Levy Fidelix, que reclamou de plágio. “E o tal do Fura Fila? Todo mundo sabe, é uma versão do Aerotrem, que jamais foi realizada”, disse, na eleição de 2008. “Prefira o original, o resto é cópia.”

Candidato em 1996, José Serra (PSDB) prometeu construir duas linhas na zona sul, embora o metrô seja de responsabilidade do governo estadual: a atual linha 5-lilás e um ramal até Osasco.

Já Kassab disse em 2008 que ajudaria a construir um metrô da Freguesia do Ó até São Joaquim. Esse projeto é hoje o da linha 6, que sofreu sucessivos atrasos e deve demorar ao menos mais cinco anos para ficar pronta. As obras, segundo o governo paulista, foram retomadas nesta terça-feira (6).

Mas todos foram modestos na ambição metroviária em comparação com a campanha de Marta Suplicy, então no PT, em 2008.

Ela anunciou que iria aumentar a rede em 47 quilômetros. Na época, a extensão do metrô era de 61 quilômetros, construídos em 40 anos. Ou seja, Marta prometia aumentar a malha metroviária em 77% em apenas um mandato.

Na mesma campanha, ela anunciou outro projeto considerado de difícil execução por especialistas: levar internet grátis, em banda larga, para toda a cidade de São Paulo.

Mais de uma década depois, isso ainda está longe de ser concretizado. A ex-prefeita foi procurada pela Folha, mas não se manifestou.

Também em 2008, Maluf propôs uma “freeway” na marginal Tietê, criando mais seis faixas em cada lado. Como mostrou um croqui distribuído por sua campanha, isso implicaria avançar sobre a calha do rio, deixando-o com a largura de um córrego. O então deputado disse que a obra era tecnicamente viável.

“Tem que suspender as pontes dois metros, fazer as vigas de sustentação, colocá-las na posição para que se possa passar [as pistas] por baixo. Eu calculo que vai custar R$ 3 bilhões”, afirmou.

Oito anos depois, na eleição de 2016, João Doria (PSDB), que acabou eleito, seguiu a tradição de anúncios impactantes na área de transportes. Prometeu a privatização dos corredores de ônibus, que ganhariam novo nome: “Rapidão”.

“Os corredores, nós vamos chamar de Rapidão, terão ônibus articulados e biarticulados”, disse ele, num debate.

“Vamos colocar tecnologia, com wi-fi gratuito em todos eles, ar condicionado e acesso às pessoas deficientes. E o controle de GPS, para permitir o melhor funcionamento de todos os corredores, com embarque em sistema BRT. A publicidade no aplicativo, no seu celular é que vai pagar esse serviço”.

O projeto foi deixado de lado por Bruno Covas (PSDB), seu sucessor e hoje candidato à reeleição. Nunca houve privatização de corredores.

Segundo a prefeitura, 16,88% da frota hoje (2.364 veículos) é formada por ônibus articulados e biarticulados. Quase metade dos ônibus (47,9%) ainda não têm wi-fi, e 46,34% não têm ar-condicionado —a prefeitura diz que o percentual chegará a 100% no fim de 2025.

Também não há embarque em sistema BRT, com pontos de ônibus que se assemelham a estações de metrô. Foram cumpridos o monitoramento da frota por GPS, que já está universalizado, e acesso a deficientes, em 99,81% dos ônibus.

O Rapidão atualmente resume-se a estudos para licitação de um trecho de cinco quilômetros entre os terminais João Dias e Capelinha, na zona sul. A prefeitura afirma que o projeto executivo fica pronto ainda este ano.

Visões grandiosas não pouparam nem a área do urbanismo. Um exemplo foi o Arco do Futuro apresentado em 2012 por Fernando Haddad (PT), que foi eleito.

No programa de TV, o projeto foi mostrado pelo marqueteiro João Santana com efeitos visuais que rivalizam com os do Fura Fila.

O projeto seria um conjunto de obras e políticas urbanas para criar novos polos econômicos, em regiões como a marginal Tietê e as avenidas Cupecê, na zona sul, e Jacu Pêssego, na zona leste.

“Essas grandes avenidas vão deixar de ser, como hoje, uma espécie de ruas dos fundos de São Paulo, para serem uma área linda, moderna e vibrante”, prometeu o petista, enquanto modernos prédios em computação gráfica brotavam do chão.

Apenas em setembro de 2016, a quatro meses do fim de seu mandato, Haddad aprovou um plano de reestruturação viária na marginal Tietê, principal componente do projeto. Não havia, no entanto, previsão de gastos e prazos. Com o petista derrotado por Doria, o Arco foi engavetado.

Procurado pela Folha, Haddad disse que “maldosamente transformam o Arco do Futuro numa obra, quando é um plano para repensar o desenvolvimento da cidade”.

Ele inclui no Arco obras como dois piscinões na avenida Cupecê, as pontes Laguna e Itapaiuna, na marginal Pinheiros, e o eixo da avenida Chucre Zaidan, todas de sua gestão. O restante, diz, teria sido feito caso tivesse sido reeleito.

Na área social, Celso Russomanno (Republicanos) prometeu criar em 2016 barreiras físicas cercando a cracolândia para estrangular o fluxo de drogas.

Com questionamentos sobre a viabilidade prática e a possível violação ao princípio constitucional de ir e vir, a ideia foi esquecida ainda durante a campanha.

Já Kassab, em 2008, prometeu zerar a espera por vagas em creches municipais. Isso até hoje não ocorreu, embora a fila tenha diminuído. De acordo com dados da prefeitura, em agosto ainda havia um déficit de 28,5 mil vagas na cidade.

O ex-prefeito, por meio de sua assessoria, afirmou que em sua gestão criou 150 mil vagas de creches. Na área de transporte, disse que ajudou na elaboração do projeto da linha 6 do metrô e que o Expresso Tiradentes foi substituído pelo monotrilho. Ambas as obras são do governo do estado.

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, Jorge Abrahão diz que a cidade precisa de soluções bem mais simples do que as apresentadas em projetos grandiosos.

“Muitas vezes, os candidatos ficam tentando buscar manchetes que possam diferenciar suas propostas e acabam entrando nesse jogo de marketing. Apresentam propostas impossíveis de serem realizadas e nem são as mais adequadas à cidade”, afirma.

A pandemia, segundo ele, mostrou que o foco de um prefeito deve ser em propostas para áreas vulneráveis da cidade, que foram desproporcionalmente atingidas pelo coronavírus. “As desigualdades sempre cobraram bastante da nossa cidade."

Para Abrahão, a população ainda é suscetível a promessas ilusórias em época de campanha. “Ainda não conseguimos criar espaços de defesa disso. A desinformação hoje chega de outras maneiras. Se antes era uma grande obra, agora é um discurso supostamente renovador, como vimos na eleição de 2018."​

Relembre alguns dessas promessas

Candidato: Celso Pitta (PPB)*

  • Ano: 1996
  • Promessa: implantar Fura Fila pela cidade, para transportar 350 mil passageiros/dia
  • Realidade: apenas 8 km construídos, levando 73 mil pessoas/dia

Candidato: José Serra (PSDB)

  • Ano: 1996
  • Promessa: fazer linha 5-Lilás e levar metrô até Osasco
  • Realidade: linha 5-Lilás foi feita pelo governo na década seguinte; não há metrô em Osasco, apenas CPTM

Candidato: Levy Fidelix (PRTB)

  • Ano: 1996, 2008, 2012, 2016
  • Promessa: construir o Aerotrem
  • Realidade: nunca foi feito, embora haja semelhanças com o monotrilho do metrô

Candidato: Paulo Maluf (PP)

  • Ano: 2008
  • Promessa: fazer uma “freeway” na Marginal Tietê, com 12 novas pistas sobre a calha do rio
  • Realidade: projeto foi considerado inviável e muito caro por especialistas

Candidato: Marta Suplicy (PT)**

  • Ano: 2008
  • Promessa: fazer 47 km de metrô, levar internet banda larga para toda a cidade
  • Realidade: promessa representaria salto de 77% na malha metroviária; internet banda larga até hoje não foi universalizada na cidade

Candidato: Gilberto Kassab (DEM)***

  • Ano: 2008
  • Promessa: ajudar na Linha 6-Laranja; levar Fura Fila até Cidade Tiradentes; acabar com fila da creche
  • Realidade: Previsão para Linha 6-Laranja é para 2024; Monotrilho do Metrô só vai até São Mateus; fila da creche tem 28,5 mil crianças

Candidato: Fernando Haddad (PT)

  • Ano: 2012
  • Promessa: criar Arco do Futuro, fomentando novos polos de desenvolvimento na cidade
  • Realidade: projeto não saiu do papel

Candidato: Celso Russomanno (PRB)

  • Ano: 2016
  • Promessa: cercar cracolândia com barreiras para estrangular fluxo da droga
  • Realidade: ideia foi abandonada por não ser viável e violar Constituição

Candidato: João Doria (PSDB)

  • Ano: 2016
  • Promessa: fazer Rapidão, a partir da privatização dos corredores de ônibus, instalando wi-fi e ar condicionado em toda a frota, entre outras melhorias
  • Realidade: promessa foi abandonada; privatização não foi feita; quase metade dos ônibus não têm wi-fi, nem ar condicionado

*atual PP
**atualmente no Solidariedade
***atualmente no PSD

PROPAGANDA POLÍTICA

DATA
De 9 de outubro a 12 de novembro

DIVISÃO:

  • Horário eleitoral
    Dois blocos diários de 10 minutos cada no rádio e na TV. Esse tempo será utilizado pelas candidaturas à prefeitura. A divisão é feita a partir do tamanho da bancada dos partidos na Câmara de Deputados.
  • Inserções na programação
    São 70 minutos diários divididos em propagandas de 30 e 60 segundos distribuidos ao longo da grade das emissoras. A maior parte, 60%, é destinada às campanhas para prefeito. Os vereadores ficam com 40% do tempo.

HORÁRIOS

  • Rádio
    7h às 7h10 e 12h às 12h10
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    13h às 13h10 e 20h30 às 20h40
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