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Acusado de beneficiar evangélicos, Crivella sofre rejeição até de base eleitoral religiosa

Prefeito explora vínculo religioso após tentar se desvincular da Igreja Universal no anos anteriores

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Rio de Janeiro

Alvo de ações sob acusação de beneficiar grupos evangélicos, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), vê a rejeição a sua candidatura à reeleição invadir sua base eleitoral entre os cristãos.

Bispo licenciado da Igreja Universal, o prefeito é rejeitado por 38% dos evangélicos, segundo pesquisa Datafolha divulgada no dia 22. O número é menor do que os 58% no eleitorado como um todo, mas representa mais de um terço no grupo religioso.

O cenário fez com que Crivella reforçasse o vínculo religioso de sua candidatura, estratégia pública oposta àquela que adotou em todas as eleições majoritárias em que acumulou derrotas desde 2004.

Nas eleições anteriores, o prefeito sempre buscou se desvincular da Igreja Universal e seu passado como bispo. Com o novo cenário político após a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Crivella tem repetido as menções a Deus e religião.

A rejeição de parcela expressiva dos evangélicos ocorre após uma gestão na qual o candidato do Republicanos foi sucessivamente acusado de beneficiar fiéis de seu credo.

Crivella é alvo de duas ações civis públicas movidas pelo Ministério Público e enfrentou pedido de impeachment sobre o tema.

A primeira ação foi proposta em 2018 e narra nove situações nas quais, segundo a Promotoria, Crivella beneficiou grupos evangélicos.

“Observa-se uma tendência do demandado [Crivella], atual administrador municipal, em privilegiar determinado seguimento religioso, bem como, de forma sutil, perscrutar informações a respeito da religião professada pela população e pelo funcionalismo público”, afirma a ação.

O processo, ainda não julgado, inclui o episódio conhecido como “Fala com a Márcia”. Trata-se da uma reunião no Palácio da Cidade na qual ele oferecia privilégios a líderes de igrejas evangélicas em demandas de serviços públicos.

“Estamos fazendo o mutirão da catarata. Contratei 15 mil cirurgias até o final do ano. Então, se os irmãos tiverem alguém na igreja com problema de catarata, por favor falem com a Márcia", disse o prefeito, em áudio divulgado pelo jornal O Globo.

A ação também trata de censos religiosos feitos dentro de órgãos públicos e uso da estrutura municipal para eventos da Igreja Universal.

“Parece crível que os espaços públicos administrados pelo município passaram a ser uma extensão dos templos da Igreja Universal do Reino de Deus”, diz o MP-RJ.

No mês passado, Crivella foi alvo de nova ação civil pública, na qual foi acusado de ceder ilegalmente um terreno do município para projeto da igreja evangélica Marca de Cristo. Além da cessão, a prefeitura realizou obras no local, segundo a Promotoria.

Uma das peças desta ação revela uma estratégia de Crivella nos bastidores da pré-campanha: a participação intensa na inauguração de igrejas ou espaços a elas vinculadas.

Os supostos benefícios não geraram um retorno eleitoral ao prefeito. Com uma administração mal avaliada, ele corre o risco de ficar fora do segundo turno da disputa.

O nível de rejeição sempre foi um dos empecilhos de suas tentativas eleitorais majoritárias até 2016, quando sempre via a candidatura desidratar até a data do primeiro turno.

Em 2008, sua rejeição no início da campanha era de 31%, sendo 10% entre os evangélicos pentecostais —dos quais fiéis da Universal fazem parte— e 17% dos não pentecostais. Oito anos depois, 22% declaravam que não votariam no bispo licenciado, sendo 7% entre pentecostais e 11% entre não pentecostais.

Na eleição de 2016, o fato de enfrentar um adversário marcadamente de esquerda como Marcelo Freixo (PSOL) fez com que ele adquirisse um apoio maciço entre evangélicos, o que não tinha conseguido nas eleições anteriores. Às vésperas do segundo turno, 92% dos evangélicos pentecostais e 80% dos não pentecostais declararam que votariam em Crivella, segundo o Datafolha.

Este ano, o prefeito segue tendo seu principal eleitorado entre os cristãos. Mas o nível está bem diferente do identificado há quatro anos: apenas 28% desses entrevistados declararam que votam em Crivella.

Algumas liderança evangélicas evitam se engajar na campanha de Crivella em razão da boa relação construída com Paes durante a gestão do candidato do DEM (2009-2016). Entre algumas das ações do ex-prefeito está o financiamento de algumas edições da Marcha para Jesus.

O ex-prefeito tem 23% das intenções de voto entre evangélicos, sendo rejeitado por 43% nesse grupo —percentual maior do que os 31% no eleitorado em geral.

Uma das estratégias de Crivella agora é, além de ressaltar o vínculo religioso, colar a imagem à do presidente. Após Bolsonaro declarar um apoio constrangido —que incluiu até um elogio ao ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), adversário na disputa—, o prefeito conseguiu gravar um vídeo ao lado do aliado a fim de exibi-lo na reta final de campanha do primeiro turno.

Na Justiça, Crivella nega ter beneficiado evangélicos. Afirma que o caso da reunião tinha como objetivo prestar contas e divulgar serviços.

"Desde o início de sua gestão, o prefeito Marcelo Crivella já recebeu os mais diversos representantes da sociedade civil parta tratar dos mais variados assuntos, tanto em seu gabinete como no Palácio da Cidade", afirmou a prefeitura na ocasião. ​

Em nota, a campanha de Crivella negou qualquer benefício a evangélicos em sua administração. E reenviou frases do prefeito numa entrevista concedida à Folha em setembro de 2019.

"Sou um bispo evangélico. Tudo o que digo, absolutamente tudo, já traz uma ideia ao repórter de que ali está falando o bispo com posições bíblicas. Se você for a um culto meu na igreja, com certeza vai ouvir eu pregar o Evangelho. Mas aqui, na prefeitura, não”, afirmou ele na ocasião.

“Política e religião são coisas que caminham entrelaçadas porque ambas são sobre servir ao próximo. Temos que nos preocupar em separar o Estado e a igreja. Agora, o político professar sua fé é natural, não tem absolutamente nenhuma mácula na democracia, em que prevalece a maioria, com respeito à minoria", disse à época.

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