Descrição de chapéu Eleições 2020

Polarização no Sul revive disputa entre Arena e MDB da época da ditadura

PP e MDB, remanescentes do bipartidarismo, tiveram 1º e 2º colocados em 21% dos municípios catarinenses e gaúchos

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São Paulo

A política brasileira já atravessou a expansão tucana, o auge petista e a onda bolsonarista, mas no interior do Sul do país a polarização que novamente despontou nas eleições municipais deste ano remete a meio século atrás.

Em dezenas de cidades, os principais candidatos a prefeitos eram do PP ou do MDB, duas siglas remanescentes do bipartidarismo imposto pela ditadura militar.

As duas legendas foram as que mais fizeram prefeitos pelo país, porém no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina os elos das agremiações com aquele período histórico parecem mais nítidos.

O PP, que hoje se apresenta como Progressistas, se chamava PDS até 1993. Durante a ditadura, seu antecessor era a Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido de sustentação do regime. Até 1979, os militares só autorizavam a existência de uma única legenda oposicionista, o MDB.

Nas eleições de novembro, em 21% dos municípios catarinenses e gaúchos o primeiro colocado foi do PP e o segundo do MDB, ou vice-versa.

O Rio Grande do Sul é onde o MDB e PP tiveram seus melhores desempenhos no país, chegando, somados a conquistar mais da metade das prefeituras.

Ato da campanha do candidato Nestor Tissot (PP), em Gramado, uma das cidades gaúchas onde houve polarização PP-MDB
Ato da campanha do candidato Nestor Tissot (PP), em Gramado, uma das cidades gaúchas onde houve polarização PP-MDB - Reprodução Nestor Tissot no Facebook

Nas médias e grandes cidades do estado, outras forças políticas se impuseram com o passar dos anos. O PSDB, fundado em 1988, por exemplo, conquistou 3 dos 5 maiores municípios.

Nas pequenas localidades, no entanto, ainda com frequência prevalece a lógica daquela época, com os herdeiros de clãs políticos locais aglutinados sob as hostes de uma das duas siglas.

"Arena para um lado, MDB de outro, é a grande marca dos municípios do interior", diz o presidente do PP gaúcho, Celso Bernardi, 77, ex-deputado federal e ele próprio filiado desde a época da Arena.

O dirigente partidário afirma que essa circunstância persiste mesmo não havendo orientação contrária as alianças entre os dois lados e que a dupla é aliada também em dezenas de localidades. Hoje, diz Bernardi, a rivalidade está menos intensa e os membros dos dois partidos se enxergam sobretudo como opositores do PT, atualmente muito enfraquecido no estado.

O PP no Sul mantém uma ligação próxima com o setor rural, que continua simpático ao presidente Jair Bolsonaro (atualmente sem partido). No plano nacional, está à frente do centrão, o bloco parlamentar que se aproximou do governo federal.

A força que costuma demonstrar no interior não costuma se repetir nas eleições majoritárias estaduais: nunca elegeu um governador no período pós-regime.

Além das duas antigas legendas, a terceira força no ranking de prefeitos eleitos no estado é o PDT, ainda uma herança da atuação do ex-governador gaúcho Leonel Brizola no período pós-ditadura.

Parte dos municípios com essas circunstâncias, de rivalidade entre PP e MDB, foi fundada já no período pós-ditadura, mas herdou a dinâmica política das cidades de origem.

Das 497 cidades gaúchas, em 23 haverá vereadores apenas dessas duas siglas.

Ato de campanha do MDB em Frederico Westphalen (RS), uma das cidades gaúchas em que houve polarização com o PP
Ato de campanha do MDB em Frederico Westphalen (RS), uma das cidades gaúchas em que houve polarização com o PP - Reprodução José Panosso no Facebook

O deputado federal Alceu Moreira, presidente do MDB gaúcho, atribui o fenômeno em parte a questões da cultura política. Diz que a fidelidade partidária é mais arraigada na região e que trocar de partido pode significar um suicídio político.

"As pessoas vinculam pessoas aos partidos. A tradição partidária é relevante no processo", diz.

Eleito pela terceira vez, o novo prefeito de Arroio do Meio, Danilo Bruxel, do PP, concorda: “Os que pulam de galho em galho não têm uma vida muito longa na política.”

No município, de 21 mil habitantes, nunca, desde a ditadura, outro partido além da dupla venceu o pleito.

Um fenômeno curioso ocorre em Santiago, de 50 mil habitantes, na região central gaúcha. Desde o início do regime militar, em 1964, a família Arena-PDS-PP só perdeu uma eleição municipal, em 1992, exatamente para o PMDB (hoje MDB).

Neste ano, se reelegeu o prefeito Tiago Görski, 39 —o MDB tinha o vice na chapa do PDT.

Em Santa Catarina, a divisão PP-MDB é um pouco menos intensa. Lá o antigo PDS se enfraqueceu com a cisão que deu origem ao PFL (hoje DEM), nos anos 1980.

Mais recentemente, o PSD, fundado pelo ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, também atraiu uma variedade de políticos locais.

No vizinho Paraná, o fenômeno não se repete. A polarização com as duas siglas na disputa das prefeituras tem paralelo no país neste ano em Alagoas, estado, porém, com circunstâncias políticas muito diferentes. No Acre, com apenas 22 municípios, os dois partidos também lideram o ranking.

Pelo país, frequentemente os partidos com mais prefeitos são os associados ao governo estadual ou a dinastias políticas mais tradicionais de cada região, caso do PSDB em São Paulo ou do PDT no Ceará.

O professor da PUC-RS Rafael Machado Madeira, que coordena o programa de pós-graduação em ciências sociais da universidade, diz que a conjuntura de cidades pequenas tende a favorecer o controle de espaços de poder por grupos políticos tradicionais, como os representados pelas duas siglas.

Isso dificulta o surgimento de forças alternativas competitivas na disputa eleitoral local.

Madeira diz que MDB e PP nos últimos tempos se aproximaram muito do ponto de vista ideológico, mas não há união em muitas das pequenas cidades justamente porque outros partidos têm muita dificuldade de se inserir.

"No Rio Grande do Sul, a Arena sempre foi um partido com muito enraizamento social em pequenos municípios. O MDB também, herdou uma tradição varguista, brizolista, do antigo PTB. Essas duas forças se enraizaram politicamente ao longo do regime militar e se mantiveram no período de redemocratização."

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