Ministro Fábio Faria se converte ao bolsonarismo nas redes sociais por apoio da ala ideológica

Entorno do presidente vê questão de sobrevivência; a pessoas próximas chefe das Comunicações nega mudança e diz apenas fazer defesa de Bolsonaro

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Brasília

Quando Fábio Faria se licenciou do mandato de deputado federal pelo PSD do Rio Grande do Norte para assumir o cargo de ministro das Comunicações, em junho do ano passado, tinha como missão fazer oficialmente uma ponte com o Congresso, em especial com o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e tentar melhorar a relação do presidente Jair Bolsonaro com a imprensa.

Logo de partida, convenceu o novo chefe a não mais parar no cercadinho na porta do Palácio da Alvorada. Naquele picadeiro improvisado e diante de apoiadores, Bolsonaro proferia impropérios para jornalistas, respondia contestações com gritos de "cala a boca" e gestos obscenos e promovia ataques homofóbicos ou manifestações esdrúxulas, o que acabava dominando o noticiário do dia.

Um ano depois, porém, o ministro faz aparições nas redes sociais com comentários na mesma linha do presidente e de seus assessores mais ideológicos.

Na live da última quinta-feira (24), Faria era o convidado da apresentação semanal de Bolsonaro.

O ministro foi escalado para falar da viagem que havia feito com o presidente, horas antes, pelo Rio Grande do Norte, seu reduto eleitoral, e sobre a implementação de internet para a comunidade indígena Balaio, em São Gabriel da Cachoeira (AM).

Mas acabou fazendo figuração no discurso de Bolsonaro para desacreditar a Coronavac, associada a seu inimigo João Doria (PSDB). Foi o governador de São Paulo que proporcionou a chegada do imunizante ao Brasil e sua posterior produção no país.

Bolsonaro perguntou na transmissão qual vacina Faria pretende tomar e se o assessor aceitaria a Coronavac. O ministro demonstrou constrangimento, mas o presidente insistiu. "Não, vou ver se tem a outra", respondeu o ministro.

Faria já foi aconselhado a deixar o tom radical que vem adotando mais recentemente.

"Em breve vocês verão políticos, artistas e jornalistas 'lamentando' o número de 500 mil mortos. Nunca os verão comemorar os 86 milhões de doses aplicadas ou os 18 milhões de curados, porque o tom é sempre o do 'quanto pior, melhor'. Infelizmente, eles torcem pelo vírus", escreveu Faria em 19 de junho, quando o Brasil cruzou o meio milhão de óbitos por Covid.

Cinco dias antes, gravou vídeo diante de um cavalete e folha de papel com números de vacinação, na mesma linha de argumentação de uma postagem que havia feito em 30 de maio.

A legenda da publicação dizia "'Desnarrativizando' a vacinação do Brasil e do mundo!! Jair Bolsonaro prometeu vacinar os brasileiros até o final do ano e vai cumprir!!". "Queria fazer aqui para a turma da narrativa ler, que é importante ler", disse o ministro ao introduzir a apresentação.

Em 14 de junho, publicou um vídeo com imagens da motociata que Bolsonaro promoveu em São Paulo. "Para quem queria imagens de drone… Milhares de robôs pilotando motocicletas!!!", escreveu.

Em 1º de junho, Faria já usava o cavalete com papel em um vídeo para comentar títulos de reportagens e editoriais garimpados na internet.

"Pode parecer óbvio para alguns, mas é preciso mostrar didaticamente que parte da mídia, movida por sentimentos políticos, adota um padrão diferente quando se trata do governo federal. Assim, evitamos que os menos engajados sejam manipulados por narrativas em detrimento dos fatos", afirmou.

Em 30 de maio, um dia após as primeiras manifestações contra o governo Bolsonaro, o ministro publicou duas fotos. Em uma, uma mulher envolta por uma bandeira do Brasil segura um bebê dormindo, também coberto por uma bandeira. Na outra foto, uma jovem de costas mostra as nádegas.

A primeira imagem traz o nome de Bolsonaro. A segunda, o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "A decisão é sua", diz o texto que acompanhou as fotos.

Ainda no dia dos atos pelo país, o ministro das Comunicações compartilhou a foto de uma manifestante nua, com uma maçã na boca e com pés e mãos amarrados. Ela estava deitada sobre uma mesa onde havia um cartaz em que se lia "neste governo #forabolsonaro: cardápio do dia".

"As imagens vão rodando e a ficha de muita gente vai caindo. Nunca mais o Brasil vai abandonar a sua bandeira verde e amarela, o amor à Pátria, o respeito a Deus e o legado de um governo honesto!!! Por mais que tentem, não vão conseguir. #bolsonaro2022", escreveu.

Em 6 de maio, a publicação foi direcionada ao vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho 02 do presidente e influente nas redes sociais do pai.

"A imprensa tem tara em colocar o nome Carlos Bolsonaro em tudo. Só tem uma explicação: sabem que ele foi o maior responsável pela vitória do PR [presidente da República], de quem não gostam; e que ele se conecta diariamente e mobiliza as pessoas nas redes sociais, vide as manifestações estrondosas de sábado", escreveu Faria no Twitter.

Pessoas que convivem com o ministro dizem que as postagens são um aceno ao presidente por sobrevivência no governo.

Esses interlocutores afirmam, sob condição de anonimato para não se indisporem com Faria, que ele passou a agir dessa forma publicamente porque começou a perder espaço no governo.

Depois da demissão de Fabio Wajngarten da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República), Faria conseguiu nomear para o posto o almirante Flávio Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos.

O almirante acumulou as duas funções por menos de um mês, pois deixou a Secom em abril deste ano. A partir daquele momento, Faria perdeu a ingerência que tinha sobre a comunicação do governo. A Secom foi assumida pelo coronel da Polícia Militar do Distrito Federal André de Sousa Costa.

Costa chegou ao Planalto pelas mãos de um amigo da família Bolsonaro, Jorge Oliveira, ex-ministro da Secretaria-Geral e atual ministro do TCU (Tribunal de Contas da União). Mas sua indicação ao comando da Secom é atribuída ao ex-PM Max Guilherme Machado de Moura, atual assessor especial da Presidência.

À Folha Costa negou que tenha sido indicado por qualquer um dos dois. "É fake. Estou Secom por vontade do sr. presidente da República. Convite feito pelo próprio", disse em uma mensagem de celular.

Procurado, Oliveira não se manifestou sobre a indicação. A Folha não conseguiu contato com Max Guilherme.

De acordo com quatro pessoas ligadas ao governo, Faria começou a mudar sua postura publicamente a partir da chegada de Costa para comandar a Secom.

O ministro não quis se manifestar sobre a reportagem, mas um integrante de seu círculo íntimo disse à Folha que ele não concorda com a avaliação de que "bolsonarizou" seu comportamento nas redes.

Segundo Faria justificou a pessoas próximas, as postagens mais contundentes foram feitas pontualmente, quando avaliou que era necessária uma resposta mais firme em defesa do governo, para que acusações não ficassem sem resposta.

Apesar da condução errática do enfrentamento da pandemia e do constante tensionamento provocado por Bolsonaro, Faria queixa-se nos bastidores de que, com a crise sanitária, o número de reportagens críticas ao seu chefe cresceu muito.

Enquanto isso, menções positivas ao governo —quando existem— são relacionadas apenas ao titular do ministério envolvido, não ao presidente.

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