Bolsonaro foi alertado e recebeu documentos sobre suspeitas na compra da Covaxin, diz deputado; veja mensagens

Segundo Luis Miranda, presidente afirmou que acionaria a PF; deputado diz que não recebeu mais informações sobre o caso

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Brasília

O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirma ter alertado o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre indícios de irregularidade na negociação do Ministério da Saúde para a compra da vacina indiana Covaxin.

"No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele", disse o parlamentar à reportagem nesta quarta-feira (23). ​

O deputado é irmão de Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, que relatou ao MPF (Ministério Público Federal) ter sofrido pressão incomum para assinar o contrato. O depoimento, dado em 31 de março, foi revelado pela Folha.

Bolsonaro usando máscara diante de um painel onde se lê "Ministério da Saúde"
O presidente Jari Bolsonaro durante cerimônia no auditório do Ministério da Saúde, em Brasília - Pedro Ladeira - 1º.jun.2021/Folhapress

Segundo o deputado, naquele encontro Bolsonaro prometeu acionar a Polícia Federal para investigar o caso. "Para poder agir imediatamente, porque ele compreendeu que era grave, gravíssimo", disse Miranda.

O parlamentar afirmou que não recebeu retorno do presidente ou da PF. "Não era só uma pressão que meu irmão recebia. Tinha indícios claros de corrupção."

Miranda é da base aliada do governo e não quis responder se Bolsonaro prevaricou. "Levei [o caso] para ele porque confio nele. Espero que ele tenha feito alguma coisa", disse o deputado. Ele e seu irmão serão ouvidos pela CPI da Covid no Senado nesta sexta-feira (25).

O deputado compartilhou com a Folha imagens que mostram conversas dele com um auxiliar de Bolsonaro, no dia 20 de março deste ano, pelo celular. Miranda pede que o presidente seja avisado sobre "um esquema de corrupção pesada na aquisição das vacinas".

Ele disse ao auxiliar presidencial ter provas e testemunhas. "Depois não quero ninguém dizendo que eu implodi a república. Já tem PF e o caralho no caso. Ele precisa saber se se antecipar", disse Miranda ao auxiliar de Bolsonaro.

Naquela mesma tarde, o deputado e o presidente se reuniram no Palácio da Alvorada.

No dia 22 de março, Miranda encaminhou ao auxiliar do presidente uma cópia de documento que mostraria tentativa de garantir um pagamento antecipado de US$ 45 milhões (R$ 223 milhões) por um primeiro lote de imunizantes. Esse pagamento não está previsto no contrato assinado entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, que produz a Covaxin.

"Isso é muito sério! Meu irmão quer saber do PR (presidente da República) como agir", escreveu Miranda ao auxiliar do presidente. Sem resposta, ele questionou, no dia 23, se Bolsonaro estaria "chateado", o que o auxiliar negou. "São muitas demandas. Vou lembrá-lo", respondeu ao deputado.

Miranda também compartilhou com a reportagem mensagens que o seu irmão recebeu do coronel Marcelo Pires, ex-diretor do Ministério da Saúde. Ele não especificou a data da conversa.

Pires enviou ao irmão do deputado contatos de um servidor do ministério e de um representante da Precisa, e pediu ajuda para agilizar a licença de importação de 4 milhões de doses da Covaxin.

O encontro em que o deputado teria alertado Bolsonaro sobre supostas irregularidades na compra ocorreu em um sábado e não está registrado na agenda oficial do presidente. Naquele dia, Miranda publicou nas redes sociais uma foto ao lado de Bolsonaro.

Nesta terça-feira (22), o deputado disse à Folha que havia encaminhado os relatos de seu irmão a autoridades, mas não quis confirmar quais. "Se eu responder para você, cai a República", afirmou.

O governo fechou contrato para compra da Covaxin em 25 de fevereiro, no momento em que tentava aumentar o portfólio de imunizantes e reduzir a dependência da Coronavac, que chegou a ser chamada por Bolsonaro de "vacina chinesa do João Doria".

Na última sexta-feira (18), a Folha revelou o teor do depoimento dado ao MPF pelo servidor, irmão do deputado. Ele apontou pressão atípica para a importação da Covaxin. A oitiva, enviada juntamente com o inquérito à CPI da Covid no Senado, é mantida em sigilo pelo Ministério Público Federal.

A Procuradoria ainda desmembrou e transferiu a investigação sobre a compra da Covaxin ao identificar indícios de crime no contrato entre o Ministério da Saúde e a Precisa, como mostrou a Folha.

O valor do contrato da Covaxin é de R$ 1,61 bilhão. O custo de cada uma das 20 milhões de doses, US$ 15, é o mais alto dentre todas as vacinas adquiridas pelo ministério. A pasta afirma que só fará o pagamento quando receber os lotes.

Os prazos previstos em contrato já estão estourados. Somente no último dia 4 a Anvisa aprovou a importação de doses, e com restrições.

Miranda disse à CNN Brasil que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deu aval para expor as suspeitas de irregularidades. "Explode, cara. Se você tem certeza que tem alguma coisa errada, senta o pau", teria dito Lira, segundo Miranda.

Em nota, o presidente da Câmara deu uma versão mais amena do diálogo. "Eu disse a ele que se ele tivesse alguma coisa que é errada, explicite", afirmou Lira.

A aprovação na Anvisa foi facilitada por uma mudança na legislação que partiu de emendas a uma medida provisória, como a apresentada pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara.

Em nota, a assessoria do parlamentar negou interferência e citou propostas similares de deputados da oposição, como Orlando Silva (PC do B-SP).

Sócio da Precisa, Francisco Emerson Maximiano deve prestar depoimento à CPI da Covid na próxima semana. A comissão também pediu a quebra dos sigilos do empresário.

Os senadores querem apurar se houve irregularidade na compra da vacina. O contrato foi fechado antes do aval da Anvisa ao imunizante, e por um preço mais alto que o negociado com a Pfizer, (US$ 10), por exemplo. A Bharat Biotech fixou preços de US$ 15 a US$ 20 para cada dose exportada de sua vacina.

Maximiano também é presidente da Global Gestão em Saúde, segundo registros da Receita Federal. E a Global figura como sócia da própria Precisa, segundo os dados da Receita.

A Global recebeu cerca de R$ 20 milhões antecipados, em 2017, para a entrega de medicamentos para doenças raras ao SUS, o que nunca aconteceu. Ricardo Barros era ministro da Saúde à época.

O irmão do deputado Miranda também depôs neste caso, apontando irregularidades. A Saúde ainda negocia a devolução da verba. Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou até a publicação deste texto.

COVAXIN: CRONOLOGIA, RAIO-X DA VACINA E QUEM É QUEM NESSA HISTÓRIA

Cronologia

1ª reunião (20.11)
É feita a primeira reunião técnica no Ministério da Saúde sobre a aquisição da vacina indiana Covaxin, produzida pela Bharat Biotech.

Comitiva (06.01)
Embaixador brasileiro em Nova Déli, na Índia, recebe uma comitiva da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas. Um dos representantes é Francisco Maximiano, presidente da Precisa Medicamentos. A missão visita a Bharat Biotech.

Carta ao 1º ministro (08.01)
O presidente Jair Bolsonaro envia carta ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e afirma que, no programa brasileiro de imunização, estão as vacinas da Bharat Biotech.

Ofício (18.01)
Ministério envia ofício a presidente da Precisa informando querer dar início a tratativas comerciais para aquisição de lotes.

Contrato assinado (25.02)
Contrato é assinado entre Ministério da Saúde e Precisa Medicamentos para a aquisição de 20 milhões de doses.

Nova viagem (05.03)
Maximiano faz nova viagem à Índia. É recebido outra vez na Embaixada do Brasil em Nova Déli. O empresário fala em 32 milhões de doses contratadas pelo Ministério da Saúde.

Pedido rejeitado (31.03)
Anvisa rejeita pedido de importação de doses formulado pelo ministério, por falta de documentos básicos por parte da empresa responsável.

No mesmo dia, um servidor de área estratégica do Ministério da Saúde presta depoimento ao MPF em que relata pressão atípica para importação das doses, inclusive com ingerência de superiores junto à Anvisa.

Fim do prazo (06.05)
Acaba o prazo estipulado em contrato para a entrega dos 20 milhões de doses. Nenhuma dose chegou ao Brasil.

Pedido aprovado (04.06)
Anvisa aprova pedido de importação de doses, mas com restrições, diante da necessidade de estudos extras de efetividade. Nenhuma dose chegou ao Brasil.

Indícios de crime (16.06)
MPF aponta indícios de crime no contrato e envia investigação para ofício que cuida de combate à corrupção.

Raio-X

  • Valor do contrato: R$ 1,61 bilhão
  • Doses a serem entregues: 20 milhões
  • Valor individual da dose: US$ 15 (R$ 80,70)

Preço das doses de outras vacinas contratadas:

  • Sputnik V: R$ 69,36
  • Coronavac: R$ 58,20
  • Pfizer: US$ 10 (R$ 56,30)
  • Janssen: US$ 10 (R$ 56,30)
  • AstraZeneca/Oxford: US$ 3,16 (R$ 19,87)

Quem é quem

Precisa Medicamentos
Empresa que assina o contrato com o Ministério da Saúde. Representa no Brasil a farmacêutica indiana Bharat Biotech

Francisco Maximiano
Sócio-administrador da Precisa. É o empresário que foi à Índia para viabilizar a representação da vacina Covaxin no Brasil. Também se apresentou como representante de clínicas privadas de vacinação. Maximiano é presidente da Global Gestão em Saúde

Global Gestão em Saúde
Empresa foi acionada na Justiça pelo MPF por pagamentos antecipados e indevidos feitos pelo Ministério da Saúde. O valor soma R$ 20 milhões. Segundo a ação de improbidade, a Global não forneceu medicamentos para doenças raras e, mesmo assim, recebeu pagamentos antecipados. Segundo o MPF, 14 pacientes morreram

Alex Lial Marinho
Tenente-coronel do Exército, era do grupo próximo ao general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. Indicado por ele ao cargo, Marinho foi coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde. Parte da pressão para importar a Covaxin, apesar da falta de documentos junto à Anvisa, partiu de Marinho, segundo depoimento de servidor à Procuradoria. O tenente-coronel foi demitido do ministério no último dia 8

Luis Ricardo Fernandes Miranda
Chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde que relatou ao MPF em depoimento em 31 de março revelado pela Folha ter sofrido pressão incomum para assinar o contrato com a Precisa

Luis Claudio Fernandes Miranda
Deputado federal pelo DEM-DF que diz ter alertado Bolsonaro sobre indícios de irregularidade na negociação do Ministério da Saúde para a compra da vacina indiana Covaxin

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