Não há clima para a volta das doações empresariais de campanha, diz relatora da reforma política

Deputada Renata Abreu critica sistema eleitoral atual e diz que cota de vagas para mulheres deve começar nas Câmaras Municipais

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Brasília

Relatora de uma das três comissões da Câmara que discutem projetos de reforma política e eleitoral, a deputada Renata Abreu (Podemos-SP), 39, afirmou à Folha não ver clima para a volta do financiamento empresarial de campanhas, criticou o atual sistema eleitoral e defendeu uma cota de cadeiras para mulheres no Legislativo, mas com percentual pequeno e começando pelas Câmaras Municipais.

"O que não pode é a gente ficar lutando, que é nosso sonho, pelos 50% [de cota feminina no legislativo], e a gente não conseguir avançar em nada. Meu papel aqui é tentar o máximo possível", afirmou, lembrando que Câmara dos Deputados e Senado são dominados por homens.

A deputada Renata Abreu (Podemos-SP), relatora de comissão que discute reforma política
A deputada Renata Abreu (Podemos-SP), relatora de comissão que discute reforma política - Ronny Santos/ Folhapress

Apesar das declarações da relatora sobre o financiamento empresarial, vários parlamentares do centrão defendem a volta da possibilidade de as empresas doarem para candidatos e partidos, prática relacionada a vários escândalos de corrupção e que foi proibida pelo Supremo Tribunal Federal em 2015

A comissão relatada por Renata Abreu discute alterações na Constituição, que precisam ser avalizadas por pelo menos 60% dos deputados e senadores, em dois turnos de votação em cada Casa. Para valer para as eleições de 2022, precisam estar promulgadas até o início de outubro.

Outra comissão discute alterações eleitorais e políticas na legislação comum. Uma terceira, a volta do voto impresso.

Por que, na opinião da sra., é necessário mudar o sistema eleitoral para um apontado como pior pela maioria da ciência política? Não está sendo discutida a mudança para o distritão [modelo em que são eleitos para os Legislativos os mais votados e que difere do sistema atual, o proporcional, em que a votação dada na legenda e em todos os candidatos do partido define quantas cadeiras aquela sigla obterá], o que está está sendo discutido é de que forma aperfeiçoar o sistema eleitoral, que pode ser o distrital misto [mescla do atual sistema com outro em que o estado ou a cidade são divididos em distritos, que elegem seus representantes], o distritão misto [mescla do atual sistema com o distritão], o distritão ou a manutenção do atual.

Cada sistema tem seus pós e contras. Vou dar o exemplo do distritão: se diz muito que favorece personalidades e quem tem mandato. Que sistema não favorece quem tem mandato? Que sistema não favorece personalidades?

Mas o distritão não favorece mais? De forma nenhuma.

E não enfraquece os partidos? Aí é uma grande discussão. Hoje, salvo em algumas legendas de extremo, pequenas, como o candidato escolhe seu partido? Conveniência eleitoral. Opta pela melhor chapa para se eleger. O sistema proporcional sem coligação acarretou um aumento significativo no número de candidatos [no sistema proporcional, quanto mais votos o partido reunir, mais chances tem de eleger representantes. Daí, uma necessidade de mais candidatos].

O financiamento público limitado [cerca de R$ 3 bilhões nas eleições municipais de 2020], como financia 30 partidos com chapa pura? Não tem recurso para isso. Antes tinha coligação, cada um entrava com dez candidatos. O atual modelo torna mais difícil para o eleitor conhecer o candidato e suas ideias. Distancia também ainda mais.

E o eleitor não aceita votar no candidato A e eleger o candidato B do mesmo partido. Tem exemplos em São Paulo, vereador de um partido da causa LGBT. A primeira suplente dele é uma cantora gospel evangélica, no mesmo partido. A pessoa que votou na cantora gospel evangélica queria eleger o LGBT? Será que ela se sente representada? Como no distritão a chapa é indiferente, o candidato vai escolher o partido que tem afinidade. O que aconteceu muito nessa eleição. Muitos vereadores amavam o o partido que estavam, mas falavam: ali não tenho chapa. Aí mudava pro partido do prefeito para garantir a eleição. Então, enfraquece o partido? É relativo.

Mas isso não é uma exceção? É muito comum, salvo partidos muito pequenos que conseguem montar um grupo muito convergente de ideias. O sistema atual, na teoria é o melhor sistema. Reúne um grupo de pessoas que pensam igual, o grupo atinge um número e o mais votado do grupo entra e representa o grupo inteiro. Na prática, não é assim. Então os efeitos do sistema atual são muito devastadores principalmente na renovação política. Por que? O prefeito e os governadores terão um poder gigante para esvaziar a chapa da oposição.

O sistema atual tem também os puxadores de voto [cuja votação ajuda a eleger colegas de partido com baixo desempenho nas urnas]. E aí, se você perguntar para qualquer cidadão, ele não entende como um candidato que fez 100 mil votos ficou fora e um que fez 20 mil está dentro.

Qual modelo a sra. defende? Não tenho opinião formada, porque todos os sistemas têm seus prós e contras. Eu só acho que o sistema atual não é bom. Eu, pessoalmente, gosto muito do distrital misto porque corrigiria alguma coisa, ou o distritão misto. Pode ocorrer hoje de o candidato mais votado da cidade não se eleger porque esvaziaram a chapa dele, porque ele era oposição. É justo um candidato desse ficar de fora? Por que se fala muito no distritão? Porque ele é um sistema simples, o eleitor entende. Elegem-se os mais votados.

O que a sra. colocará no relatório? Minha ideia é conversar bancada por bancada, entender e colocar esses pontos de vista, ver se tem o mínimo de convergência [o distritão já foi rejeitado pela Câmara em 2015 e 2017].

Sobre a participação feminina na política, quais são as propostas? Tem que corrigir algumas distorções. Homens e mulheres são iguais e precisam ser tratados de forma igual. Só que durante muitos anos a mulher teve um tratamento diferenciado. Você não poderia votar. Não podia ser votada. Aí tem em 1995 uma lei de cotas [ao menos 30% de candidatas] que não resolve o problema. Por um simples fato, não existe a cultura de participação, é difícil para a mulher largar os filhos, é uma cultura que precisa ser mudada. Se o partido não cumprir a cota de 30%, tem que tirar homem [da chapa, para a proporção de 30% de mulheres ser obedecida]. É justo?

Aí que entra a teoria e a prática. A teoria: 'Mas, se não tirar homem, os partidos não vão se esforçar para preencher a cota feminina'. Mentira. Tem coeficiente eleitoral [partidos precisam somar maior número de votos para aumentar a chance de eleger representantes]. Partido nenhum tem interesse em manter as vagas vazias. Menos votos na chapa, menos chance de eleição. A questão é: se não ter que tirar homem, você é obrigado a fabricar candidatos, como acontece tudo que a gente está vendo no país [ela se refere ao esquema das candidaturas laranjas].

O que de fato vai dar resultado para nossa representação foi provado, garantia de recurso [em 2018 o Supremo Tribunal Federal definiu que partidos são obrigados a repassar a verba de campanha às mulheres proporcionalmente ao número de candidatas --ou seja, ao menos 30%]. Segundo coisa, cadeira efetiva [cota de cadeiras para mulheres no legislativo]. Não de forma permanente, mas transitória, para corrigir essa distorção.

E começaria em quantos por cento? Essa é a discussão que a gente tem que ter com a Casa. Porque a gente sabe que é uma casa majoritariamente masculina. E acho que tem que começar de baixo para cima. Hoje na Câmara federal tem 77 mulheres. Em todas as Assembleias Legislativas tem mulheres. Onde está o problema? Há casas municipais que não têm sequer uma vereadora. Então se a gente garantir esse mínimo, mesmo que esse mínimo não impacte a Câmara Federal num primeiro momento, a partir do momento que aumenta a representatividade nos municípios, é um efeito cascata.

Na Câmara hoje há cerca de 15% de mulheres. Você acha que não há ambiente para estabelecer um piso maior? É claro que tem que trabalhar para ser mais do que isso. Mas se aprovar 15% e isso valer de baixo para cima, isso vai crescer, não tem como.

Isso vai estar no seu relatório, os 15%? Não é 15%, o percentual não foi definido ainda, isso vai ser discutido com os partidos e a comissão, mas a minha ideia é colocar no meu relatório as cadeiras, sim. Teve muito partido sugerindo que as cadeiras efetivas [para mulheres] não ficassem restritas ao Legislativo, mas que se estendesse aos partidos, ao Judiciário, ao Ministério Público. Sou favorável, é pertinente, a subrrepresentação feminina tem que ser corrigida em todas as esferas.

Esse piso seria escalonado. Em eleições futuras ele aumentaria para 20%, 25%, e aí por diante? [pelo censo de 2010, as mulheres somam 51% da população brasileira]? O que não pode é a gente ficar lutando, que é nosso sonho, pelos 50%, e a gente não conseguir avançar em nada. Meu papel aqui é tentar o máximo possível.

Há proposta de volta das coligações [para eleição de deputados e vereadores] ou afrouxamento da cláusula de barreira [dispositivo que tira verbas e direitos de partidos com baixo desempenho nas urnas]? A ideia é não mexer em nada. O que houve é um pleito de um pequeno ajuste na cláusula de barreira para incluir o desempenho dos partidos na eleição para senador. Um partido como a Rede, que elegeu cinco senadores [em 2018], foi afetado pela cláusula de barreira. Será que esse partido não tinha uma representação nacional, com cinco senadores da República? Precisamos avançar nisso. Sobre volta de coligações, vai depender do sistema eleitoral, se mudar para o distrital misto, para um distritão, ai não tem coligações.

Financiamento empresarial tem apoio para ser retomado [em 2015 o STF proibiu empresas de financiar candidatos e partidos]? Acho que não tem clima para ser discutido. Não vejo essa movimentação aqui. Não ouvi nenhum pleito sobre isso. Eu fui favorável ao fim do financiamento privado e acho que foi um avanço para o país.

Fim da reeleição, duração de mandato... Uma coisa que gostaria é incluir mecanismos de participação da população. Temas que não têm consenso aqui, como unificação das eleições [hoje elas ocorrem de dois em dois anos], deveriam ser colocados, junto com a eleição, em um plebiscito. E que isso se estabeleça como uma pratica no país: vocês querem unir a eleição ou não? Tinha sugerido plebiscito do voto impresso, mas então criou a comissão especial, então será debatido lá.

Não existe nenhum indício relevante de fraude nas urnas eletrônicas. Acha necessário a volta do voto impresso? Esse é um tema que a população deveria opinar, na minha opinião. O voto impresso é importante, mas gera um custo muito grande. Mesmo que não tenha indício de fraude, a população se sente segura. Se a população se sente insegura então vale o preço.

Mas ela se sente insegura, na sua avaliação? Mas você concorda que nós temos que perguntar a ela? Por que se a população não se sente confiante na urna eletrônica isso torna instável a democracia, as pessoas começam a duvidar da democracia.

O presidente Bolsonaro tem dito, em tom de ameaça, que sem voto impresso não haverá eleição, o que a sra. pensa dessa manifestação? Acho precipitado, porque ele foi eleito sem voto impresso. Mas acho que é um tema pertinente que exige um debate com a sociedade. Como criou a comissão especial específica para isso e como é um tema que envolve a opinião do presidente da República, ele vai ter um tratamento diferenciado.

Uma outra coisa que eu pretendo propor é que baixe a exigência do número de assinaturas necessárias para projetos de lei de iniciativa popular [hoje em 1% dos eleitores do país, divididos por ao menos cinco estados]. E que ele tenha um trâmite mais célere dentro da Câmara, como uma medida provisória, em que o parlamento fosse obrigado a votá-lo em determinado período.

Raio-X

  • 39 anos
  • Presidente nacional do Podemos
  • Deputada federal em segundo mandato
  • Advogada e empresária

Sistemas de eleição para o Legislativo (deputados federais, deputados estaduais e vereadores)

  • Proporcional: É o atual modelo. As cadeiras são divididas com base em um cálculo que leva em conta a votação total recebida pelas legendas e por seus candidatos. Exemplo: um político de um partido forte pode se eleger mesmo tendo recebido menos votos do que outro, pertencente a uma sigla com desempenho mais fraco.
  • Distritão: são eleitos os mais votados. Os votos dados aos não eleitos, e aqueles dados em excesso aos eleitos, são desprezados. Não existe voto em legenda.
  • Distritão misto: Metade das cadeiras é preenchida pelos mais votados. A outra metade, pelo sistema proporcional: votação em lista fechada de candidatos elaborada pelos partidos.

  • Distrital puro: os estados (ou cidades, nas eleições municipais) são divididos em distritos. São eleitos os mais votados.

  • Distrital misto: Metade das cadeiras é preenchida pelo mais votado em cada distrito (o Estado, ou cidade, no caso da eleição para vereadores, é dividido em distritos). A outra metade, pelo sistema proporcional: votação em lista fechada de candidatos elaborada pelos partidos.
  • Lista fechada: eleitores votam em uma lista de candidatos pré-definida pelos partidos, não em candidatos isolados.
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