Câmara dos Deputados aprova urgência e acelera projeto para substituir Lei de Segurança Nacional

Proposta para substituir legislação da ditadura deve contemplar prisão por uso de robôs para disparos em massa com notícias falsas nas eleições

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Brasília

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (20) requerimento de urgência de um projeto para substituir a Lei de Segurança Nacional, resquício da ditadura militar.

A proposta deve contemplar prisão de até cinco anos e multa para quem usar robôs para fazer disparos em massa com notícias falsas que possam comprometer o processo eleitoral no país.

A urgência foi aprovada por 386 votos a 57. Agora, a relatora do texto, Margarete Coelho (PP-PI), vai fazer ajustes no parecer e incluir sugestões de conversas com juristas, como Miguel Reale Júnior, ministro da Justiça do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

Nos últimos dias, a deputada conversou com bolsonaristas que se opunham às mudanças propostas. Em reunião de líderes há duas semanas, por exemplo, o líder do PSL na Câmara, Vitor Hugo (GO), se posicionou veementemente contrário à votação do projeto.

Os aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) manifestaram preocupação com o dispositivo que penaliza disparos em massa, mas o texto indica que isso só ocorrerá se o envio for feito com utilização de robôs.

Na votação desta terça, Vitor Hugo se posicionou novamente contra a urgência do projeto. Apesar de reconhecer que Margarete Coelho contemplou algumas das preocupações do partido, disse que a relatora não incorporou sugestões que consideram muito relevantes ao texto.

"E também incorporou sugestões de outros partidos, que nós imaginamos que sejam da oposição e que geraram preocupações na nossa bancada."

A oposição também queria mais tempo para avaliar as implicações das mudanças para os movimentos sociais.

A discussão sobre a revogação da LSN foi retomada no dia 7, após o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciar a intenção de dar urgência a um texto na Casa que revisa a lei, resquício da ditadura que tem sido usado a favor e contra bolsonaristas.

O novo texto será um substitutivo a um projeto apresentado em 2002 por Miguel Reale Júnior.

O objetivo da cúpula do Congresso é acelerar a tramitação do projeto para se antecipar à análise da legislação pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e mandar um recado tanto ao governo Jair Bolsonaro como ao Judiciário.

Em meio à intensificação do uso da LSN, quatro ações foram protocoladas no STF em março deste ano questionando se a legislação seria ou não compatível com a Constituição de 1988.​

A aliados Lira indicou que quer acelerar a tramitação da proposta para evitar que, mais uma vez, o Judiciário assuma o protagonismo a respeito de um assunto afeito ao Legislativo.

A lei tem sido usada tanto contra críticos do governo Bolsonaro quanto em investigações de ataques ao STF e ao Congresso, como os inquéritos dos atos antidemocráticos e das fake news em tramitação no Supremo.

A ideia é deixar clara a insatisfação de congressistas com a utilização de artigos da lei pelo Executivo nos últimos meses.

A relatora do projeto propõe a revogação da LSN e a inserção de dispositivos novos no Código Penal em capítulo a ser denominado de "Defesa do Estado Democrático de Direito".

No parecer do texto, Margarete trata dos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas nas eleições e um dos artigos diz respeito à comunicação enganosa em massa.

O dispositivo criminaliza o ato de "promover, ofertar, constituir, financiar, ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, ação para disseminar conteúdo passível de sanção criminal ou fatos que sabe inverídicos, nos termos da lei, capazes de colocar em risco a higidez do processo eleitoral."

A pena prevista na proposta é de reclusão de um a cinco anos e multa.

Em entrevista à CNN na noite desta terça, Lira negou que o dispositivo fosse um recado aos bolsonaristas. " Não, é um recado a quem faz notícia falsa. Acho que fake news não é afeito a um lado político nem a outro. Nós aqui somos vítimas disso quase que diariamente", disse. "Quando tem uma matéria na pauta de interesse da esquerda, nós sofremos ataques de grupos da esquerda. Quando a matéria é do grupo de direita, nós sofremos ataques do grupo de direita."

Na conversa, o presidente da Câmara alfinetou os governos petistas. "Mas o que nós estamos fazendo em substituição à lei de segurança nacional, vocês notem bem, muitos partidos de esquerda que sofreram e dizem que sofreram muito na ditadura passaram 15, 16 anos no poder e nunca fizeram", disse.

"Então chegam agora os partidos de centro para comandar e propor uma lei que altera a lei de segurança nacional pela lei do estado democrático de direito na sua amplitude, com muita discussão, com muito debate, arrumando o texto de uma maneira que essa lei sirva de exemplo e de roteiro para trilhar os destinos da nossa sociedade com relação à comunicação e ao direito das pessoas de falarem e de se expressarem."

Lira defendeu ainda que o projeto busca garantir o estado democrático de direito pleno, com liberdade de expressão e a população podendo falar o que pensa "com responsabilidade no que diz e no que faz". "Então cada um responde pelos atos que comete, e todo ato tem consequência."

A relatora também incluiu no parecer o crime de interrupção do processo eleitoral, que seria impedir ou perturbar eleição ou determinação do resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral.

A pena é de reclusão de quatro a seis anos, aumentada em um terço se o agente for membro ou funcionário da Justiça Eleitoral.

Outro dispositivo inserido pela relatora no projeto trata de violência política, que seria o uso de violência física, sexual, psicológica, moral ou econômica, de forma direta ou através de terceiros, que cause dano ou sofrimento a mulheres ou a qualquer pessoa em razão de seu sexo ou orientação sexual, com o propósito de restringir, impedir ou dificultar o exercício de seus direitos políticos.

A pena é de reclusão de três a seis anos e multa.

Margarete Coelho inseriu ainda dispositivo sobre atentado a direito de manifestação, que se trataria de impedir, com violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestações de partidos ou grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos.

A pena seria de reclusão, de um a quatro anos. No caso de morte, a pena mínima sobe para quatro anos e a máxima, para 12.

A relatora retirou todo o trecho que tratava de terrorismo e dispositivos que tratavam de associação discriminatória ou discriminação racial.

Além disso, incluiu no substitutivo mais recente o crime de ação penal privada subsidiária, de iniciativa de partido político com representação no Congresso, se o Ministério Público não atuar no prazo estabelecido em lei, oferecendo a denúncia ou ordenando o arquivamento do inquérito.

Na última semana, o substitutivo de Margarete se tornou alvo de controvérsia dentro do Congresso depois que a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) protocolou no Senado projeto com trechos muito semelhantes ao parecer da deputada.

Gama, no entanto, afirma que a revogação da Lei de Segurança Nacional sempre foi bandeira de seu partido. “Em virtude dos arroubos autoritários do governo Bolsonaro e das tentativas de enquadrar manifestações democráticas à LSN, decidimos agendar, por meio de projeto, debate sobre o assunto na Casa”, diz.

“O tema é muito debatido no Congresso há anos e, pessoalmente, não tinha informações sobre a dinâmica do projeto da Câmara e do relatório da deputada Margarete que, certamente, deve estar realizando um ótimo trabalho”, afirma.

“Como Câmara e Senado são Casas revisoras, as propostas devem se retroalimentar. É próprio do processo Legislativo.”

A iniciativa gerou ruído entre as Casas. No entanto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou a deputados que o texto da senadora não vai tramitar.


A LEI DE SEGURANÇA NACIONAL

Entenda as origens, o seu uso atual e as propostas para modificá-la ou revogá-la

A LEI

Tendo sua última versão editada no estertores do regime militar (1964-1985), em 1983, é uma herança do período ditatorial, sendo um desdobramento de legislações anteriores, mais duras, usadas contra opositores políticos.

O QUE HÁ NELA

Com 35 artigos, estabelece, em suma, crimes contra a "a integridade territorial e a soberania nacional, o regime representativo e democrático, a federação e o Estado de Direito e a pessoa dos chefes dos Poderes da União".

Traz termos genéricos, como incitação à subversão da ordem política ou social" e artigos anacrônicos, como pena de até 4 anos de prisão para quem imputar fato ofensivo à reputação dos presidentes da República, do Supremo, da Câmara e do Senado.

EXEMPLOS DE APLICAÇÃO NOS DIAS DE HOJE

  • O procurador-geral da República, Augusto Aras, usou a lei para pedir ao STF a abertura de inquérito para apurar atos antidemocráticos promovidos por bolsonaristas, com o apoio do presidente da República

  • O Ministério da Defesa usou a lei em representação contra o ministro do STF Gilmar Mendes, que havia declarado que o Exército estava "se associando a um genocídio" na gestão da pandemia

  • O ministro da Justiça, André Mendonça, usou a lei para embasar pedidos de investigação contra jornalistas, entre eles, o colunista da Folha Hélio Schwartsman, pelo texto "Por que torço para que Bolsonaro morra", publicado após o presidente anunciar que havia contraído a Covid-19

  • O ministro Alexandre de Moraes (STF) usou a lei para embasar a prisão do bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ).

​PROPOSTAS DE MUDANÇA OU REVOGAÇÃO

Há em tramitação na Câmara 37 projetos de lei que alteram ou revogam a lei, entre elas a de substituição por uma Lei de defesa do Estado democrático de Direito em que seria punido, entre outras ações, a apologia de fato criminoso ou de autor de crime perpetrado pelo regime militar (1964-1985)

AÇÕES QUESTIONANDO A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI

  • ADPF 797 (PTB) pede que a lei em sua íntegra seja declarada não compatível com a Constituição
  • ADPF 815 (PSDB) pede que a lei seja suspensa na íntegra, e que o Supremo determine ao Congresso Nacional que edite uma lei de defesa do Estado Democrático de Direito em prazo a ser fixado, sob pena de suspensão da eficácia da atual legislação
  • ADFP 799 (PSB) e ADPF 816 (PT PSOL e PCdoB) pedem que apenas parte da lei seja declarada não compatível com a Constituição
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