Veja como Covaxin, irmãos Miranda e líder do governo são decisivos no futuro da CPI e de Bolsonaro

Em depoimento, deputado disse que presidente ligou Ricardo Barros a supostas irregularidades da compra da vacina

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Brasília e São Paulo

O caso em torno das suspeitas da compra da Covaxin pelo governo federal, com a possibilidade de que o presidente tenha tido conhecimento da situação, pode ser a denúncia mais grave recebida até aqui pela CPI da Covid, segundo membros da comissão, e complicar a situação de Jair Bolsonaro.

O episódio foi revelado na Folha no último dia 18, com a divulgação do teor do depoimento do servidor Luis Ricardo Miranda, do Ministério da Saúde, ao MPF (Ministério Público Federal).

Na sexta-feira (25), ele e o irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), implicaram o presidente ao deporem na CPI, dizendo que ele sabia dos problemas.

Luis Ricardo disse na oitiva no MPF que recebeu uma pressão “atípica” para agilizar a liberação da vacina indiana, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech. O contrato para a compra de R$ 1,6 bilhão foi intermediado pela empresa Precisa Medicamentos.

O servidor afirmou ainda que seus superiores também pediram para que ele obtivesse a "exceção da exceção" junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a liberação da imunização.

O deputado Luis Miranda (DEM-DF) durante depoimento na CPI, nesta sexta-feira (25)
O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) durante depoimento na CPI, na sexta-feira (25) - Adriano Machado/Reuters

À CPI o deputado declarou que alertou o presidente Bolsonaro, em março, sobre o caso e que Bolsonaro ligou o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), às supostas irregularidades.

Segundo o parlamentar, ele e o irmão expuseram a questão a Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Na ocasião, conforme os relatos, o presidente citou o nome do líder do governo ao dizer que as suspeitas "eram coisa" do aliado. Barros nega ter participado da negociação para a compra da Covaxin.

O Ministério Público Federal enxergou indícios de crime na aquisição. O governo federal nega que tenha havido superfaturamento na compra ou favorecimento à empresa intermediária.

Barros afirmou que não participou da negociação e que a investigação provará que não é ele o parlamentar citado. Neste domingo (27), o deputado divulgou nota em que rebate as suspeitas e diz que "fica evidente que não há dados concretos ou mesmo acusações objetivas".

A CPI desconfia que a Precisa possa ter sido beneficiada. A vacina Covaxin é a mais cara das que estão na cartela do ministério, com valor de R$ 80 por dose, e teve seu contrato fechado em três meses —muito mais rápido que as negociações com Pfizer e Instituto Butantan, por exemplo.

Veja, abaixo, perguntas e respostas sobre o caso.

Como começou a investigação?
A Procuradoria da República no Distrito Federal identificou um descumprimento do contrato assinado entre a Precisa Medicamentos e o Ministério da Saúde, com quebra de cláusulas sobre o prazo de entrega da vacina Covaxin. O Ministério Público Federal investiga a suspeita de favorecimento à Precisa.

Conforme o cronograma estabelecido em contrato, o primeiro lote de 4 milhões de doses deveria ser entregue em até 20 dias após a assinatura, que se deu em 25 de fevereiro. Assim, os primeiros imunizantes deveriam estar no Brasil em 17 de março.

O descumprimento contratual prosseguiu para todo o cronograma. Os 20 milhões de doses deveriam estar no país até 6 de maio. Nenhuma dose da Covaxin entrou no Brasil até agora.

Que indícios a Procuradoria já reuniu?
Em depoimento mantido em sigilo pelo MPF, Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, afirmou ter sofrido pressão de forma atípica para tentar garantir a importação da Covaxin, cujo contrato com a Precisa tinha prazos para fornecimento de doses já estourados naquele momento.

A Procuradoria aponta cláusulas benevolentes no contrato assinado entre a Precisa e o ministério; quebra contratual, com o desrespeito dos prazos acertados; e suspeita de favorecimento à empresa, que faz a intermediação da vacina a mais cara —US$ 15 (R$ 80,70) por dose— dentre as adquiridas pela pasta.

Como revelou a Folha, o Ministério Público Federal enxergou indícios de crime e desmembrou a investigação. A parte relacionada à aquisição da vacina Covaxin foi enviada no último dia 16 para um ofício da Procuradoria que cuida de combate à corrupção.

No despacho que desmembrou o procedimento, a procuradora Luciana Loureiro citou a "temeridade do risco" assumido pelo Ministério da Saúde com a contratação relacionada à Covaxin, "a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público".

O Ministério da Saúde sabia dos problemas no contrato da Covaxin?
Sim. Tanto documentos internos do ministério quanto ofícios enviados pela pasta ao MPF mostram um conhecimento do descumprimento do contrato e uma tentativa de contornar a situação.

Nos dias que antecederam a análise do pedido de importação pela Anvisa, em março, houve uma intensa troca de emails entre representantes da Precisa Medicamentos e funcionários de áreas técnicas do ministério. Em boa parte dos emails, o tenente-coronel do Exército Alex Lial Marinho, então coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde, estava copiado.

Marinho foi citado pelo servidor Luís Ricardo Fernandes Miranda, nos depoimentos ao MPF e à CPI, como um dos responsáveis pela pressão atípica para viabilizar a importação da Covaxin.

A pasta manteve a parceira com a empresa mesmo após a fiscal do contrato detectar inadimplência na entrega de 8 milhões de doses da vacina Covaxin e prazo de validade “muito exíguo” de lotes que chegaram a ser prometidos e nunca foram entregues.

A servidora do ministério designada para a função de fiscal detalhou em um documento de 30 de março os pontos que configuravam o “descumprimento do contrato”, título da notificação direcionada tanto à Precisa, intermediadora do negócio, quanto à Bharat Biotech, empresa indiana que produz a Covaxin.

Entre os documentos que integram o processo está uma matriz de risco elaborada pelo ministério em 17 de fevereiro, com apontamento de seis riscos relacionados à Precisa em caso de efetivação do contrato. Um deles era a possibilidade de atraso na entrega das vacinas.

Os outros riscos descritos são a elevação dos custos, efeitos adversos graves, falta de registro pelo órgão regulatório, falha na guarda ou transporte do imunizante e problemas relacionados à temperatura do produto.

De que forma o presidente Jair Bolsonaro é citado no caso?
O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor que prestou depoimento, diz ter alertado Bolsonaro sobre indícios de irregularidade na negociação do Ministério da Saúde para a compra da vacina indiana.

"No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele", disse o deputado à Folha na quarta-feira (23).

Segundo o parlamentar, naquele encontro, Bolsonaro prometeu acionar a Polícia Federal para investigar o caso. "Para poder agir imediatamente, porque ele compreendeu que era grave, gravíssimo", disse Miranda.

O deputado afirmou que não recebeu retorno do presidente ou da Polícia Federal. "Não era só uma pressão que meu irmão recebia. Tinha indícios claros de corrupção."

A Polícia Federal não encontrou registro de nenhum inquérito aberto sobre compra da vacina. A instituição informou que nunca abriu procedimento para apurar as suspeitas sobre a negociação dos imunizantes.

Miranda é da base aliada do governo e não quis responder se Bolsonaro prevaricou. "Levei [o caso] para ele porque confio nele. Espero que ele tenha feito alguma coisa", disse. Miranda e seu irmão foram convidados pela CPI da Covid no Senado e ouvidos durante quase oito horas na sexta-feira (25).

Por que a CPI da Covid no Senado decidiu entrar no caso?
A pressa do governo para fechar a compra da Covaxin chamou a atenção da CPI, que começou a investigar o assunto. Os senadores querem saber se houve tratamento diferenciado à Precisa, pois outras vacinas, como a da Pfizer e a Coronavac, haviam sido rejeitadas durante meses pelo governo federal.

Além disso, o preço por dose da Covaxin é o mais alto entre as vacinas contratadas.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que as denúncias de pressão para a liberação da importação da Covaxin e a possibilidade de que Bolsonaro tenha tido conhecimento da situação talvez fossem a denúncia mais grave recebida pela comissão.

Afirmando ser “preocupante” a possibilidade de que o chefe do Executivo tenha tomado conhecimento da denúncia, mas não pedido a abertura de uma investigação, Aziz foi um dos que defenderam a participação dos irmãos Miranda na CPI para que explicassem as suspeitas de superfaturamento e favorecimento.

Como mostrou a Folha, o governo ignorou recomendações feitas pela consultoria jurídica do Ministério da Saúde e fechou o contrato da Covaxin a toque de caixa. O documento para a compra foi assinado 24 horas após a conclusão do parecer que dava orientações para a aquisição ser feita em segurança.

O que disse o deputado Luis Miranda à CPI?
No depoimento, ele afirmou ter alertado o presidente Jair Bolsonaro sobre supostas irregularidades na compra da Covaxin. O encontro, segundo o congressista, ocorreu no dia 20 de março, no Palácio da Alvorada.
Segundo relato de Miranda, Bolsonaro teria ligado o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), às supostas irregularidades. Inicialmente, o depoente resistiu a mencionar o nome de Barros. "O presidente [...] chegou a tecer um comentário de um nome de um parlamentar, que eu não me lembro bem, e que ele disse assim: 'É mais um rolo desse...'. E falou o nome da pessoa", relatou aos senadores.

“A senhora também sabe que foi o Ricardo Barros que o presidente falou. Eu não me sinto pressionado para falar, eu queria falar desde o primeiro momento, mas é porque vocês não sabem o que vou passar", disse Miranda à senadora Simone Tebet (MDB-MS), após ser questionado diversas vezes sobre qual parlamentar teria sido citado pelo mandatário.

"Vocês sabem quem é, né? Sabem que ali é foda. Se eu mexo nisso aí, você já viu a merda que vai dar, né? Isso é fulano. Vocês sabem que é fulano", disse Bolsonaro, segundo Miranda.

Após revelar o nome de Barros, o deputado sugeriu inércia de Bolsonaro para impedir as supostas irregularidades. "Que presidente é esse que tem medo de pressão de quem está fazendo algo errado, desvia dinheiro público das pessoas morrendo da porra dessa Covid?", disse Miranda.

O deputado disse ainda que avisou o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello sobre a denúncia levada a Bolsonaro.

“Expliquei para Pazuello de forma resumida... Aí ele olhou pra minha cara com uma cara de descontentamento e falou assim: 'Luis, no duro, mas nessa semana, é certeza, eu vou ser exonerado. Eu tenho conhecimento de algumas coisas, tento coibir, mas, exatamente por eu não compactuar com determinadas situações, é que, assim, eu vou ser exonerado'."

O parlamentar também mostrou à CPI uma imagem de conversa com o irmão pelo celular, que menciona o suposto pedido de propina na Saúde. O diálogo ocorreu em 20 de março deste ano.

"Aquele rapaz que me procurou dizendo que tem vacina. Disse que não assinaram porque os caras cobraram dele propinas para assinar o contrato. Vou perguntar se ele tem provas", disse o servidor público ao deputado.

A imagem mostra que, em seguida, Luís Ricardo relatou ter recebido "mais uma ligação" pedindo para acelerar o trâmite de importação da vacina. O telefonema partiu do coordenador dele, segundo o print da tela.

O que disse o servidor Luis Ricardo Miranda à CPI?
Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, reafirmou à CPI que havia erros na documentação usada para pedir a importação das doses da Covaxin e, sem dar detalhes, mencionou cobrança de propina durante a negociação por um imunizante. A fala foi confirmada por seu irmão.

Segundo Luis Ricardo, a ofensiva de chefes da pasta pela importação das doses ocorreu mesmo após técnicos perceberem, na documentação, dados diferentes daqueles registrados no contrato.

"Toda a equipe do setor não se sentiu confortável com essa pressão e a falta de documentos. Como meus dois superiores estavam pressionando, eu acionei e conversei com o meu irmão. Que passou [o caso] ao presidente", disse o servidor.

O servidor Luis Ricardo citou à CPI relato de que a negociação por uma vacina havia travado por cobrança de propina de gestores da pasta.

"O ministério estava sem vacina e um colega de trabalho, Rodrigo, servidor, me disse que tinha um rapaz que vendia vacina e que esse rapaz disse que os seus, alguns gestores, estavam pedindo propina", afirmou o servidor. O diálogo teria ocorrido com um servidor terceirizado da Saúde chamado Rodrigo de Lima.

À Folha Lima negou que tenha ouvido menção a cobrança de propina na pasta. "Eu não tenho provas de ninguém pedindo propina. Então não posso afirmar", disse à reportagem.

O que o presidente disse até agora sobre o assunto?
Na quinta-feira (24), em evento no interior do Rio Grande do Norte, Bolsonaro adotou a estratégia de negar corrupção sob o argumento de não ter havido qualquer pagamento à fabricante da vacina, mas não explicou o que fez em março deste ano, depois de ser alertado sobre as supostas irregularidades.

Horas mais tarde, ainda durante a viagem, o presidente repetiu que não há suspeitas de corrupção em seu governo e afirmou que a acusação sobre o imunizante indiano é a arma que sobra aos seus opositores.

"Me acusam de quase tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil. A acusação é a arma que sobra", disse, qualificando as acusações como fake news.

Bolsonaro confirmou que esteve com Luis Miranda, mas afirmou que o deputado "não falou nada de corrupção em andamento" e que agora "ele deve falar isso para desgastar o governo". "Vai ser apurado. Com toda certeza quem buscou armar isso daí vai se dar mal", disse.

Na sexta-feira (25), em Sorocaba (SP), Bolsonaro se irritou com perguntas sobre o caso Covaxin e insultou jornalistas, principalmente mulheres, que o questionaram a respeito do tema. Ele tachou quase todas as perguntas sobre o caso de idiotas.

Na ocasião, ele disse que a PF abriria inquérito para investigar a negociação. "É lógico que a PF vai abrir inquérito", afirmou, insistindo que, sob seu mandato, o governo está "há dois anos e meio sem corrupção".

Na noite de sexta, ao chegar a Chapecó (SC), o presidente voltou a minimizar o escândalo, chamando de “desespero” e de invenção de “uma corrupção virtual” o episódio levantado na CPI.

“Uma vacina que não foi comprada, não chegou uma ampola aqui, não foi gasto um real. E o governo está envolvido em corrupção. É o desespero. Por Deus que está no céu, me policio o tempo todo. Só Deus me tira daqui. Tapetão por tapetão sou mais o meu", disse.

No sábado (26), após passeio de moto com apoiadores na cidade catarinense, Bolsonaro subiu em um carro de som e disse que a CPI é formada por pilantras que não querem investigar quem recebeu o dinheiro, em referência aos governadores.

O que o governo disse até agora sobre o assunto?
O Planalto reagiu na quarta-feira (23) escalando um dos investigados pela CPI para explicar o caso Covaxin —Elcio Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde—, mas sem conseguir rebater o eixo das suspeitas.

Senadores governistas da CPI afirmaram na quinta-feira (24) que o presidente pediu que o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello verificasse as denúncias envolvendo a compra da Covaxin assim que teve contato com os indícios.

Também na quinta, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República) divulgou uma sequência de tuítes elogiosos ao governo e com acusações aos denunciantes. "Ao contrário do alardeado, não houve superfaturamento nem favorecimento", diz uma das mensagens publicadas nas redes sociais.

"Toda a narrativa divulgada pelo deputado, acolhida e propagada exaustivamente pela imprensa tem como base um documento com ERROS, e que apresenta fortes indícios de ADULTERAÇÃO (será periciado)", afirma outra mensagem da assessoria de comunicação da Presidência.

A sequência de tuítes continua afirmando que "por algum motivo escuso, aparentemente, um servidor ou adulterou documento ou identificou um erro que logo foi corrigido e, mesmo assim, utilizou o documento errado para criar uma narrativa mentirosa contra o presidente da República e o governo federal".

Que outras providências o governo adotou?
O presidente Bolsonaro pediu para que a Polícia Federal investigue o servidor do Ministério da Saúde e o deputado federal, autores das acusações que o envolvem. O deputado Miranda disse que acionar a PF é uma tentativa desesperada de calar testemunhas sobre a compra da vacina indiana e mostra que Bolsonaro “não fez nada” após ser alertado sobre as possíveis irregularidades.

O Palácio do Planalto também discute o cancelamento do contrato assinado com a Precisa Medicamentos em fevereiro para obter 20 milhões de doses da vacina indiana produzida pela Bharat Biotech.

As respostas dadas pelo governo até aqui foram satisfatórias?
Para integrantes da CPI, não. Na leitura da cúpula do colegiado, as investigações, após o depoimento de sexta, entram em novo patamar devido às declarações sobre Ricardo Barros. Os parlamentares consideram que atingiram o discurso de combate à corrupção do governo.

O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou no sábado (26) que o colegiado começou a investigação pelo vírus, em alusão ao novo coronavírus, e chegou "ao câncer da corrupção".

O fato de o governo Bolsonaro ter reservado R$ 1,61 bilhão para uma vacina sem perspectiva de entrega, com quebras de cláusulas contratuais, já se configura um prejuízo à saúde pública, disse à Folha a procuradora da República Luciana Loureiro, responsável pelo inquérito civil público que investigou o contrato entre Ministério da Saúde e Precisa Medicamentos.

Que acusações podem pesar sobre Bolsonaro?
A declaração pública do deputado Luis Miranda de que avisou pessoalmente a Bolsonaro da suspeita de corrupção sugere que o presidente possa ter cometido crime de prevaricação, por não ter acionado a Polícia Federal. O crime ocorre quando o agente público não toma as decisões e medidas corretas em defesa do bem público.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), anunciou no sábado (26) que acionará a PGR (Procuradoria-Geral da República) para que o órgão investigue o presidente por crime de prevaricação. Ele pretende protocolar uma notícia-crime na segunda-feira (28).

"Esse crime é, até aqui, o mínimo a ser investigado. Eu tenho certeza que a CPI vai apurar muito mais além disso”, afirmou o senador.

Após o recebimento de uma notícia-crime, é feita uma apuração preliminar. Se a PGR entender que há, de fato, indícios do cometimento de crime a exigir o aprofundamento da investigação, um pedido de inquérito é feito ao STF (Supremo Tribunal Federal).

A oposição ao governo diz que a omissão do presidente mostra que ele agiu de acordo com interesses pessoais e políticos.

A Polícia Federal informou que nunca abriu procedimento para apurar as suspeitas sobre a negociação dos imunizantes.

Os senadores do grupo majoritário da comissão, formado por oposicionistas e independentes, avaliaram que, se forem comprovados ilícitos na negociação de compra da vacina, Bolsonaro pode responder por prevaricação independentemente de ter acionado ou não a PF ao saber das denúncias.

Segundo esse entendimento, a prevaricação já estaria bem definida pelo fato de que o Ministério da Saúde não rompeu o contrato com a Precisa Medicamentos, apesar do atraso na entrega das vacinas —nenhum lote acordado foi cumprido e a imunização ainda nem tem autorização definitiva da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)— e dos indícios de irregularidade.

Ainda não está claro se houve pagamentos ou vantagens ilícitas para membros do governo ou aliados.

Outras hipóteses são levantadas?
Senadores da CPI consideram que há indícios de crimes de advocacia administrativa —usar a máquina pública em favor de entidades privadas.

Os integrantes da comissão querem averiguar se o presidente teve papel ele próprio na pressão para liberar a Covaxin. Para isso, vão tentar mapear a origem das ordens. O objetivo é verificar se há ligação entre a atuação da alta cúpula da Saúde e integrantes do Palácio do Planalto.

A hipótese de advocacia administrativa é embasada no fato de que o presidente enviou uma carta ao primeiro-ministro indiano Narendra Modi pedindo os "bons ofícios" na liberação de doses da vacina AstraZeneca, ocasião na qual também citou a Covaxin —que ainda não figurava no rol das imunizações preferenciais do Brasil.

A carta foi enviada enquanto o sócio-administrador da Precisa, Francisco Maximiano, estava no país asiático negociando a compra da Covaxin.

Não há consenso na CPI, por outro lado, em relação ao crime de corrupção. Uma ala do grupo majoritário defende que haverá corrupção somente com o pagamento feito pelo Ministério da Saúde para a Precisa Medicamentos, o que ainda não foi feito.

Em uma outra vertente, os senadores afirmam que o privilégio dado para a Covaxin, em um momento em que outras vacinas foram negligenciadas, em declarações públicas do próprio presidente, também caracteriza uma omissão e crime contra a saúde pública.

Como o caso interfere na CPI da Covid?
O surgimento dos novos fatos resultou em uma nova linha de investigação da CPI da Covid, que se tornou central e deve nortear as atividades da comissão pelas próximas semanas. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que talvez seja a denúncia mais grave já recebida pelo colegiado.

A cúpula da CPI afirma que as suspeitas abrem um promissor caminho de investigação, que pode levar à responsabilização do presidente.

Para um membro da comissão que falou reservadamente com a Folha, o colegiado acredita que terá maior apoio da opinião pública, mas precisará entregar mais elementos sobre as suspeitas de irregularidades na compra da vacina.

As declarações do servidor e do deputado à CPI também devem servir de combustível para a comissão estender os trabalhos. Para isso, é necessário o apoio de 27 dos 81 senadores. O prazo inicial de 90 dias se encerra em 10 de agosto, e pode ser renovado. Se prorrogada, a CPI irá até novembro.

As informações podem embasar um processo de impeachment?
Na visão de senadores da CPI da Covid, há elementos para atribuir ao presidente crime de responsabilidade, condição básica para a abertura de um processo de impeachment. Além da suspeita de prevaricação, as hipóteses de omissão e crime contra a saúde pública são consideradas graves, porque as ações atentam contra um direito constitucional dos brasileiros, o direito à saúde.

Líderes da oposição decidiram incluir o caso Covaxin em um superpedido de impeachment que será apresentado na quarta-feira (30). Dirigentes de partidos e movimentos contrários ao presidente enxergam no episódio potencial para reforçar a pressão pelo afastamento do mandatário.

A representação conjunta reúne mais de 100 pedidos de impeachment feitos por siglas, políticos e grupos de oposição, além de parlamentares que se arrependeram de ter apoiado o presidente, como Joice Hasselmann (PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP).

A área jurídica que elabora o superpedido de impeachment encontrou um dispositivo na legislação que contempla a prevaricação como elemento que pode fundamentar um processo de deposição do titular da Presidência da República.

"Não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados" em caso de delitos é uma das situações listadas na Lei do Impeachment (Lei 1.079, de 1950) como afronta à probidade na administração, o que é um dos motivos suficientes para o afastamento de um presidente.

Para o advogado Mauro Menezes, que é ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência e faz parte do grupo que prepara o documento, a postura de Bolsonaro pode ser configurada como crime de responsabilidade. A prevaricação também está prevista no artigo 319 do Código Penal.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), passou a sofrer pressão ainda maior para que paute um dos pedidos apresentados na Casa. Lira, eleito para o comando da Câmara com o apoio do governo, tem se mostrado resistente a dar andamento ao processo e disse recentemente que faltava "circunstância política" para isso. A abertura do impeachment depende de uma decisão monocrática do presidente da Câmara.

A denúncia pode insuflar atos de rua contra Bolsonaro?
Sim. Manifestações isoladas já foram registradas no país no sábado (26), mas os movimentos e partidos engajados nas mobilizações nacionais contra o presidente já anunciaram que vão incorporar as denúncias às pautas de seu próximo protesto.

As organizações que lideram os atos, reunidas no fórum Campanha Nacional Fora Bolsonaro, decidiram em reunião de emergência no sábado adiantar para o próximo sábado (3) os atos que estavam marcados inicialmente para o dia 24 de julho.

A previsão é usar as manifestações de rua para reforçar a bandeira do impeachment. O ato do dia 24, no entanto, não foi desmarcado pelas forças da oposição, que executam um calendário prolongado de manifestações pela saída do presidente, pela aceleração da vacinação e por outras causas.

Os grupos já organizaram dois protestos, em cidades do Brasil e do exterior, em 29 de maio e 19 de junho, com milhares de participantes. Para quarta-feira (30), também está sendo preparado um protesto durante a apresentação do superpedido de impeachment, em Brasília.

Como a citação de Bolsonaro afeta o discurso do presidente?
A suspeita de irregularidade na negociação para a compra da vacina Covaxin trincou o discurso anticorrupção que o presidente ostenta apesar de investigações que têm seus filhos e ministros como alvo.

A retórica do combate à corrupção foi adotada desde a campanha eleitoral de 2018 e atraiu para Bolsonaro o apoio de simpatizantes da Lava Jato. Depois de eleito, o presidente levou para o Ministério da Justiça e Segurança Pública o juiz-símbolo da operação, Sergio Moro. Ele, no entanto, deixou o cargo após um ano e quatro meses, em conflito com Bolsonaro e acusando o presidente de interferência política na Polícia Federal.

Já em meio às suspeitas do caso Covaxin, Bolsonaro repetiu o discurso de que “o governo está completando dois anos e meio sem uma acusação sequer de corrupção”. Na quinta-feira (24), o presidente afirmou que tem o compromisso de determinar apuração “se algo estiver errado”. “Mas, graças a Deus, até o momento, não temos um só ato de corrupção. Quem podia esperar isso daí?”

Como reagiram aliados e apoiadores de Bolsonaro?
Governistas, como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e o senador Marcos Rogério (DEM-RO), criticaram o depoimento e o que eles chamaram de "denúncias vazias". Aliados de Bolsonaro usam as redes sociais, onde encontram boa parte da sua base política, para diminuir o impacto da sessão da CPI na sexta.

O que disse o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, sobre o caso?
Questionado, ele se irritou e abandonou uma entrevista com jornalistas na quarta-feira (23). Queiroga inicialmente afirmou que o governo não comprou nenhuma dose da Covaxin. "Todas as vacinas que têm registro definitivo da Anvisa ou emergencial, o Ministério considera para aquisições."

Um jornalista questionou se o governo federal compraria a vacina mesmo com preço mais alto que os demais imunizantes. Foi neste momento que Queiroga se irritou. "Eu falei em que idioma? Eu falei em português. Então, não foi comprado uma dose sequer da vacina Covaxin nem da Sputnik", respondeu o ministro. Os repórteres explicaram que a pergunta se referia a uma intenção futura. Queiroga rebateu afirmando que "futuro é futuro" e deixou a entrevista sem responder a outras perguntas.

O governo federal fez algum pagamento à Precisa Medicamentos?
Não. Mas o governo já emitiu uma nota de empenho, que é uma reserva do dinheiro, uma autorização para os gastos. A nota foi emitida em 22 de fevereiro, três dias antes da assinatura do contrato. Ela seguiu válida nos quatro meses seguintes.

A Precisa, que faz a intermediação da Covaxin, tentou por duas vezes garantir um pagamento antecipado de US$ 45 milhões por um primeiro lote de imunizantes, o que não está previsto no contrato assinado com o Ministério da Saúde.

A ofensiva da Precisa, com a apresentação de duas faturas com a previsão de pagamento antecipado, foi um dos diversos fatores que travavam o processo de importação da vacina em março. No fim desse processo, a Anvisa indeferiu a importação, por falta de documentos básicos que atestassem a qualidade e a segurança da Covaxin.

Qual o parecer da Anvisa sobre a vacina?
O imunizante foi alvo de questionamentos por parte da agência. Em março, a Anvisa negou um pedido de importação da Covaxin feito pelo Ministério da Saúde. Entre os motivos estava a falta de dados mínimos exigidos para análise e de certificado de boas práticas de fabricação.

Naquele mesmo mês a agência decidiu indeferir o pedido de certificado de boas práticas de fabricação para a Bharat Biotech, empresa responsável pelo imunizante, após inspeção em fábrica na Índia.

Em 9 de junho, porém, a Anvisa concedeu o certificado, atestando que a empresa segue regras de fabricação indicadas pela agência. Representantes da Anvisa informaram que problemas apontados antes tinham sido corrigidos. O pedido havia sido feito pela Precisa Medicamentos.

Pouco antes, a Anvisa já havia aprovado o pedido de aval à importação de doses da vacina, mas de forma condicional e com restrições.

Além da falta da comprovação de boas práticas até então, a equipe técnica encontrou outros pontos de incertezas , como o fato de que o estudo clínico de fase 3 —que confirma dados de segurança e verifica a eficácia— ainda não tinha tido todos os dados apresentados e a falta de informações completas da estabilidade da vacina.

Entre as condições pedidas pela Anvisa para o aval estão a necessidade de apresentação de mais dados sobre resultados de estudos, como informações de acompanhamento dos pacientes por dois meses e e aplicação da vacina em centros de saúde determinados.

A aprovação também vale para um volume menor de doses do que o pedido inicialmente pela pasta —4 milhões, contra 20 milhões do pedido inicial.

Vacina Covaxin (Bharat Biotech):

  • Tecnologia: utiliza a tecnologia de vírus inativado, similar à da vacina da gripe. O coronavírus Sars-CoV-2 é modificado para que se torne não infectante
  • Intervalo entre as doses: 28 dias
  • Eficácia: resultados preliminares do estudo clínico desenvolvido na Índia apontam para uma eficácia global de 78% da vacina contra Covid e de 100% para casos graves; a vacina também se mostrou eficaz contra a variante B.1.617 e suas sublinhagens, que foi primeiro identificada no país asiático
  • Em quanto tempo oferece proteção: não foram apresentados dados de imunogenicidade ainda para a vacina
  • Efeitos colaterais: os estudos de fase 3 ainda estão em andamento na Índia e a empresa não divulgou qual a frequência de efeitos colaterais nos resultados preliminares —apenas afirmou que ela é bem tolerada e com baixa incidência de eventos adversos

O QUE ACONTECEU APÓS A REVELAÇÃO DO CASO PELA FOLHA

Reportagem aponta pressão atípica (18.jun)
Em depoimento mantido em sigilo pelo MPF (Ministério Público Federal) e obtido pela Folha, Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, afirmou ter sofrido pressão de forma atípica para tentar garantir a importação da vacina indiana Covaxin

'É bem mais grave' (22.jun)
Irmão do servidor do Ministério da Saúde, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) disse à Folha que o caso é "bem mais grave" do que a pressão para fechar o contrato

Menção a Bolsonaro (23.jun)
Luis Miranda afirmou ter alertado o presidente sobre os indícios de irregularidade. "No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele"

CPI aprova depoimentos (23.jun)
Os senadores da comissão aprovaram requerimento de convite para que o servidor Luís Ricardo Miranda preste depoimento. A oitiva foi na sexta-feira (25), e o deputado Luis Miranda também foi ouvido.
Os parlamentares aprovaram ainda requerimento de convocação (modelo no qual a presenção é obrigatória) do tenente-coronel Alex Lial Marinho, que seria um dos autores da pressão em benefício da Covaxin. A CPI também decidiu pela quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático de Lial Marinho

Denúncia grave (23.jun)
Presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que as denúncias de pressão e a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro tenha tido conhecimento da situação talvez seja a denúncia mais grave recebida até aqui pela comissão

Bolsonaro manda PF investigar servidor e deputado (23.jun)
O presidente mandou a Polícia Federal investigar o deputado Luis Miranda e o irmão dele, Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor do Ministério da Saúde. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, e Elcio Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, foram escalados para fazer a defesa do presidente. Elcio é um dos 14 investigados pela CPI

Empresa diz que preço para Brasil segue tabela (23.jun)
A Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, afirmou que o preço de US$ 15 por dose da vacina Covaxin oferecido ao governo brasileiro segue tabela mundial e é o mesmo praticado com outros 13 países

Governistas dizem que Bolsonaro repassou suspeitas a Pazuello (24.jun)
Senadores governistas da CPI afirmaram durante a manhã desta que o presidente pediu que o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello verificasse as denúncias envolvendo a compra da Covaxin assim que teve contato com os indícios

'Acusação é arma que sobra' (24.jun)
Bolsonaro fustigou integrantes da CPI da Covid, repetiu que não há suspeitas de corrupção em seu governo e afirmou que a acusação sobre a vacina indiana é a arma que sobra aos seus opositores. "Me acusam de quase tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil. A acusação é a arma que sobra", disse o presidente na cidade de Pau de Ferros, no Rio Grande do Norte​

'Foi o Ricardo Barros que o presidente falou' (25.jun)
Em depoimento à CPI da Covid, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que é irmão do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, afirmou ter alertado Bolsonaro. “A senhora também sabe que foi o Ricardo Barros que o presidente falou", disse o parlamentar à senadora Simone Tebet (MDB-MS). Segundo ele, Bolsonaro afirmou: "Vocês sabem quem é, né? Sabem que ali é foda. Se eu mexo nisso aí, você já viu a merda que vai dar, né? Isso é fulano. Vocês sabem que é fulano"

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