Reforma política na Câmara recicla propostas e quer frear TSE e poupar fichas-sujas

Medidas, que incluem ainda o voto impresso, são discutidas em três comissões da Casa criadas pelo presidente Arthur Lira

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Brasília

A um ano e meio das eleições, deputados tentam colocar de pé reforma política e eleitoral que tem como carros-chefes medidas já derrotadas na Câmara e no Judiciário. O debate que é visto por parlamentares e especialistas como uma cortina de fumaça para o afrouxamento de outros pontos da legislação.

Há três comissões na Câmara debatendo alterações na legislação política e eleitoral. Entre as propostas estudadas está a flexibilização da Lei das Inelegibilidades —que foi tornada mais rigorosa pela Lei da Ficha Limpa, em 2010— e um freio ao poder do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de editar resoluções.

Entre as propostas recicladas estão a implantação da impressão do voto eletrônico, a substituição do atual modelo eleitoral (o proporcional) para o chamado distritão e a volta do financiamento empresarial das campanhas.

Apesar do barulho, as três propostas já foram rejeitadas pela própria Câmara ou pelo Judiciário.

O voto impresso já foi declarado duas vezes inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em 2013 e 2020. O distritão foi rejeitado pela Câmara em 2015 e 2017.

Por esse sistema, são eleitos os deputados e vereadores mais votados. Assim, o voto dado aos candidatos derrotados e o dado em excesso aos eleitos acabam, na prática, não tendo efeito.

Hoje, vigora o sistema proporcional, em que o peso total dos votos recebidos por todos os candidatos do partido (mesmo os derrotados), além do voto na legenda, pesam no cálculo de distribuição das cadeiras entre as siglas.

O financiamento empresarial das campanhas foi considerado inconstitucional pelo STF em 2015, no início do escândalo da Lava Jato, sob o argumento de que ele desequilibrava a disputa.

Nos bastidores, a avaliação de congressistas é que esses temas, com muita resistência, têm o objetivo de desviar o foco de outras alterações consideradas prioritárias pelos partidos.

É o caso das resoluções que o TSE edita para as eleições, várias delas consideradas abusivas na visão dos partidos. Em vez de interpretar a lei existente, o tribunal extrapola sua competência e legisla, criticam.

"Nossa ideia é apenas deixar claro o poder de regulamentar, que não pode ir para além do que foi o legislador. O regulamento vem no sentido de esclarecer a lei, de executar a lei, portanto são regras internas, que devem valer internamente, jamais valer externamente", diz a deputada Margarete Coelho (PP-PI), uma das principais aliadas do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Ela é relatora da comissão que debate a revogação de toda a legislação eleitoral atual, que seria substituída por um único código eleitoral e processual eleitoral.

"É inadmissível que uma mudança jurisprudencial [do TSE] venha sem que haja mudança legal. Se a lei se submete ao princípio da anualidade, as alterações em sua interpretação devem vir no mesmo sentido", acrescenta Margarete, se referindo ao fato de que resoluções do tribunal não precisam ser editadas a até um ano da disputa, como ocorre com as leis.

Além da comissão relatada por Margarete, há uma outra que discute alterações políticas e eleitorais na Constituição —relatada pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP)— e uma terceira que avalia a implantação do voto impresso, bandeira do bolsonarismo.

Margarete afirma que pretende ter um relatório pronto para votação em plenário até julho. Para valer nas eleições de 2022, as medidas precisam ser aprovadas pelo Senado e sancionadas pela Presidência da República até o início de outubro.

Outra das mudanças que Margarete avalia colocar em seu parecer é a flexibilização da Lei das Inelegibilidades (lei complementar 64/1990), que define os casos e os prazos em que políticos ficam impedidos de concorrer nas eleições.

O texto foi endurecido pela Lei da Ficha Limpa, de 2010, que definiu que políticos condenados por órgãos colegiados (como tribunais de segunda instância) ou cujo processo transitou em julgado ficam inelegíveis desde a condenação até oito anos depois de cumprirem a pena.

A lei já foi flexibilizada em dezembro de 2020 pelo ministro do STF Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro. Ele concedeu uma decisão liminar determinando que a pessoa fica inelegível por oito anos a contar do momento da condenação, não a partir do momento em que acaba de cumprir a pena.

"A ideia é revisitar a Lei das Inelegibilidades não para flexibilizar, mas para dar mais clareza, razoabilidade, proporcionalidade, principalmente na aplicação das penas", afirmou Margarete, argumentando que penas muito duras são aplicadas tanto para casos mais sérios quanto para delitos menores.

Assim como Renata Abreu, a relatora da comissão que debate as mudanças na Constituição, Margarete afirmou não ver clima para a volta do financiamento empresarial das campanhas. Ela também disse não ser provável mudança nas regras da cláusula de barreira ou das coligações, medidas tomadas nos últimos anos para coibir a proliferação de partidos.

Uma das alterações em que há consenso é a de aprovar uma medida para dificultar ainda mais a sobrevivência das siglas nanicas —pretende-se voltar ao modelo em que partidos que não atingem o patamar mínimo de votos (o quociente eleitoral) não podem participar do rateio das últimas vagas que eventualmente surgem nas eleições, as chamadas sobras.

A relatora disse ainda que são estudadas mudanças na prestação de contas de candidatos e partidos, incluindo a das fundações partidárias, além do debate sobre a regulamentação das candidaturas coletivas.

Sobre as cotas de gênero, Margarete destoa de Renata Abreu, que estuda uma reserva mínima de cadeiras para mulheres no legislativo, mas com o esvaziamento da cota de candidatas (ao menos 30%).

"Acho que não seria adequado. Tem que garantir candidaturas e, ao mesmo tempo, garantir cadeiras. São medidas complementares, vasos comunicantes, um alimenta o outro", afirma Margarete.

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