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Arthur Cagliari

Depoimento: Como mesário, vi brasileiro mostrar neste domingo responsabilidade na pandemia

Regras de caneta própria e de horário especial a idosos foram levadas a sério pelos eleitores

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São Paulo

​Quem é chamado para trabalhar como mesário em geral torce o nariz. Não conheço alguém que goste ou queira organizar a festa da democracia. Deve existir, mas é uma espécie rara.

Para quem nunca foi, estrear em 2020, o ano da Covid-19, não poderia despertar outro sentimento senão preocupação. O momento é de cuidado, e eleição é coisa séria.

Embora o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tenha disponibilizado neste ano manuais, aplicativos, quiz e até um vídeo de 27 minutos sobre os procedimentos da votação, a sensação ao se deparar com todo esse conteúdo é que o processo é bastante complexo —e que a pandemia só elevaria o grau do desafio.

São 12 horas (com um intervalo para almoço) nas quais os mesários precisam se atentar a todos os documentos apresentados, as respectivas fotos, assinaturas, acompanhar filas de espera, entregar canhoto de comprovação e auxiliar eleitores que chegam totalmente despreparados.

Não bastasse isso, em 2020, o desafio ganhou ingredientes extras: a máscara azul descartável, uma proteção de acrílico por cima do rosto (o face shield) e álcool em gel –MUITO álcool em gel.

Não à toa. Na seção em que trabalhei como 1º mesário eram esperadas 430 pessoas. A abstenção, porém, chegou a 41,6%, com a presença de 251 eleitores. Portanto, em questão de 12 horas, os mesários tiveram contato direto com centenas de pessoas. Numa pandemia, não dá para brincar.

Pela parte dos eleitores, é preciso reconhecer o empenho. Todos, sem exceção, compareceram e permaneceram todo o tempo de máscara; pouquíssimos não levaram a própria caneta (em geral, jovens); a regra de preferência a idosos no período das 7h-10h foi respeitada.

Em casos de cuidado extremo, houve quem pedisse para que os mesários retocassem o álcool nas mãos antes de manejar seus documentos e ainda quem relutasse em entregá-los diretamente, querendo mostrar os papéis apenas à distância por precaução.

Entre os mesários, na fila de entrega das urnas no fim deste 1º turno, havia um consenso: foi difícil seguir o tempo todo com as duas camadas de proteções no rosto. Em São Paulo, onde a temperatura chegou a 28ºC neste domingo, o calor abafado, ora e outra, apertava e não faltou quem recorresse a algum canto da sala em busca de um espaço para respirar sem as armaduras.

A viseira de acrílico bloqueou o som em alguns momentos e dificultou a leitura do display do aparelho da mesa do presidente da seção. Nada incontornável. Na zona em que fiquei, a única reclamação recorrente foi sobre o remanejamento de seções, que levou as pessoas a circularem mais atrás da sala correta para votar.

O balanço, contudo, é positivo. Se minha experiência for parecida a dos outros 1,5 milhão de mesários, talvez o Brasil deva se orgulhar neste domingo não só por ter um sistema eleitoral moderno e rápido, mas também pelos cidadãos saberem se portar com responsabilidade em um momento tão delicado à saúde pública e tão importante à democracia.

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